André Cáceres é escritor e jornalista.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tenho que lidar com uma escrita de tiro curto (o jornalismo) e minhas maratonas particulares (a literatura). Então eu costumo separar as manhãs para as maratonas e as tardes para os cem metros rasos. Gostaria de poder me concentrar em um projeto por vez, mas isso seria impossível tendo que produzir em ambas as modalidades.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Costumo planejar bastante os projetos antes de começar a escrita em si. Tendo em mente onde pretendo chegar, ganho uma liberdade importante para descobrir aos poucos como chegar lá. É por isso também que os princípios são muito mais complicados do que os términos. Iniciar um projeto é como embarcar numa máquina do tempo e descobrir que qualquer vírgula pode alterar todo o futuro daquele projeto. Quando me aproximo do final, há um certo senso de inevitabilidade que torna as coisas mais fáceis de escrever, como se meu texto cumprisse sua sina.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Tento escrever todos os dias, sem uma meta quantitativa, mas mantendo sempre o esforço diário de produzir. Essa é minha estratégia para, como diz Ray Bradbury, alimentar a Musa. Arredia, ela nunca me visita sem que eu me comprometa a alimentá-la todos os dias. A Musa também não gosta de ambientes tumultuados ou barulhentos, então preciso de solidão e silêncio — ou de boa música — para fisgá-la.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Nunca precisei me forçar a escrever. Eu preciso me forçar a fazer coisas chatas — ir a um cartório, por exemplo. Escrever é uma das atividades mais prazerosas e inebriantes que existem, eu nunca senti vontade de procrastinar quando queria escrever. Na verdade, por vezes eu escrevo para procrastinar quando devo fazer outras coisas. Mas já me senti travado em várias ocasiões. Quando isso acontece, tento me distrair e deixar o inconsciente trabalhar um pouco. É claro que, quando escrevo como jornalista, não posso me dar ao luxo de ter bloqueios criativos. Nesse caso, a escrita pode ser um exercício significativamente mais penoso do que de costume, mas eu tendo a sobreviver.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Certamente, o texto que mais me deu trabalho para ser escrito é meu próximo romance, “Nebulosa”, uma ópera espacial com várias linhas narrativas entrelaçadas em uma tecelagem complexa. A obra será publicada em 2021 pela editora Patuá. Mas o que mais me orgulho de ter escrito é um conto singelo e ainda inédito intitulado “O Louco da Estação”. Espero que ele veja a luz do dia em breve.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Minha produção literária é intensamente voltada para a noção do insólito em um escopo amplo e para a ficção científica em uma perspectiva mais específica. Em uma época na qual pessoas arriscam as próprias vidas por acreditar em teorias conspiratórias das mais tresloucadas, tratar de “realismo” me soa absurdamente escapista. O realismo não existe mais — não na vida real, pelo menos. Meus temas são todos orientados por essa ideia do insólito, e a forma pela qual costumo alcançar esses temas é a ficção científica. Não chego a ter uma imagem mental de um leitor, escrevo como quem lança uma mensagem numa garrafa ao mar, mas acredito que há por aí muitos leitores que compartilham das minhas angústias.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
A minha companheira de vida e de literatura Bruna Meneguetti lê todos os meus rascunhos em primeira mão. Ela é minha primeira leitora, minha editora, minha crítica, minha preparadora. Depois dela, confesso que tenho poucas pessoas para quem costumo enviar manuscritos. Mas em geral me sinto à vontade de mostrar meus escritos, ainda que em fase preliminar.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Sempre gostei de me manifestar artisticamente de uma maneira ou de outra. Quando criança, pelo desenho; na adolescência, pela música; mais tarde, pela escrita. Sempre gostei, de uma maneira vaga, de escrever. Só compreendi que queria me lançar na escrita como um projeto intelectual e de vida quando já cursava a faculdade de jornalismo. A já citada Bruna foi uma influência bem grande, uma vez que ela já escrevia seus próprios livros, e me inspirou a também escrever os meus. De alguma forma, conhecer alguém que lidava com isso tornava a ideia do esforço hercúleo de escrever um livro um pouco mais plausível e possível.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Essa é uma questão com a qual eu me digladio diariamente. Encontrar minha voz é uma das minhas grandes buscas na escrita. Tanto que percebo que meus textos de cinco, três, dois anos atrás já não soam mais como eu. Ou eu não soo mais como eles. Essa evolução é interessante e, creio, positiva. No dia em que eu reler algo que escrevi há mais de um ano e me reconhecer ali, vou me lamentar porque estarei estagnado. Os autores que mais me influenciaram são muitos. Dos vivos, o que mais tenho como referência é o também amigo e mentor Nelson de Oliveira/Luis Bras. Braulio Tavares, China Miéville, Margaret Atwood e o/a anônimo/a Bandi são alguns dos que mais gosto. Entre os mortos, há uma verdadeira aglomeração de cadáveres que sussurram nos meus ouvidos enquanto escrevo. Campos de Carvalho, José J. Veiga, Murilo Rubião, Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Silvina Ocampo, Italo Calvino, Ursula K. Le Guin, Philip K. Dick e tantos outros habitam meu subconsciente sempre a me inspirar.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Defini “A Lua Vem da Ásia”, de Campos de Carvalho, como o livro padrão para indicar quando preciso dar uma resposta rápida. É um livro ao qual sempre volto de tempos em tempos para me perder novamente nos meandros da linguagem insólita desse autor tão pouco lembrado.