Antonio Bastos é jornalista, ator e roteirista de humor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo dar uma navegada em sites de notícias e blogs que acompanho. Também sigo alguns perfis no Twitter que me dão conta do que está acontecendo, mas sob a ótica do humor (é o meu campo de atuação). Faço isso para dar aquela primeira carga no cérebro. Depois passo algum tempo (podem ser minutos) fazendo anotações para ideias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para escrever preciso me sentir pilhado. Do contrário passo tempo demais contemplando o temível “retângulo branco”. Essa pilha não tem hora pra vir. Mas quando vem parece que estou psicografando. A coisa vai fluindo. Geralmente a pilha vem quando baixo a guarda. Costumo dizer que é preciso enxergar o mundo e as coisas como se fosse a primeira vez.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta. Já é um processo natural. Estou sempre fazendo pesquisa (o boteco é o melhor laboratório que existe), escutando pessoas, andando por aí. Depois anoto tudo, organizo. Às vezes produzo trabalhos completos. Outras vezes surgem ideias desconexas, mas que poderão servir no futuro. Um personagem maravilhoso, aparentemente sem função, pode aparecer depois em outra história.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é um pouco caótico. Às vezes vou direto para a escrita e percebo depois que faltam informações. Daí volto à pesquisa. Para mim, escrever é muito orgânico. É como fazer exercício. Nem sempre alongo (rs).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se alguém disser que lida bem vou dizer que é mentira. Sou ator e roteirista. É da nossa natureza querer agradar, entregar o melhor. E nem sempre conseguimos ser criativos. Às vezes é muito cansativo ter que deixar a antena ligada. O medo do “branco” existe, com frequência. Quanto a projetos longos, admito que tento evitá-los. Conheço algumas pessoas que foram tragadas por trabalhos grandes. Se for possível trabalhar em colaboração, tanto melhor. E aí é preciso trabalhar o desapego. Quando sua ideia vai pra mesa deixa de ser sua.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Começo com a ideia essencial. Essa eu já compartilho com algumas pessoas. Se sentir que rende sigo adiante. Mexo trocentas vezes. Deixo quieto, saio para correr (bom para esvaziar o cérebro), volto e olho novamente. “Que merda”, penso. É engraçado que às vezes a primeira ideia nem sempre é a melhor (na maioria das vezes, aliás).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje faço tudo no celular e no computador. Me relaciono bem com esses meios. Mas o papel ainda está presente de alguma forma em meu dia a dia. Algumas ideias surgem de desenhos que faço. Do desenho surge uma crônica, um esquete. Tudo anda junto. E é preciso estarmos atualizados.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Meu médico disse para eu parar de ler a seção de comentários dos jornais, mas dali vem boa parte de minhas ideias. É impressionante a interpretação das pessoas sobre determinados assuntos. Às vezes a notícia em si nem me interessa tanto, mas o que as pessoas estão falando dela. Também vejo muito audiovisual. Até mesmo coisas de que não gosto. E isso é um conselho que dou para quem quer escrever. Veja de tudo, do bom ao ruim. Acho muito estranho quando alguém que escreve diz que não vê TV ou não vai ao cinema. Nosso trabalho depende muito da imagem. Precisamos consumir um pouco de tudo. Até desenho infantil eu assisto. As crianças têm essa capacidade de olhar para as coisas pela primeira vez. Elas têm muito o que nos ensinar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje eu estou muito mais próximo do processo de produção. Desenvolvi uma visão do todo. Quando escrevo e indico que tal cena vai ter um efeito, me preocupo como o eletricista vai lidar com aquilo no set. Também aprendi que menos é mais. Para que contar se você pode mostrar? O silêncio pode ser muito revelador. E se eu pudesse voltar no tempo, daria dois recados ao meu eu de alguns anos atrás: “Sua ideia não precisa ser a melhor, basta ser uma ideia. Coloque logo essa porra no papel” e “Pare de usar boné, pois isso deixará você careca no futuro”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Trabalho com roteiros de humor. E posso te dizer: dificilmente a gente consegue escrever o que gosta. Escrevemos o que nos pedem, e o produto muda com o tempo. Todo mundo agora quer um novo “Choque de Cultura” e por aí vai. Mas gostaria de me arriscar em uma ficção científica, terror, algo não convencional. Quanto ao livro, espero que não exista um assim, senão corro o risco de achar que já sei de tudo (rs). Que continuem escrevendo muitos livros.