André Sant’Anna é músico e escritor, autor de O Brasil é bom.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não é muito organizada não. Vou pela demanda. Escrevo roteiros, teatro, artigos de jornal etc. para ganhar a vida. E ainda tem uma grande quantidade de tarefas burocráticas para resolver todo dia. Acaba que os projetos literários ficam para o tempo vago e há muito pouco tempo vago. Às vezes trabalho pouco. Às vezes varo madrugadas.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Pois é: depende do projeto. Se vou escrever um romance, sei de onde vou partir e tenho uma vaga noção de onde quero chegar. Meio jazz. Você parte de um tema, mas o principal é a improvisação. Acho mais difícil a última. Tenho várias primeiras frases na cabeça. Mas para chegar na última é uma travessia pelo inferno.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Quando estou escrevendo um romance, marco para mim mesmo um duplo expediente. E, no meio, tenho que encaixar os trabalhos mercenários. Quando aperte demais, incluo um terceiro expediente na madrugada. Escrevo em qualquer lugar, com ou sem barulho. Sempre escrevi na escola, quando eu era adolescente, no meio da aula de Química. Escrevo viajando de ônibus ou avião, no boteco…
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Se estou no meio de um trabalho e a coisa trava, fico na frente do computador, brigando, sofrendo, até a ideia vir. Escrevo umas frases, apago, retomo, até acontecer alguma coisa. Mas também, quando não há urgências de prazo, me entrego à preguiça, um pouco. Quer dizer… Fica sempre a angústia, as primeiras frases na cabeça. De um jeito ou de outro, todo dia tem alguma coisa incomodando nas ideias…
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O mais trabalhoso foi “O Paraíso É bem Bacana”, um romance com quatrocentas e tantas páginas. Três anos de trabalho disciplinado, diversos travamentos, mudanças de ideia, vontades de jogar tudo fora etc.. O livro que mais gosto é “Amor”, que escrevi quando eu não tinha a menor pretensão de ser escritor. Um livro livre. Mas os outros empatam entre si. Embora o que escrevo tenha algumas características em comum entre os textos, acho que cada um dos livros tem uma linguagem diferente, um olhar diferente para as minhas “três ou quatro obsessões”.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Creio que não haja uma escolha muito clara. “Amor” nasceu de uma dor de cotovelo. “Sexo”, quando eu quis me vingar das pessoas meio nojentas de um lugar onde trabalhei. “Amizade” foi para desenvolver discursos egoístas que eu ouvia na rua, nos lugares por onde eu andava. “O Paraiso É bem Bacana” foi encomendado pela Companhia das Letras. Na época, eu tinha acabado de ter alta, depois de 6 meses internado num hospital. Passei um bom tempo correndo risco de vida, consciente, e isso faz a gente pensar na vida. O livro tem temas muito caros para mim: a minha infância em Ubatuba; o futebol; a música; os tempos em que morei em Berlin; o hospital e a morte. “Inverdades” são histórias falsas (mas com fundos de verdade) sobre celebridades, principalmente da música. Era de uma coluna que eu tinha para um site música, no início da internet. “O Brasil É Bom” é um livro político. São vários contos, crônicas e ensaios que escrevi durante as duas últimas décadas, nas quais tenho trabalhado com merketing político.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Não mostro pra ninguém. Não gosto de ser influenciado por opiniões, que é sempre uma coisa subjetiva. No começo, eu mostrava para o meu pai (Sérgio Sant’Anna) o primeiro tratamento, como que pedindo uma autorização para seguir em frente. Mas, depois, na medida em que fui ficando mais seguro, parei de mostrar pra ele também. Mas gosto de conversar com o editor, antes de considerar o livro pronto.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Na verdade, nunca decidi por isso. Meu pai é um escritor, minha mãe é pianista de uma família onde todos os irmãos são músicos, ou pelo menos tocam algum instrumento. Eu via meu pai trancado no quarto, escrevendo dia e noite e o outro lado da família fazendo jazz e cresci fazendo música, querendo ser músico. Mas eu gostava de escrever sem compromisso, de fazer as redações da escola etc.. Quando formei minha primeira banda – o Tao e Qual – havia muito de teatro, textos etc, nos shows. Me tornei escritor numa época em que me mudei para São Paulo, fiquei sem turma, sem gente com quem tocar, trabalhando como redator numa agência de publicidade. Eu fazia dupla de criação com a minha mulher, diretora de arte, que quase sempre ficava até mais tarde fazendo os layouts. E comecei a escrever meu primeiro livro – “Amor”. Depois que o livro foi publicado, às próprias custas, alguém no jornal me chamou de escritor e eu virei escritor.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Na verdade, acho que desenvolvi linguagem(ns) própria(s) pela dificuldade em escrever o tradicional. Claro, escrevo jornalismo, publicidade, roteiros etc. e sei usar a gramática e o vocabulário, mas, na literatura, fico cabreiro quando meu texto se parece com algo que se parece com algo que se parece com algo… Nessa briga, acho que encontrei algumas vozes próprias. Mas tenho influências sim. E bastante. Já peguei frases minhas, relendo livros já publicados, que não eram frases minhas. O tal do plágio inconsciente. Na minha lista de influências vai José Agrippino de Paula, Jorge Mautner, Nélson Rodrigues, Sérgio Sant’Anna, Glauber Rocha, Jean-Luc Godard…
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Nestes tempos difíceis de decifrar, estou recomendando “A Revolução do Cinema Novo”, do Glauber Rocha. Mais do que sobre o cinema, o livro pensa o Brasil.