Anna Zêpa é artista e transita entre literatura, teatro e cinema.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente acordo e entendo o que preciso fazer no meu dia. Desde tomar café da manhã até os compromissos pontuais. Minha rotina matinal depende muito da rotina do momento. Se estou ensaiando peça, é uma coisa; se estou produzindo filme, é outra coisa. E por aí vai. Porém, durante um certo período me propus a escrever um haikai por dia, sendo ele a primeira coisa a ser feita no dia. Escrevia e postava no Facebook. Qual o retrato do instante em que acordo? Intitulei o autodesafio de Instantes Manhãs e, depois de um tempo, acabou virando um livro-objeto recém lançado pela Editora Comma, em parceria com a arquiteta Juliana Godoy, que era uma entusiasta dos meus instantes on-line.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou totalmente imprevisível nesse aspecto. Como faço bastante coisa, nenhuma delas tem uma rotina muito definida. Às vezes escrevo mais à noite. E gosto de escrever em caminhos, trânsitos, trajetos especialmente longos. Também costumo anotar ideias com a perspectiva de desenvolvê-las mais na frente. Outra coisa que faço sempre que possível é participar de oficina de criação literária porque me sinto estimulada à produção e organização das ideias de uma forma mais prática e concreta. Me ajuda muito. Já fiz 2 vezes a oficina de Marcelino Freire, por exemplo, e faria mais 10. Risos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo mais em períodos concentrados e não tenho uma meta de escrita diária, mas sei da importância de se ter uma porque você vai se revisitando diariamente, se ouvindo melhor e entendendo a si mesma.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Olha, estou exatamente nesse momento. Desesperador. Estou tentando me mover das notas para os textos, na ideia de uma segunda publicação de contos. Começo, travo, paro. Recomeço. Medo. Paro. Insisto. E na insistência vou deixando as ideias mais definidas para então revê-las no todo. Gosto de prestar atenção no todo. Inclusive aqui nessa entrevista, vou já olhar o que o todo diz.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca estive de fato em um projeto longo, de qualquer forma vou tentando dialogar com o tempo. Na verdade, o meu tempo com o tempo da vida. Insistindo nas brechas e me deixando levar quando surge uma vontade forte de trabalhar num texto. Como disse, faço bastante coisa e nem sempre estou focada nos processos de escrita. Sim, e procrastino um pouco também. Quem nunca?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas. Não sei dizer quantas vezes exatamente. Sempre acho que dá pra tirar palavras, enxugar as sobras e é através das revisões e releituras que vou fazendo isso. “O texto precisa explicar que vai fazer uma ação ou já é a própria ação?”
Gosto de mostrar os trabalhos para algumas pessoas. É bom ouvir colegas e amigues de escrita, especialmente aqueles que já conhecem um pouco a nossa voz.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou daquelas que ama caderninhos. Escrevo neles principalmente as notas e ideias. Depois levo para o computador. No computador consigo visualizar melhor as ideias juntas. Apagar, salvar como. Rascunho. Acho que por uma questão de organização.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Das observações da vida. Da poesia que consigo extrair do dia-a-dia. De uma viagem dentro da cidade. De uma viagem fora da cidade. Do cotidiano. Das memórias. Da ressignificação das memórias.
O hábito que mais aprecio cultivar é a presença. Procuro estar presente, sabe?! Mas também gosto de desafios. Já pedi para outras pessoas me darem, por exemplo, desafios para eu escrever contos. Recebi de “escreva com a mão esquerda” (sou destra) a “escreva um conto que comece com a frase ‘Eu só gosto de homem feminino.”. É massa porque desloca a minha perspectiva de início de escrita. Outra vez lembro que peguei palavras que eu não sabia o significado nos textos de Murilo Rubião e comecei a escrever poemas com elas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou a paciência. E diria a mim mesma “Paciência!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu próximo livro de contos. Estou ensaiando me debruçar sobre ele, mas ainda não mergulhei de fato. Já já! Olhe a paciência!
Tem tanta coisa boa e politicamente importante sendo feita e publicada que não vou me arriscar aqui a mencionar uma. Historicamente temos um apagamento das mulheres escritoras. Ver menos mulheres apagadas ao longo da história é um desejo recorrente.