André Galvão é escritor, autor de “Depois do sonho” (Penalux, 2020).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Na verdade, como minha praia é a poesia, o fluxo de trabalho tem muito a ver com o momento, com os insights. Geralmente deixo a ideia chegar, registro no computador ou em um papel, depois, com calma, penso sobre essa ideia, e os ajustes que farei para finalizar aquele poema. Então, os projetos podem acontecer ao mesmo tempo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Deixo fluir primeiro, para depois pensar sobre ele. A não ser quando o projeto em questão é a organização de um livro, de vários poemas em uma obra. Isso exige organização prévia e um processo de escolha árduo, que só se finaliza quando envio o arquivo à editora. Creio que a primeira frase, em poesia, seja mais difícil que a última, pelo menos pra mim, pois dependo do insight para começar um poema. Sem esse insight, o poema não nasce.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não sigo rotina, nem mesmo quando estou organizando os poemas para formar um livro. Tudo flui de acordo com o meu estado de espírito, disponibilidade de tempo e vontade de fazer, já que não tenho prazo definido para publicar. Quando estou lapidando as ideias, prefiro fazer esse trabalho à noite, em silêncio, que é quando e como me sinto mais produtivo.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
A procrastinação é dos piores inimigos da escrita. Às vezes registro uma ideia para desenvolver, para aperfeiçoar, e ela fica lá esperando, esperando… Chego a abrir o arquivo no computador ou a folha de caderno em que a anotei, mas isso não é certeza alguma de que me debruçarei sobre ela naquele momento. Não tenho técnicas para lidar com a procrastinação, o que faço quando me decido a escrever é ficar de frente ao texto, até que algo saia e a escrita flua. Mas isso nem sempre funciona…
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Acho que o texto mais difícil é sempre o próximo, até que o termine. Não consigo determinar qual foi o mais difícil de fazer, cada um tem sua idiossincrasia, e quando termino um texto, sempre tem a possibilidade de voltar a ele para mudar. Assim, o esforço é sempre bem relativo. O texto que mais me orgulho de ter feito é o poema Primeiro de Abril, publicado no meu livro A Travessia das Eras. Esse poema é um divisor de águas na minha produção, e me incentiva a continuar escrevendo. Trata da realidade e dos nossos medos e defeitos, e até agora não envelheceu.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Geralmente meus livros não têm um tema específico, apenas reúnem poemas que mantêm uma certa identidade entre si pelo meu estilo de escrita. Como a poesia que produzo bebe sempre na fonte da realidade, do contexto social, é natural que os poemas de um mesmo livro se identifiquem com essas diretrizes. Às vezes há variações, sem sair do eixo central, ao tratar da cidade, da própria poesia, entre outros. Sinceramente, não idealizo um leitor. A poesia é, pra mim, acima de tudo, um ato de libertação, e o que vejo e sinto, e depois traduzo nos poemas, não encontrará um leitor ideal, apenas alguém que goste de poesia.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Esse ainda é um bloqueio. Até hoje não consegui fazer isso. Mas farei já no meu próximo livro. Nos meus dois últimos livros, os primeiros a lerem os manuscritos foram os editores…
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu escrevo desde adolescente, e foi algo muito natural pra mim, até porque não tinha a pretensão de publicar o que escrevia. Quando decidi que seguiria escrevendo já estava bem mais maduro, e entendi que precisava disso pra seguir vivendo. Gostaria de ter ouvido, desde cedo, para não me importar com os silêncios sobre o que escrevo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Sinceramente, a concepção de estilo próprio, pra mim, é bem relativa. Temos interesses, modos de escrever, de selecionar o que dizer, mas estamos sempre nos influenciando com o que lemos, com o contexto ao nosso redor, com as coisas que nos motivam, encolerizam ou comovem. Se a ideia de estilo próprio se traduz naquele formato que mais gostamos de imprimir ao que escrevemos, isso surge de forma espontânea, quando nos aproximamos do prazer de escrever. Quanto às influências, elas são muitas e estão sempre aumentando a cada descoberta. Mas desde cedo, sempre me influenciaram, na poesia, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Augusto dos Anjos; e na prosa, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa e Machado de Assis. E são muitos outros os que me ajudam a continuar escrevendo.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Sempre que posso, recomendo as distopias clássicas, por instigarem um pensamento crítico sobre o momento em que vivemos. Mas o realismo fantástico também tem seu espaço para promover essas reflexões. Ultimamente, o grande fenômeno da literatura cuja leitura recomendo fortemente é o Torto Arado, do Itamar Vieira Júnior. E sempre recomendo poesia, claro!