Angela Alonso é socióloga e presidente do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Leio os jornais e respondo e-mails mais urgentes antes de começar a ler ou escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo com mais facilidade à tarde e à noite, mas de modo geral tenho que encaixar a escrita entre outras atividades. Por isso não dá pra ter um ritual. Períodos fora do país me ajudaram a tirar uma folga do cotidiano e me concentrar para começar a escrever o primeiro (Ideias em Movimento) e o terceiro livro (Flores, Votos e Balas), mas o do meio (Joaquim Nabuco: os salões e as ruas) escrevi com meus filhos pequenos, entre fraldas e mamadas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou trabalhando num livro, sim. Escrevo todo dia, muitas horas por dia, tantas quantas conseguir roubar de outras atividades. Divido a redação por itens e estabeleço um para completar no dia, um conjunto deles para a semana, o mês, etc, e datas para finalizar os capítulos. Faço sempre esses planos de meta. Nunca os sigo à risca, mas funcionam em linhas gerais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes de começar a escrever organizo o que vou usar (livros, artigos, papers, etc). Faço classificação prévia da informação empírica, produzo minifichamentos, coleto citações e já deixo tudo em formato eletrônico. Também organizo bancos de dados, mesmo para informações qualitativas, caso da cronologia de eventos, que produzo no início de todos os meus projetos. E deixo à mão livros de referência, aos quais terei que voltar para checar miudezas. Uso muito sites especializados e dicionários eletrônicos, mas não sou do tipo que vai atrás de citação quando está escrevendo. Calculo com antecedência o que vou usar e só começo a escrever quando já sei o que vou dizer e que materiais vou utilizar. Isto é, começo a escrever quando a pesquisa está bem avançada. E, sobretudo, só começo a escrever quando sei muito bem o que quero dizer.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho bloqueio. Sento e escrevo. Meu problema é que escrevo demais e preciso revisar e cortar muitas vezes. A ansiedade maior para mim é entre projetos, quando preciso decidir sobre o que será o próximo livro. O processo em si de pesquisa e escrita eu adoro. Se pudesse só fazia isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Demoro a considerar os textos prontos. Cada vez que leio acho defeito. Me preocupo com estilo, repetições, barrigas, começos motivadores e fechos de impacto. Nem sempre fico satisfeita com as soluções para tudo isso, daí porque reviso continuamente. Releio a cada dia o que fiz no dia anterior e sempre mexo. Meu último livro teve seis versões. Depois que armo o livro, trabalho com todos os capítulos ao mesmo tempo, transferindo pedaços de lá pra cá, de cá pra lá. É meio um quebra-cabeças. Nesta etapa, de acabamento, é quando mais me divirto. E também sofro: como escrevo demais, é a hora de cortar sem pena. No Nabuco, joguei fora um terço de que tinha escrito originalmente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador e não costumo imprimir para ler.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Como socióloga, não creio que ninguém tenha ideias por si mesmo. Os projetos nascem de um certo ambiente intelectual, de certas agendas coletivas de pesquisa. Na redação dos meus livros foram cruciais os ambientes intelectuais de Columbia, Cebrap, Yale, onde iniciei as respectivas redações. A efervescência intelectual de seminários, debates, etc, e as conversas com quem está escrevendo sobre assuntos vizinhos, mas diferentes, me estimula muito. Toda vez que ouço o projeto de alguém ou preciso explicar o meu para quem sabe pouco do assunto, me vejo obrigada a explicitar a estrutura do que estou fazendo e isso me tira do ensimesmamento, da imersão excessiva em detalhes para a qual tendo. Obriga a avaliar a arquitetura do argumento e a sequência da narrativa.
Ler fora da disciplina, sobretudo literatura, é mandatório para mim. Leio todo dia antes de dormir e sempre absorvo estratégias de composição e estilo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Fiquei mais senhora do meu próprio estilo e mais livre para lançar meus argumentos, sem ficar citando autoridades o tempo todo. Sobre a tese (Ideias em Movimento), daria mais leveza ao texto. Mas o formato limita o estilo. Tese precisa ser meio sisuda mesmo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projetos tenho sempre muitos. Algum dia, talvez, eu escreva algo mais pessoal, sobre a imigração espanhola no interior paulista – que é a história da minha família. Mas tem outras coisas na frente. No momento preparo os materiais para um livro sobre os protestos no Brasil desde 2013. E ainda não comecei a redigir. Há tantos livros excelentes que existem e eu não li, mas vou gostar muito de ler os livros que os meus filhos escreverem.