Angélica Torres Lima é poeta, jornalista e editora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Já tive rotina matinal, e espartana, quando ainda era repórter de jornal. Hoje minha rotina eu diria ser a de uma boêmia doméstica… Trabalho com a poesia, ou com o jornalismo, e leio muito, às madrugadas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre que tenho tempo e disponibilidade é a hora boa para trabalhar com a poesia. O mesmo quanto a matérias e artigos para jornal, site ou blog, exceto se a demanda for urgente. Mas o período favorito para mim tem sido de noite, depois que tudo serena e reina o silêncio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já não tenho meta de escrita diária mais. Quando estou organizando ou fechando um livro para publicação, a exigência com a produção é automática. Do contrário, deixo que a necessidade de escrever e o coração me peçam. Já com relação ao jornalismo e especialmente com artigos, eles costumam sair de bate pronto, se leio ou vejo algum fato em TV, ou vídeo em webtvs, e sinto necessidade de me posicionar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
No caso da literatura, a pergunta tem mais a ver com os escritores de prosa. Já no caso do jornalismo, não posso dizer que sofro tanto mais para começar, como sofri ao longo da carreira. Posso demorar um pouco, buscando o melhor gancho a partir das informações da pesquisa realizada – ou não: o mote pode nascer de uma impressão minha, uma experiência vivida, do que quero particularmente dizer, depende da situação –, para fazer o texto deslizar sem muito tropeço. Mas já sofri muito e muitas vezes. Quase sempre, aliás. A maturidade e o exercício constantes com a escrita aplainam um pouco esse chão, de fato, pedregoso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca fui de procrastinar, o receio de perder prazos e de parecer irresponsável sempre me coibiu essa tendência, que pode até ser saudável; cada um tem seu tempo de maturação do que precisa pôr no papel. Já a ansiedade não consigo controlar. Talvez por isso a mania adotada de enveredar pela madrugada lendo, escrevendo. A tarefa, sendo trabalhosa ou não, me provoca insônia; enquanto não termino não sossego.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes. Durante o processo da escrita e ao fim dela também. Poemas, mostro para bem poucos, ou melhor, para pessoas muito especiais para mim. Textos jornalísticos, muito raramente; só mesmo quando estou insegura de ter escrito bobagem; se o assunto é política, principalmente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Descobri há três anos que escrever no bloco de notas do celular leva minhas ideias a fluírem e o texto a se estruturar com rapidez, sem muito trava. Acho o “lide” com facilidade assim e ou o termino no celular mesmo ou o envio incompleto para o notebook, a fim de fechá-lo lá, sobretudo se preciso fazer alguma pesquisa mais caprichada. E vai saber porquê… Posso fazer o mesmo com a poesia, mas prefiro ainda escrever poemas à mão; vai também saber o motivo da idiossincrasia…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De impressões, de sensações; motivada ou não por poemas que li de outros poetas (ou de algum fato e texto jornalístico); por sentimento de tristeza, de beleza, pelo sopro da Musa, por alguma música que me toque ou fale de modo especial, por qualquer coisa que me ponha em estado de necessidade (vital) de escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muda-se pela vivência ao longo do tempo, por mudanças de valores vindas com a maturidade, e isso se reflete na escritura. Eu me diria pra demorar um pouco mais para publicar – livros de poemas. Se eu voltasse atrás, sabendo que iria viver mais do que quando garota pensava que viveria, só publicaria depois dos 40, talvez dos 50 anos. Publicar antes é para quem nasce pronto como poeta (é visão pessoal minha), o que não é o meu caso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de vir a escrever dramaturgia. Na faixa dos 20 anos, cheguei a rabiscar alguns esquetes e comecei a escrever duas peças, bem como roteiros de filmes. Mas a profissão e a criação dos filhos, sozinha, me exigiram muito tempo, atenção e energia e não levei o sonho adiante. Seria uma presunção eu dizer que gostaria de ler um livro ainda inexistente. Há tantos de literatura e de poesia maravilhosos à nossa disposição que eu gostaria é de ter muitas vidas pra poder lê-los todos. Mas sempre tive esse sentimento em relação à música, de querer ouvir o que ainda não fizeram.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sou disciplinada e organizada, mas nem tanto assim, de planejar tudo antes, que é um modo bem americano de ser. Deixo a ideia ir amadurecendo entre a cabeça e o coração, porque assim, quando sai, já vem mais curtida, flui sem dar muito trabalho e ansiedade. Na hora do vamos ver, pegar o gancho, iniciar, é sempre o mais difícil pra mim. Fechar é consequência do desdobramento, que passou por essa espécie de repouso meditativo.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tento ser bem racional e colocar uma ordem por prioridades, pra não pirar, porque sou tipo isso, malabarista. Já gostei muito de jogar com várias atividades num mesmo período de tempo, o que é um bom exercício pra manter a gente ativa, ágil e prática. Padeço de hiperatividade, ou talvez esta seja uma característica da mulher moderna, que tem diferentes tarefas para conjugar a um só tempo. Mas tenho constatado que é tão melhor poder se dar ao luxo de se dedicar a menos encrencas — porque não deixa de ser uma encrenca a vida resfolegada. Há o momento desse clique e tem a ver com a idade. Pelo menos no meu caso, sim.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Sempre foi um compromisso espontâneo. Parece que nasci com ele. Escrever faz parte do meu show, é uma necessidade e uma obrigação natural. Lembro sim que quando morei fora do Brasil e sem o violão (eu compunha canções desde adolescente), a escrita se tornou uma tábua de náufrago. Mas também uma grande fruição, porque peguei ali uma intimidade com ela, em forma de poesia, que nunca mais se desmanchou. Depois quando voltei para Brasília, abandonei a Arquitetura e o Teatro, migrei para a Comunicação e entrei no Jornalismo de cabeça. Ai juntaram-se a fome e o apetite, e pronto.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Já fui criticada pela franqueza de contar que passei uma fase sem ler nada de poeta algum, de propósito, entre os 22 e 26 anos. Exatamente pra achar o meu timbre, um estilo próprio, ainda que fosse não ter estilo, mas deixar vir o que o coração e a mente me demandavam. Não posso dizer que sofri influência mais dessa ou daquele. Mas uma soma de tudo o que li e continuo lendo, com certeza, é o que resulta do que escrevo.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Poesia, T.S. Eliot, traduzido e comentado por Ivan Junqueira. Sabe o que é absoluto deslumbramento? Fascinação por todo aquele jogo de palavras e versos inesperados, muitos resultantes de antropofagia poética? Mergulhei nele por quatro meses; saí em estado de graça. Sagarana: néctar dos deuses, erudição em plenitude, luxo irrestrito no canto e plumagem das palavras e na sabedoria metafísica dos contos do nosso Guimarães Rosa. Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, essa inteligência luminosa que me fez trocar, aos 16 anos, o pavor que eu tinha da morte por um real entendimento de sua necessidade. É, portanto, pra mim, mais que um romance, é uma referência vital, penso que muitos deviam lê-lo.