Anna Virginia Balloussier é jornalista, autora de “Talvez ela não precise de mim”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
A única regra é: não há regras. Não quando se tem uma bebê de dez meses (a idade da pandemia), um trabalho CLT em jornal, um frila para o cinema e um livro em produção. Sou como o garçom equilibrando 14 tulipas de chope na bandeja, mas menos graciosa, perigando deixar tudo cair a qualquer segundo. Então, o jeito é ir encaixando os afazeres na rotina, porque existe, sim, uma rotina: a da Violeta, minha filha. As noites costumam ser mais produtivas: ela dorme e, umas 22h, 23h, eu começo a escrever. Taí minhas olheiras que não me deixam mentir. Se eu parar para racionalizar, percebo que é matematicamente impossível espremer tudo em 24 horas. Ainda bem que sou de humanas e não manjo nada de fazer contas.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Como diria Frozen (sim, agora as referências serão infantis, é a vida): let it go. É quase que como um exu libera-texto que baixa, sobretudo quando tem um prazo piscando pra mim como letreiro neon. Escrever a primeira frase é sempre o mais difícil, mas às vezes empaco como mula no atoleiro diante das construções mais periféricas. Agora mesmo: tenho todas as informações de um trecho que quero escrever, mas não estou conseguindo pensar numa boa forma de descrever a maquiagem da minha personagem, o que acho importante. Estou há duas horas pensando nisso, e provavelmente escreverei o resto do texto em 20 minutos.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Silêncio? Com uma bebê de dez meses? Agora mesmo ela está fazendo uns sons gruturais que não sei se é gugu dadá ou um capítulo em russo de “Anna Karenina” . No mundo ideal, um silêncio é bem-vindo, mas o darwinismo literário fala mais alto, me adapto ao que vier.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Deadlines são o melhor Activia literário. Tanto que implorei pro meu editor para me dar um prazo bem definido, ainda que tivesse que mentir ou exagerar (“você está demitida se não entregar até dia tal!!!”). Quando estou travada numa frase (como a da maquiagem), costumo pegar um livro cuja escrita seja uma que eu almeje chegar para aquele trabalho. Agora, por exemplo, tenho um livro do Geoff Dyer ao lado. Porém estou procrastinando neste exato instante, escolhendo responder esta enquete em vez de escrever o livro.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Meu primeiro (e único, até aqui) livro, “Talvez Ela Não Precise de Mim”, da Todavia, sobre a experiência de parear puerpério com o começo da pandemia. Escrito em tempo real, nos primeiros meses pós-parto. Se minha filha reclamar no futuro de alguma coisa da minha criação, vou arremessar um exemplar na cabeça dela para ela entender o que foi o primeiro ano de sua vida, rs.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
O primeiro livro veio meio que naturalmente, o escrevi para conseguir suportar a quarentena do pós-parto dentro da quarentena da pandemia (uma matrioska de quarentenas). O de agora (não sei se posso falar sobre o que é, contrato etc.) não será ficcional nem romantizado, mas uma espécie de reportagem literária. O leitor ideal está sempre fungando no meu cangote, me fazendo pensar na oralidade da minha prosa, se aquilo é interessante para quem chegar de paraquedas no assunto.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Não gosto muito. Escrevo muito freestyle, com pouco apego à revisão (aliás, estas respostas mesmo, não relerei uma linha, você que lute, rs). Tenho medo de que a pessoa aponte de cara que sou uma fraude, e isso me paralise para ir adiante. Prefiro entregar o texto pronto e beijo, tchau, seja o que Deus quiser.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Não teve um momento, sempre foi minha forma de expressão. Danço mal, canto mal, minha atuação é tão boa quanto Paulo Zulu recitando Shakespeare. Não sei fazer contas, entro em pane diante de coisas mais técnicas. Nem ovo sei cozinhar direito. Escrever é a única coisa que não faço tão mal. Seria bom, quando comecei, ainda no colégio, alguém já na partida me dizer que “escrever difícil”, como se FHC fosse meu pastor, e nada me faltará, é besteira. Demorei uns anos para descobrir a oralidade. Gosto muito do texto que flui como uma conversa.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
No comecinho, eu gostava muito dos livros do Woody Allen, até mais do que seus filmes, o autodeboche e a autodepreciação sempre me encantaram. (Antes que galopemos no carrossel do cancelamento, faço este parênteses para dizer que acho o caso #metoo contra ele um pouco mais complexo e difícil de desembaraçar do que o de abomináveis como Harvey Weinstein.)
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
“Torto Arado”!!! Que ainda não li, está na fila, juro que está, mas acho que pega bem falar que curtiu. Mas o “Ricardo e Vania”, do Chico Felitti, é maravilhoso também.