André Edson é poeta nas horas boas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Imediatamente depois que me levanto eu coloco os óculos, pego o celular, ponho os fones no ouvido e deixo tocar qualquer coisa, uma música ou um podcast. Então passo os próximos sete ou dez minutos fazendo alongamentos para a coluna. Eu geralmente acordo tranquilo, às vezes as manhãs são curtas, às vezes são longas, isso não me importa muito.
Após isso eu preparo e como meu café da manhã assistindo alguma bobagem que me entretenha por quinze ou vinte minutos no youtube.
Passo então a ler alguma coisa da faculdade e duas horas depois faço uma pausa, geralmente é nesse momento que eu vou pra rua correr e levar o cachorro pra um passeio.
Sem essas coisas eu sinto que falta algo, essa é minha rotina matinal.
Depois disso estudo mais um pouco e vou pra faculdade. Quando volto, pela noite, tudo se repete de novo. Não gosto de surpresas no meu dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
As coisas fluem melhor pela noite, mas também consigo realizar minhas tarefas e pendências ao longo do dia, logo depois do café da manhã.
Meu único ritual ou forma de preparação pra escrever algo é me pôr em um ambiente silencioso, porque assim eu penso melhor. Se estou em algum lugar fora de casa eu faço o inverso, tento me misturar ao barulho para não distinguir nada. Mas dificilmente isso ajuda em algo e então eu escrevo só alguns versos dispersos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não consigo escrever um pouco todo dia, não vejo isso como um trabalho. Comecei a escrever meus poemas como uma forma de terapia pessoal, pra mim isso é mais um hobby. No princípio eu até tentei escrever todos os dias, sentar e dizer: “agora vô escrevê muléqui!” Mas esse tipo de coisa não funciona pra mim, é muito mecânico, enfadonho. Assim eu me sinto preso.
Às vezes, quando o ócio bate forte, eu fico muito mais produtivo (considero que meu rendimento é baixo, próximo do que poderia chegar a ser). São momentos muito específicos e localizados, eu não escolho, só bate a vontade de escrever.
Não tenho meta diária; tenho meta mensal. Me proponho ao mínimo de um texto por mês, e mesmo assim já falhei quanto a isso, acontece também de eu conseguir fazer bastante em um mês e nada em outro. Mas eu não me preocupo, não tenho pressa pra nada, só tenho o objetivo de me sentir bem com as coisas que eu faço.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita requer apenas a coragem de iniciar, depois disso eu posso acabar trinta minutos depois, ou até um mês depois. Nunca se sabe. Mas depois que eu começo, isso fica pendente na minha cabeça (igual notificação de celular, mesmo), e pra não ter esse incômodo, busco solucionar isso o mais rápido possível. A partir daí eu começo a pensar na rua, no almoço, na estação de trem, em todo lugar. Trato assim meu modo de escrita, ele é esparso, não chega a dar margem pra se tornar um bloqueio criativo.
Vez ou outra, no meio desse processo posso ter uma dúvida breve (nada que o google não resolva), é algo trivial, que se resolve fácil, não chega a ser uma pesquisa “p e s q u i s a”, eu gosto de tranquilidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Travas de escrita não me incomodam, eu não me forço a nada, se não dá vontade de escrever, eu não escrevo. Simples. Eu não escrevo pra ninguém, faço isso pra mim, é a minha terapia, meu hobby, é uma coisa que me interessa. Eu posto no meu blog, pra quem se interessa em ter acesso, se não quiser, não lê; mas que ta lá, ta! (risos) Muito de vez em quando eu envio algo meu pra alguma revista virtual. Não sei, na minha cabeça eu posso, de repente, ganhar dinheiro disso e parar de estudar direito. (risos)
Geralmente eu só dou um tempo, mesmo; mais tarde eu retomo o que pausei, ou até descarto. Sem complicações.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os poemas umas 5 vezes, no máximo. Ficar olhando muito cansa, até por que, eu já sei o que tem lá. Encaro de uma forma pragmática, vejo se posso excluir ou substituir palavras e coisas do tipo. É algo rápido, dura poucos dias. Depois que eu coloco no blog eu não mexo mais.
Quando eu me sinto à vontade, e quando acho que não vou perturbar ninguém eu envio os textos a alguns amigos, quando eles respondem (porque às vezes os desgraçados não respondem) eu ouço suas impressões e críticas, se eu achar válido eu posso sim refazer alguma coisa ou outra, não tenho muitos critérios.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É uma relação muito boa, na verdade. Na maioria das vezes fica tudo focado no computador, eu tenho até medo de dar algum problema grave e eu perder as coisas guardadas offline. Mas é um risco que eu aceitei, pelo comodismo.
À mão até sai alguma coisa, mas acho difícil, não é natural pra mim, acho um pouco arcaico, sabe?
(risos) Faz muito volume, onde eu vou guardar papel, mano? Isso pega pó, da mó trabalheira.
Mas quando acho necessário risco e rabisco coisas no papel e depois transfiro pro computador ou pro celular. O papel, logicamente, é descartado após isso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm das coisas que me comovem, “/porque a plástica é vã, se não comove,/” assim como diz esse verso de “a tela contemplada”, do Drummond; aí eu adoto uma adaptação: “porque a arte é vã, se não comove”. Em geral é sobre o que eu consumo. Isto é: músicas, filmes, séries, outros livros, sejam eles de prosa ou poesia, pinturas, esculturas, e também não dá pra descartar as experiências sensoriais pelas quais eu passo ao interagir com as coisas da minha realidade; a saudade das coisas, lembranças, dúvidas internas, as questões que envolvem e intrigam sobre ser pessoa preta nesse país também contam.
Tenho ideias quando vou correr, também, acho isso estranho, mas acontece; principalmente nos momentos em que estou ofegante.
Como eu gosto de trabalhar com rimas eu acho o rap interessante, para ideias de estruturas tanto lidas como faladas. Ainda na música, gosto bastante da sensação que me dá ao ouvir o pessoal da mpb, como Milton Nascimento e João Donato.
Mas a inspiração geral vem da bagagem de cultura que eu vou consumindo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sinceramente não sei como responder a essa questão, eu acho que a gente só vai ganhando um estilo próprio ao longo do tempo, é isso. Esteticamente algumas coisas mudam também, talvez nossas temáticas, não sei dizer.
A mim mesmo eu diria para ler mais e escrever menos, quando começamos não queremos parar, não damos tempo pra nada; eu, particularmente, deixei de absorver estruturas e estilos de outros autores naquela época por pura empolgação, nada que seja prejudicial, porque a gente aprende e melhora sempre (ou é isso que dizem).
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever qualquer coisa em prosa, contar uma história, uma história boa. Acho que tudo o que a gente quer é ter contato com boas histórias pra guardar pra gente.
Mas por quanto eu me sinto confortável apenas com os poemas. Eu tenho dezenove anos, nem sei o que vou fazer depois de amanhã, tenho muito tempo ainda (ou não, depende do acaso ou da tragicidade paulistana) posso fazer algo diferente um dia desses, é só ter coragem.
Dos livros que eu gostaria de ler: os do meu quarto por enquanto me esperam; qualquer coisa que não seja da faculdade, por favor, até livro de youtuber eu encaro pra não ter que ler textos sebosos de juristas sebosos.