Anna Monteiro é jornalista e escritora, autora de Granulações.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha formação é de jornalista e trabalho com comunicação. Então, minha rotina é começar o dia lendo jornais, me informando sobre fatos em geral e específicos para minha área de atuação. Mais para o fim do dia, trabalho nos meus textos de ficção e geralmente entro a noite envolvida com eles.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente, em função do meu trabalho regular, acabo produzindo mais no fim da tarde e à noite, me sinto mais à vontade e tranquila para isso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever um pouco todos os dias, mas há períodos em que a produção flui melhor. Não estabeleço metas diárias, para mim não funciona ter metas como por exemplo escrever um capítulo por dia ou x páginas. Às vezes produzo mais, às vezes não produzo o que me deixe satisfeita, é irregular. Minha rotina como jornalista envolve também algumas viagens, o que acaba me retirando do ritual da escrita. Mas tento escrever todos os dias, mesmo que seja um trecho, um parágrafo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Comigo funciona assim: penso a história antes de começar a escrever e gosto de ter uma ideia bem mais clara do que quero contar. O desafio é fazer essa ponte entre minha ideia e expectativa e o texto em si. Pesquiso dados, mesmo que não venha a aproveitar o resultado dessas pesquisas, mas é um exercício, de estabelecer o lugar onde meus personagens se movem, de entender quem são meus personagens, de onde vieram e para onde estão indo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso é bem difícil, porque antes de tudo vêm nossos próprios bloqueios, antes de qualquer outro, uma espécie de autocensura. Isso pode criar uma trava. O primeiro passo é vencer essa censura. O medo de não corresponder é constante, afinal o escritor se expõe muito, mesmo quando a história não é autobiográfica.
A ansiedade faz parte da vida atual, estamos ansiosos com tudo, há muita distração por todos os lados e quando entramos num processo de criação mais longo, como a escrita de um romance, a ansiedade tem que ser trabalhada muito. Para mim, um remédio para todos esses problemas, bloqueio de escrita e ansiedade, é fazer algum exercício, especialmente correr, e passear com a minha cachorrinha. Durante a escrita de Granulações, por exemplo, tinha momentos em que eu travava, então pegava o Bart, amor da minha vida que, infelizmente, se foi ano passado, e passeava com ele. Isso me ajuda a sair daquele processo de bloqueio, ver uma paisagem diferente da tela, alivia um pouco. Nadar também me ajuda, enquanto dou braçadas vou resolvendo questões de escrita, pensando em diálogos, situações.
Quanto à procrastinação, não tem jeito. É enfrentar, sentar, se concentrar e escrever. Escrever diariamente ajuda muito a evitar a procrastinação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso até a hora de entregar, tenho uma preocupação grande com isso. Às vezes uma palavra, uma troca de frases, uma expressão, são detalhes que fazem grande diferença. Busco a fluidez do texto, leio em voz alta, evito tropeços nas frases, evito que sejam construções que deixem o leitor sem fôlego.
Eu tenho um grupo de amigos escritores para quem peço ajuda e sigo, quando possível, participando de oficinas de criação de texto, de escrita criativa etc. Acho importante ter alguém que leia, dê uma opinião, que vá além de dizer se gostou ou não, mas aponte falhas, sugira alternativas. Nós nos mantemos muito envolvidos na história, não temos distanciamento necessário para ter uma boa avaliação. E escrever é um ato muito solitário, é você com você ali numa busca. A troca é muito importante.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho relação boa como usuária da tecnologia, e gosto. Escrevo direto no computador, modifico várias vezes, e me facilita muito. Geralmente, quando escrevo à mão, são só frases ou observações que faço à medida que vejo alguma coisa ou uma ideia que surge de repente, na rua, quando não tenho acesso ao computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não faço ideia de onde vêm as ideias, de onde nascem as histórias. Eu leio bastante e vejo cinema, séries, peças de teatro, o que acho que me ajuda a me manter ligada e talvez criativa. E sempre gostei muito de observar as pessoas, as coisas, ouvir diálogos, contemplar o céu, o mar, as árvores. Acho que as ideias começam nesses lugares, no nada, com o olhar que a gente tem sobre eles, sobre esse nada. Às vezes uma música, uma notícia de jornal, um quadro ou uma fotografia também me inspiram, consigo imaginar situações a partir desses elementos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Em termos de textos, meus contos ou prosa, acho que estão mais seguros, firmes, como se eu soubesse melhor o que quero contar, com quais personagens e como vou contar. Não sei o que diria se pudesse voltar aos meus primeiros escritos. Talvez diria: vá, continue, insista. Acho que esse é um processo constante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há tanta coisa que eu queria fazer… Gostaria de fazer um projeto de teatro, cujo texto anda há algum tempo me rondando, mas ainda não parei para alinhar as ideias e transformar num projeto realmente, concreto. Ainda é algo embrionário, que está se formando. Não sei que livro ainda não existente gostaria de ler, mas sei que gostaria de ler muitos livros que já existem, e não li por falta de tempo, de disciplina, por procrastinação.