Antoine Acker é professor no departamento de história da Universidade de Zurique (Suíça).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo com as notícias do rádio, bebo um suco de meio limão e faço uns alongamentos. Sempre que puder começo a trabalhar em casa, demorando no café-da-manhã, com uma leitura ou qualquer texto que esteja escrevendo. Depois vou para o meu escritório na faculdade. Gosto de trabalhar em ambientes diferentes no mesmo dia, se ficar num lugar só a minha capacidade de concentração se reduz.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na hora mais apertada. Os últimos 45 minutos antes de deixar o escritório são sempre os mais produtivos. Todas as ideias surgem mesmo nesse momento e muitas vezes eu me atraso para prorrogá-lo.
Tenho um ritual: antes de começar a escrita de cada parágrafo de um texto leio uma ou algumas páginas de um livro ou artigo na língua em que estou escrevendo. Como costumo usar várias línguas no âmbito do meu trabalho, preciso desta mania para “mergulhar” primeiro no idioma que vou usar no texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acho que todo pesquisador universitário ou professor de história, inclusive professor de ensino fundamental ou médio, passa uma boa parte do dia escrevendo ou produzindo ideias. Colocar comentários num texto escrito por um aluno já é escrever, fazer anotações num livro que você está lendo, também. Esses pequeníssimos momentos de escrita fazem parte do seu processo de reflexão e assim ajudam você a escrever textos mais importantes. Por isso, acho dificílimo calcular o tempo ou a quantidade de escrita diária.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende. Pode acontecer que eu fique obcecado por uma ideia precisa, da qual nasce espontaneamente um rascunho de texto que depois completo ou corrijo me baseando no material de pesquisa que eu tenho. Isso acontece com textos mais curtos, com um objetivo teórico bem definido. Na maioria dos casos, o meu processo de escrita parte de fontes históricas e se divide em várias etapas:
- leio, vejo e ouço atentamente as fontes históricas (inclusive a bibliografia) que eu consegui coletar, não parando de tomar notas, às vezes até escrevendo fragmentos de texto;
- a partir dessas leituras, faço um plano incluindo as diversas partes do texto (subcapítulos) que quero escrever;
- coloco cada nota no subcapítulo determinado, para organizar tudo num movimento lógico, num raciocínio ilustrado por exemplos empíricos;
- escrevo para transformar cada parte num texto fluido. Presto muita atenção nas transições que, para mim, são a coisa mais linda na escrita acadêmica;
- leio, reescrevo, leio, reescrevo, até a obtenção de um texto “mostrável”, quer dizer, claro, original, agradável de ler e sintético;
- peço para colegas especialistas da matéria, ou simplesmente para pessoas de confiança, para ler o meu rascunho e, de novo, reescrevo e melhoro o texto a partir dos comentários que consegui coletar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento aceitar a procrastinação, pensar que ela faz parte do processo de produção intelectual, mas por enquanto não consegui me reconciliar com ela. Talvez a solução seja só levantar-se e dedicar-se a outras ocupações até se sentir de novo pronto para escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Passo mais tempo revisando do que escrevendo. Trocar “work in progress” com outros pesquisadores e trabalhar com críticas e sugestões externas é, na minha opinião, um ato de humildade que só pode aumentar a qualidade da sua escrita. Às vezes, é bom também mostrar os textos para pessoas que não têm nada a ver com o mundo acadêmico, para perceber se a sua expressão faz sentido fora do pequeno círculo de colegas que costumam acompanhar a sua pesquisa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre à mão primeiro, muitas vezes frases que fazem sentido só para mim e misturando línguas. O meu material de pesquisa, em geral, é em português, mas escrevo em inglês. A minha língua materna é francês, falo italiano em casa e me comunico em alemão com os meus colegas na universidade de Zurique, onde trabalho. Por isso, as ideias vêm espontaneamente em várias línguas, mas, como não escrevo perfeitamente em nenhuma delas, o primeiro rascunho fica incompreensível. Depois, escrever no computador ajuda-me a fluidificar tudo isso num texto coerente e numa língua só.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Só ser curioso, seja onde você estiver. As ideias podem emergir de repente diante de uma cena cotidiana que você assiste no ônibus ou na rua. Como historiador ambiental, acho também as paisagens, sejam elas urbanas ou rurais, muito inspiradoras. Quem colocou essa torre lá à margem do lago? Será que destruíram casas e expulsaram moradores para isso? Isso trouxe consequência para a qualidade da água do lago? De onde vem a eletricidade e a comida que as pessoas consomem nessa torre? Para alguém como eu, que tenta contar na sua escrita como a relação dinâmica dos seres humanos com o ambiente não humano muda a ecologia e impacta as relações sociais, esse tipo de observação é fundamental.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Pergunto-me cada vez mais qual será o sentimento do leitor, como é que a minha escrita pode agradá-lo, cativá-lo. Aprendi a cortar o texto, aceitar que nem sempre tudo o que li, sei ou penso interessa aos outros. Gosto de inglês por isso, é uma língua na qual você precisa ficar sempre perto do seu argumento, não pode fugir com acrobacias teóricas e digressões.
O primeiro conselho que eu daria para alguém que escreve uma tese é de começar escrevendo. Acho isso primordial pois sem base textual não existe opção de melhoria da escrita, não tem possibilidade de mostrar o seu trabalho e coletar sugestões. Não espere os últimos seis meses do doutorado para escrever um texto que só as pessoas da sua banca terão tempo de ler. Aliás, não escreva para os membros da sua banca, pense longe: o que você está fazendo não é unicamente um trabalho acadêmico, é algo que um dia irá talvez se transformar num livro. Pergunte-se já desde o primeiro dia do doutorado como vai conseguir transmitir as suas ideias para um leitor desinformado, sem conhecimento dos debates universitários, mas curioso. Lá fora da universidade tem muita gente curiosa.
No doutorado, tive a sorte de receber esses mesmos conselhos que acabei de dar. Segui-los e não me arrependo. Hoje, faria tudo do mesmo jeito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre quis escrever sobre os meus avós, dos dois lados, não porque acho a vida deles mais interessante que a dos outros, mas para construir uma história da Europa no século vinte que realmente parta dos atores, dos indivíduos e das suas redes pessoais. Por motivos totalmente diferentes, todos os quatro, que são (eram) franceses, têm uma história familiar muito internacional, envolvendo redes migratórias com as Américas, conexões coloniais na Argélia e uma relação muito complexa com a Alemanha. Sei que há muito material de arquivo privado espalhado nas casas dos meus numerosos tios e tias, primos e primas, mas ainda não sinto a distância emocional para começar tal projeto. Talvez quando eu for muito velho.
O livro que gostaria de ler é uma história das Américas ao contrário dos pontos de vista tradicionais. Uma história do colonizador, daqueles que se autodesignam como “civilizados”, contada por autores indígenas. No Brasil, acho que não existe, mas posso me enganar. Ainda tenho muita coisa para aprender.