André Galvão é escritor e professor, doutor em Ciências da Educação pela Universidade do Minho (Portugal) e autor de A Travessia das Eras (Penalux, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A minha rotina matinal está diretamente relacionada ao meu trabalho. É em função dele que acordo, tomo banho, preparo o café… E mesmo aos fins de semana, no começo do dia normalmente não realizo atividades de escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A parte do dia em que mais produzo, em termos de escrita, é durante a noite. Seja pelo silêncio, pela inspiração, ou mesmo por ser quando tenho mais tempo para me dedicar ao exercício da escrita. Não costumo adotar rituais para escrever, geralmente começo um texto quando surge alguma inspiração ou quando sinto a necessidade de desenvolver uma ideia que tenha me ocorrido em momento anterior (quando as ideias surgem, procuro anotá-las para desenvolvê-las depois).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não escrevo diariamente. Não estipulo metas, então, escrevo quando me sinto preparado pra isso, o que faz com que às vezes fique vários dias sem produzir um verso ou linha sequer. Por outro lado, há períodos nos quais escrevo bastante, produzindo vários textos num só dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita está ligado diretamente a dois aspectos: estado de espírito e ideias a desenvolver. Portanto, quando esses dois elementos se combinam, a transição da pesquisa (ou leitura de textos que motivem a escrever, sejam poéticos ou não) para a escrita é muito rápida, e os textos fluem com maior naturalidade. Porém, isso não quer dizer que fiquem terminados nesse momento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A escrita literária não costuma me impor travas. Se fico alguns períodos sem escrever, é porque o meu estado de espírito não me estimula a desenvolver as ideias que vêm à mente. Mas não considero essas situações como “travas”, mas como momentos de “calmaria criativa”. Naturalmente, tenho receio de que meus textos não sejam bons o suficiente, mas aprendi a seguir em frente e deixar que os leitores avaliem isso. Por conta disso, acredito que o feedback sobre os textos publicados é fundamental, no sentido de corrigir (ou manter) a rota se necessário.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Hoje tenho uma certeza: não publico um texto sem que ele tenha sido revisado mais de uma vez. E assim, quase sempre, o texto final é bem diferente do original. Não há, no entanto, um parâmetro de quantas vezes reviso cada texto, depende do seu conteúdo e do que pretendo em termos de forma. Não costumo mostrar os textos antes de publicar, mas é algo que pretendo adotar para as próximas publicações, pois entendo que esse olhar externo é de grande utilidade, principalmente na seleção dos textos e na percepção de possíveis imperfeições que tenham passado despercebidas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não há um padrão nesse aspecto: depende muito do momento. Às vezes, a ideia é tão repentina que não dá tempo de recorrer à tecnologia e um pedaço de papel salva o texto (ou a sua semente!). Mas tem sido cada vez mais frequente que todo o processo de produção se dê no computador, até por conta do contato constante que temos com essas máquinas. Gosto de recorrer ao computador pela praticidade e rapidez, mas o contato com o papel ainda faz da escrita um momento único, que, ao meu ver, nunca será superado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de todos os ligares e situações. Até porque acredito na presença de poesia em tudo o que me rodeia, até mesmo nas coisas mais tristes e feias. E essa onipresença, cercada de simplicidade, que me encanta e motiva a escrever. Há poesia em tudo, logo as ideias surgem em diversas situações do cotidiano. Acredito, também, que a melhor forma de se manter criativo é ler sempre, considerando que a poesia estimula a prosa e vice-versa, ou seja, ler, não importa qual gênero, é grande e inesgotável fonte de inspiração e motivação para a escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A principal mudança ocorreu na revisão e aperfeiçoamento dos textos. Essa prática reinventou o meu jeito de escrever. Quando comecei, sentia muita dificuldade em revisar os textos, pois acreditava que mudá-los, acrescentando ou retirando alguma coisa, quebraria sua essência. Hoje vejo o quanto estava enganado e se pudesse voltar no tempo, certamente diria a mim mesmo que os textos raramente são terminados no momento em que são escritos. Revisá-los, longe de quebrar sua essência, é uma oportunidade de reencontrá-los e de imprimir neles a nossa análise de outro ponto, diferente daquele em que estávamos quando eles foram concebidos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Confesso que gostaria de escrever um romance, porém ainda não me sinto pronto para tão hercúlea e iluminada tarefa. Ideias até que tenho, mas penso que ainda me faltam leituras, planejamento e tempo para tanto. Um livro que gostaria de ler e ainda não existe? Não sei… acho que ainda preciso ler tantos livros, e provavelmente neles encontrarei o que busco. É preciso renovar a busca, a sede por novas leituras deve ser mantida, incentivada, e talvez um dia eu chegue a esse livro. Mas não tenho pressa!