Annita Costa Malufe é poeta e professora da pós-graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha vida é um caos, cada dia de um jeito. E ainda escolhi uma profissão – sou professora universitária, atualmente na PUC-SP – que não me impõe rotina diária fixa. Há alguma constância de horários e compromissos em certos dias da semana, em que tenho aulas ou reuniões mais regulares, mas mesmo assim faço cada dia e cada semana de um jeito. Sou muito indisciplinada nisso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que pela manhã a concentração acaba sendo melhor. Mas nem sempre consigo me organizar para sentar e escrever, ler ou estudar nesse período, como disse acima.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho “meta” alguma – tenho prazos, e sempre fui muito obediente a eles! No meio da minha desorganização, os prazos são os únicos esteios. No caso dos poemas, escrevo sempre que consigo um espaço-tempo livre, o que não coincide com o relógio, em geral. Escrever (poemas) precisa ser algo sem meta e sem pressa. No caso dos artigos ou ensaios teóricos, de fato, apenas os prazos me fazem escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo à mão em geral. Vou juntando muita coisa até o momento em que o acúmulo me angustia e começo a organizar os poemas no computador – até que esse acúmulo também me angustia e aí resolvo organizar um livro, ir separando, jogando coisas fora, juntando uns poemas com outros, até dar um conjunto que converse.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso me ocorre apenas no caso da escrita teórica, de ensaios ou artigos. E não tenho até hoje uma receita certa. Percebo que o melhor jeito é mesmo sentar e escrever, a escrita é uma cura: até mesmo das próprias doenças (idealizações, cobranças, martírios) que ela parece causar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Textos teóricos? Reviso quinhentas vezes ao longo da própria escrita – escrevo reescrevendo obsessivamente. Depois reviso mais uma vinte depois de pronto. E leio em voz alta. Atualmente faz tempo que não peço para outros lerem antes de publicar. Apenas às vezes, peço para meu companheiro, Silvio Ferraz (que é compositor, professor da USP) ler – mas isso só pode ser feito quando terei tempo e disposição para modificar o texto, pois é o que em geral acaba acontecendo (ele é meu leitor mais exigente!).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como disse, gosto de escrever à mão, tenho uma enorme coleção de cadernos – adoro papéis, cadernos, canetas, lapiseiras. Além dos poemas, preparo todas as minhas aulas à mão também, cada curso é um caderno inteiro. Apenas no caso dos artigos que acabo me prendendo no computador, por praticidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei dizer de onde elas vêm. Podem vir de diferentes lugares, situações, memórias, sensações. Talvez não tentar controlar isso seja um modo de favorecer a criação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Tenho duas modalidades de escrita: poemas e escritos teóricos. Cada uma é algo totalmente diverso para mim, são mundos apartados, são experiências absolutamente distintas. No caso dos poemas, meu processo sempre foi o de escrever como ato de me proporcionar um respiro; é um lugar de prazer e de alegria; e acho que isso não mudou muito do meu primeiro livro (2004) para cá (2018). Já no caso da teoria – e portanto da tese –, escrever é o oposto disso, é mais uma prisão do que uma liberdade. Mas mesmo assim, não sei por quê, sempre gostei de ambas as modalidades. Talvez hoje, depois de dez anos de minha defesa de doutorado, eu sofreria um pouco menos ao escrever a tese, mas justamente porque já passei por ela e por mais duas pesquisas de pós-doc… além de muitos artigos, aulas, palestras… isso tudo vai constituindo uma certa experiência que ajuda a me tranquilizar ao escrever, a me cobrar menos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto de escrever um livro em que a narrativa seja mais presente, menos fragmentada do que costuma ser nos meus livros já publicados até hoje. Gostaria de ler um livro novo, inédito, de Samuel Beckett!