André de Leones é escritor, autor de Abaixo do paraíso (2016) e Terra de casas vazias (2013).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, tenho. Saio da cama por volta das nove (às vezes antes) e, após o desjejum, eu me sento à escrivaninha ou ao computador e começo a trabalhar. Escrevo todos os dias, mesmo quando não estou trabalhando em algum projeto específico.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não há uma hora específica em que eu trabalhe melhor. Se estou envolvido com a escrita de um romance, em geral trabalho no decorrer do dia e paro ao anoitecer. Não tenho nenhum ritual. Às vezes, também trabalho à noite. Escrevo enquanto ainda me sinto à vontade e produtivo. Se a atenção começa a se dispersar, encerro o expediente e vou fazer outra coisa. Quando tenho algum trabalho paralelo (escrevo resenhas para jornais, entre outras coisas), reservo uma parcela do dia para me ocupar dos freelas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Quando não estou trabalhando em um romance, lanço mão de um caderno e faço anotações sobre coisas que me ocorrem, livros que estou lendo, filmes que vi, lugares que visitei etc. As ideias surgem naturalmente. Não traço metas diárias, exceto quando estou na reta final da escrita de um romance, por exemplo, e procuro revisar um determinado número de páginas por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo à mão. Quando uma ideia me ocorre, escrevo bastante sobre ela, até como forma de desenvolvê-la. Noutras palavras, faço anotações sobre o romance que pretendo escrever, quem são os personagens, onde a história se passa e tudo o mais. Depois que estabeleci as bases da narrativa, não é difícil começar. A pesquisa é feita antes e durante a escrita. Procuro ser bastante minucioso. Por exemplo: em meu romance Abaixo do Paraíso (Rocco, 2016), pedi a um amigo de Goiânia que verificasse se um determinado bar frequentado por dois personagens ainda existe. Ele descobriu que o lugar foi demolido anos atrás e, então, eu alterei o ano em que a história se passa, porque era importante que os personagens frequentassem aquele boteco específico, localizado em um ponto simbólico (para a narrativa e para mim mesmo) da capital goiana.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sofro com nenhuma dessas coisas. Claro, há dias em que me sinto menos disposto, mas presumo que isso seja comum em qualquer área de atuação. Quando não estou com muita vontade de escrever (e não tenho nenhum prazo para cumprir), faço outras coisas. Leio, vejo tênis ou futebol, saio, vou ao cinema, encontro com algum amigo, aproveito meu tempo livre, em suma. Como sou romancista, meus projetos sempre são longos (levo, em média, dois anos para escrever um romance), mas não sofro de qualquer ansiedade. Quanto às expectativas, bom, elas são problema de quem as nutre. Trabalho quase todos os dias e faço o melhor que posso. Quando envio os originais para publicação, é porque estou satisfeito com eles.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras. Para mim, escrever é reescrever. Não mostro a ninguém. Antes, mostrava para alguns amigos próximos, mas hoje não faço mais isso. Trabalho sozinho e, quando me dou por satisfeito, envio à minha agente e ao editor. No decorrer do trabalho de edição, sugestões sempre são feitas. Eu as recebo de muito bom grado, discuto, repenso uma ou outra coisa e, se julgar necessário, reescrevo. Vários livros meus sofreram alterações significativas graças ao trabalho e às sugestões dos meus editores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu me relaciono muito bem com a tecnologia. No entanto, minhas primeiras anotações e os rascunhos iniciais são feitos à mão. A partir do momento em que passo ao computador, não tenho quaisquer problemas. Sempre imprimo cada versão do romance e reviso à mão, e depois volto ao computador. É um ciclo que se repete durante todo o processo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leio e viajo sempre que posso. As ideias vêm da minha vivência, dos lugares que visito e/ou conheço bem, das pessoas com quem convivo, das coisas que vejo pelo mundo afora, dos livros que leio, dos filmes e séries a que assisto, da memória. Ou seja, elas vêm de toda parte.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Não houve nenhuma mudança significativa em meu processo de escrita desde que escrevi meus primeiros contos até o momento em que terminei de escrever meu romance mais recente, em dezembro de 2017.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho várias ideias anotadas em meus cadernos. Uma delas é uma espécie de sequência do meu romance Abaixo do Paraíso. Anotei várias coisas, fiz uma pesquisa inicial sobre o período em que a história se passará, mas ainda não me considero pronto para iniciar a empreitada. Também planejo escrever outro romance de ficção-científica (já escrevi um, Dentes negros, lançado pela Rocco em 2011), cheguei a fazer uma primeira versão, mas não sei quando e se o terminarei. Sobre o livro que gostaria de ler e ainda não existe, bom, qualquer coisa que meus autores prediletos (Thomas Pynchon, Adriana Lisboa, Cormac McCarthy, Don DeLillo, Sérgio Sant’Anna, Javier Marías) ainda tenham a oferecer me interessa. Sempre aguardo os novos trabalhos deles (e de outros que esqueci de mencionar) com ansiedade.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo tudo. Passo meses escrevendo sobre cada personagem, esboço diversas possibilidades de estruturação da obra (faço escaletas, apontando o que cada capítulo trará), procuro ter uma uma ideia bem clara do romance como um todo, começo a rascunhar diálogos e situações, arquiteto a coisa em detalhes. E é claro que, a partir do momento em que começo a escrever a história, inúmeras mudanças ocorrem. Passadas as escritas e reescritas e revisões, não raro termino com um livro bem diferente daquele que planejei de forma tão minuciosa. Mas o processo é esse. Acho que tem a ver mais com a “ilusão” de já ter tudo arquitetado e a “segurança” que isso passa. Quanto ao que é mais difícil, eu diria que a primeira frase, e depois a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, a sexta…
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Depende muito de minhas outras atividades (também traduzo, reviso, colaboro com jornais etc.). Se estou traduzindo, por exemplo, separo algumas horas do período matutino para a escrita. Quanto a desenvolver vários projetos ao mesmo tempo, isso só acontece naquela fase inicial, em que fico planejando o que escreverei, conforme a resposta anterior. Nessa fase, experimento várias ideias, brinco com as possibilidades que tenho à mão ou na cabeça, encho páginas e páginas dos meus cadernos com ideias e mais ideias. A partir do momento em que opto por um projeto específico e começo a desenvolvê-lo, deixo quaisquer outras possibilidades de lado. Em fases posteriores, quando já estou terminando o romance, às vezes acontece de eu deixá-lo de lado entre uma revisão e outra, para que “respire” (e eu também), e brinco com outras daquelas ideias.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que me motiva é o próprio ato de escrever. Gosto muito de todo o processo, desde os primeiros garranchos no caderno até a revisão final. Não me lembro do momento em que decidi me dedicar à escrita. Lembro de, moleque ainda, inventar histórias com os personagens dos quadrinhos que lia. Lembro, também, de escrever pequenos roteiros, depois contos, inícios de romances, e por aí afora. Era só uma coisa que eu fazia, que eu gostava de fazer, e acho que nunca houve um momento em que parei e pensei: “É isso, vou me dedicar à escrita”. Porque eu já estava muito ocupado escrevendo. Mas houve um momento em que decidi que seria, antes de qualquer outra coisa, um escritor (isto é, profissionalmente falando, com tudo o que isso implica): depois de lançar meu primeiro romance, “Hoje está um dia morto” (Record, 2006). Porque escrever e “ser escritor” são duas coisas diferentes. Muitos por aí querem “ser escritores”, mas não parecem muito interessados em escrever, isto é, dedicar-se à escrita, ter disciplina, estudar, desenvolver-se, trabalhar, trabalhar, trabalhar. Em outras palavras, há muitos escritores que mal escrevem ou escrevem mal, que estão mais preocupados em circular pelo meio literário, participar de feiras e bienais, alimentar as redes sociais, aparecer, do que em, de fato, escrever. Nada contra feiras, bienais e eventos, eu mesmo já participei de muitos, eles nos aproximam dos leitores e ajudam a pagar as contas, mas isso é acessório. O que importa é o trabalho de escrita e tudo o que ele envolve: silêncio, solidão, disciplina, cuidado e atenção.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Nunca pensei nesses termos. Nunca me sentei à escrivaninha e pensei: “Preciso desenvolver um estilo próprio”. Eu apenas escrevia. Eu apenas escrevo. Isso (“estilo”) vem naturalmente, ou não. Sobre quem me influenciou, bom, esse tipo de coisa é melhor percebida por quem está de fora. Se você quiser saber quais são meus autores prediletos, cito William Gaddis, Ricardo Guilherme Dicke, Adriana Lisboa, Homero, Patricia Highsmith, João Cabral de Melo Neto, Saul Bellow, Alice Munro, Thomas Pynchon, Angélica Freitas, William Faulkner, Maira Parula, Yasunari Kawabata, Elizabeth Bishop, Don DeLillo e Aharon Appelfeld. Há muitos outros, mas esses foram os que me ocorreram no momento. Em se tratando de influências, poderia dizer que me sentei à sombra de Appelfeld para escrever “Dentes Negros”, mas não quero ofender a memória desse escritor extraordinário. Da mesma forma, a estruturação de “Terra de casas vazias” e “Eufrates” deve algo ao DeLillo de “Submundo”, mas essa é uma dívida que jamais terei como pagar. Sou uma pessoa muito, muito pobre.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Indico a “Ilíada” de Homero, “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, e o divertidíssimo (sim!) “Ulysses”, de James Joyce. Homero é o chão no qual a gente se deita. Rosa é o firmamento para o qual a gente olha depois de se deitar. E Joyce é a companhia perfeita para ficar ali deitado com a gente, olhando todas aquelas estrelas e papeando.