Anna Virginia Balloussier é repórter da Folha de S. Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu lamento por acordar é gêmeo siamês do meu amor por dormir, e minha rotina matinal é tão emocionante quanto declarar imposto de renda: apertar o botão “soneca” umas quatro vezes, checar e-mails, redes sociais e WhatsApp, dar uma folheada no jornal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tarde e sobretudo noite, depois de uma dose dupla de procrastinação com duas pedras de gelo, por favor. Mas pode variar. Não tenho um ritual. Um letreiro mental em néon com a palavra DEADLINE costuma ser útil para acelerar o processo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A maioria dos textos são para a Folha de S. Paulo, meu ganha-pão. Logo, escrevo de uma sentada. Não gosto de marinar muito meus escritos – sequer costumo relê-los antes de publicar (para o jornal há o filtro-editor, para redes sociais,🤷♀️).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do dia. Às vezes sai fácil, às vezes, a fórceps. Costuma ser como aquele joguinho Tetris: escrevo bloquinho por bloquinho e depois vou tentando encaixar tudo antes de dar game over. Em geral, vou anotando tudo o que acho interessante para o texto num rascunho do Gmail (coloco em negrito o que me parece indispensável, pra não passar batido na hora de fazer a triagem do que entra e o que cai fora). Dou particular atenção a detalhes que ajudam a compor visualmente, para o leitor, a cena – da meia com estampa de ursinho que o entrevistado economista usa ao outdoor da Durex ao lado da igrejinha onde prega meu personagem. Mas tento não ser gratuita, não acho que qualquer miudeza importe, tem que ter um porquê de estar ali – dizer que o Doria tem as iniciais do nome bordadas em linha de ouro em cada camisa sua é interessante para entender sua figura, ou que naquele dia específico ele tinha uma olheira atípica, ou que cantarolava quase que inconscientemente uma música da Cher, mas tento evitar clichês como um texto que começa “numa segunda-feira chuvosa, Doria…”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Muito mal. (risos) Posso lançar desde já um crowdfunding pra terapia? Quando é algo descompromissado, que ninguém espera e portanto não há expectativa, aí é moleza. Mas sabe o que ajuda? Passar o texto antes para amigos em quem eu confie que vão me mandar a real, só pra ver se a escrita flui bem. Isso e um Aperol Spritz.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não costumo reler muito, não prefiro ir no instinto (nem acho que seja saudável, é bom rever o que escreveu pra peneirar os cacos). Aí, se é um texto publicado no meu Facebook, por exemplo, às vezes dou uma editada depois da publicação, como quem conserta um carro que já está andando.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador e iPhone, raro escrever no punho – mas acontece de rabiscar algo em guardanapos se não quero que meu personagem ache que estou vendo meu WhatsApp enquanto conversamos. Guardanapos soam mais cool. (risos)
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não tem muito tutorial aqui, não. Ler gente afiada é sempre ruim pro ego (“ah, vai se catar, Escritor Fodão, qual moral tenho pra começar algo depois desta sua coluna?”), mas bom pra manter a mente tinindo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrever de forma mais oral, tentando fazer com que o leitor visualize a cena que descrevo como se estivesse a assistindo enquanto toma um chopinho ou um guaraná do outro lado da rua. E também dar um chute na bunda nos arroubos academicistas. À Anna de 2009: “Miga, nem você sabe o que ‘subreptício’ quer dizer. Ah, e Temer ligou. Ele quer sua mesóclise de volta. Beijo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tem um projeto sobre evangélicos que já está em andamento, mas melhor não dizer nada antes de fechar contrato (sempre quis dizer esta frase). (risos)