Angela Maria Zanirato Salomão é poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo às seis da manhã com o celular me despertando para o trabalho. Enquanto Siney prepara o desjejum, me arrumo. Depois sentamos e tomamos café juntos. Entro às sete horas e saio às doze e trinta diariamente. Também trabalho a tarde e a noite, em alguns dias. Sou professora de uma escola estadual, trabalho com menores em situação de vulnerabilidade. Ando dentro da escola a manhã toda, e ela é enorme! Escuto histórias de vida. Encaminho alunos para psicólogo, indico leituras, trabalho com projetos, dou colo, dou ombro, cobro presença, atendo pais, inclusive visito as casas de alguns deles. Sou mãe, avó, esposa, cidadã, participo da Associação de Poetas de minha cidade. Rotina matinal nem em finais de semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Oscilo muito em relação a horários de escrita. Escrever carece de tempo, então escrevo quando não estou trabalhando. Já escrevi poemas às seis da manhã em um sábado, na madrugada de uma sexta, na sala de aula vazia após uma prova (meu primeiro texto poético, em 2002). Como virginiana que sou, tenho alguns rituais para escrever: o silêncio é um deles, o celular em mãos é outro. A inspiração é fundamental. Nunca transpirei para escrever, mas gosto dos poemas trabalhados que leio de alguns poetas. Sei que ali houve um processo intenso de pesquisa.
Quando o tsunami da inspiração brota e estou ocupada, anoto as palavras chaves num papel e depois monto o poema em casa. Evidente que muitas vezes a intensidade do momento é perdida. Mas a essência é o que importa, o traduzir-me. Escrevo direto do celular para o Facebock. Mantenho a configuração só para mim, e quando sinto que o texto está pronto abro para os amigos. Afirmo que sou uma escritora das redes sociais. Nunca escrevi em cadernos, quando comecei a escrever fui diretamente para o Word no computador. Tenho centenas de poemas arquivados. Hoje o celular é minha ferramenta de criação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sinto necessidade de escrever todos os dias. Preciso conversar comigo mesma, a diluição do pensamento em palavras poéticas é essencial em minha vida. Não traço metas, mas preciso deixar vazar tudo o que vivi em determinada hora, ou no dia. Até quando a calmaria impera preciso “gritar”. Mesmo que não exponha o que escrevo diariamente, mesmo que muitas vezes a escrita seja uma espécie de vômito, preciso registrar. Alguns meses atrás me propus a escrever poemas com o tema travessia. Em três dias escrevi quinze poemas que nunca publiquei, pois faz parte de um possível projeto futuro. Poemas não devem ser engavetados.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Brinco dizendo que psicografo. Tenho muitos poemas que já estão dentro do peito, motivados por algo que vi, senti, li, ouvi ou falei. Estes saem fácil, quando vejo já estão prontos e só precisam de correção. Nascem de parto normal. Outras vezes é um sentimento que rasga meu peito, são as palavras pedindo liberdade. Estes requerem muita atenção, é um ir e voltar dentro de mim. Muitas vezes dói. Clarice Lispector disse que: “escrever é um ato solitário, solitário de um modo diferente de solidão”. Ninguém vai completar teu sentimento exposto na poesia. Sou eu comigo, naquele momento de construção.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me envolvo em trabalhos longos. Fiz muito isso em trabalhos acadêmicos em épocas de pós-graduação. Era dever. Poesia é escolha, não sofro por algo que me dá prazer, que me move. Sempre digo que escrevo para respirar. Não jogo poemas fora. Reformo, restauro, reestruturo, reservo. As expectativas são sempre minhas, eu escrevo primeiro para mim, depois para os outros.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como escrevo com o compromisso de dar vazão aos sentimentos, sou muito impulsiva. Já me vi editando textos após publicados, por falta de várias revisões. Eu socializo o que escrevo, sinto esta necessidade de dividir. Errar é parte da nossa evolução, como no meu caso, pretensa poeta. Depois de pronto o que escrevi peço o aval da minha amiga e poeta Ivy Menon. Sempre digo para ela: pode detonar se não estiver bom… (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Acho lindo cadernos de rascunhos, penso que a poesia mora ali também. Tenho cinco irmãs que escrevem, algumas delas têm estes famosos cadernos, verdadeiras relíquias! Como comecei a escrever tarde demais, nunca escrevi em diários, não faço rascunhos. Sou impaciente. Comecei direto no Word pelo computador e agora no celular. Minha relação com a tecnologia é de curiosidade, estou sempre pronta a aprender. E aprendo, sou persistente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Muito do que escrevo são histórias de vida. Em 2015 fui classificada para a final do Mapa Cultural Paulista, com um conto inspirado nas costuras de minha mãe.
A casa materna já foi mote para muitos poemas. As histórias que ouço também me inspiram, inquietam. Tenho muitos poemas-denúncia escritos, uns publicados e outros ainda não. Escrevo também as minhas inquietações, as minhas angústias. Todos os bichos internos têm que ser libertos… os mansos e os ferozes.
Não consigo escrever poemas de amor, sou limitada neste tema. Mas sei que o amor está posto de outras formas na minha escrita, como, por exemplo, quando falo das dores alheias, É um olhar de amor, é a dor do outro doendo em mim.
Leio muito. Aos 15 anos havia lido quase tudo de Herman Hesse. Li Hemingway aos 17. Li os clássicos da literatura brasileira na escola e fora dela. Meus presentes de Natal muitas vezes eram livros. Hoje leio muito a escrita feminina: Ana Cristina Cesar, Hilda Hilst, Sylvia Plath, Anne Sexton, Clarice Lispector, as jovens poetas Lisa Alves, Adriane Garcia e outras que também me inspiram.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tenho muitas fases no meu processo de escrita. O mar da escrita é agitado! (Obrigada Maiakovski pela dica!) Isso advém das minhas leituras de mundo, da arte em geral, da roda viva da vida, do meu olhar interior e exterior. Às vezes penso que minha praia na escrita é a minha primeira fase, a da casa materna, seus símbolos e signos.
Muitas vezes me vejo relendo estes poemas. Esta fonte onde bebi é inesgotável. Se pudesse voltar diria a mim ainda menina: “Voa e escreve!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sou cobrada por amigos e família para escrever um livro. Um dia, quem sabe. Penso em editar um livro de poemas-denúncia baseado nas histórias que escuto. Elas precisam ser contadas, claro que preservando o anonimato. São histórias fortes, relatos de meninas abusadas, assediadas, abandonadas, de tentativas de suicídio e automutilação. São muito comuns e muitas pessoas nem imaginam que esta realidade está muitas vezes tão próxima delas.
Existe uma Antologia familiar, editada em 2015, escrita por seis irmãs, sem ser comercializada. É o nosso legado para sobrinhos, filhos, netos e quem mais chegar. Uma segunda antologia é um projeto meu, mas minhas irmãs não sabem… (risos)
Gostaria de ler um livro, e pelas minhas pesquisas ainda não foi escrito… é justamente o que denuncia toda a fragilidade na qual a juventude, principalmente as meninas e adolescentes, estão expostas. Um livro para acordar, para indignar, para alongar o olhar sobre temas que ainda estão circunscritos aos muros escolares.