André Balbo é editor da Lavoura e autor de “Eu queria que este livro tivesse orelhas”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
É coisa recente, mas tenho. Levanto pelas 6h, tomo café da manhã imediatamente e ligo o computador. Vejo a cotação do dólar (não por opção; o Windows mostra na tela inicial e não sei como desativar o recurso) e começo os trabalhos. Por volta das 9h tomo um segundo café, mais reforçado. Tenho muita fome de manhã. Talvez me falte o samba.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sinto que tenho hora melhor para trabalhar, tem algo mais a ver com momento. Explico: talvez eu me organize melhor pela manhã, mas é geralmente durante a noite ou madrugada que sou mais produtivo.
Ritual de escrita é abrir o Word. Um chá bem quente cai bem. Devo ter tirado isso da Alice. Ou da internet. Enfim, domínios análogos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, exceção feita aos períodos de viagem ou de agenda prenhes de outras responsabilidades (preparação de aulas, revisão, edição e parecer de textos). Não trabalho com metas diárias, felizmente o fordismo me é tão só um conceito das aulas de história.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é indissociável da leitura. Escrever é ler, interpretar e ressignificar nossas influências. No princípio era o verbo (dos outros). Esse é o fundamento dos meus trabalhos, mas, naturalmente, cada projeto tem suas feições. Há empreitadas que demandam o estabelecimento de alguns compromissos e abordagens mais ou menos rígidas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com as travas lido como com a vida: leitura. Procrastinação, na escrita, nunca foi um problema para mim. Expectativas, por enquanto, só as minhas, o que facilita um pouco. Se bem que, sendo hoje editor de uma revista e tendo publicado meu segundo livro, talvez o cerco esteja começando a fechar. Não sei.
Projeto longo é uma novidade na minha experiência: estou escrevendo meu primeiro romance. Até então, está bastante difícil. Insuportável, para ser honesto. Produzir literatura não é lazer; é um trabalho que, como muitos outros, constantemente enche o saco. A vontade é jogar tudo fora, ou pelo menos voltar a produzir somente contos. Conto é o gênero com o qual mais me sinto confortável, apesar de reputá-lo o mais desafiador.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos literários compulsivamente. Chega a ser doentio, às razões metafórica e clínica. Não trabalho com coisas do tipo “meus personagens ganham vida própria”, “minha narrativa constrói seu próprio ritmo” etc. Procuro exercer um controle absoluto das minhas produções. Entre duas palavras de um mesmo campo semântico, por exemplo, não escolho a mais “fácil”; escolho aquela que fortalece os sentidos que procuro explorar a partir do prisma estético da obra. Se construo uma estética fabular típica, com personagens animais e um desfecho moral, e um personagem narcisista se permite a exageros, há grande diferença entre dizer que ele comete um “floreio” e um “pavoneio”. A revisão é o momento ideal para botar reparo nesse tipo de questão.
A escrita, enquanto manifestação artística da linguagem, pertence à esfera do “nós”. Dava para escrever um ensaio só com isso. Mas, aqui, só para dizer que acho fundamental que nossos textos passem por crivos, antes mesmo dos editoriais. Se eu quebrar um ovo na cabeça de um panda, filmar e disser que é arte, basta? Existe um mínimo dialógico: precisamos de instâncias terceiras que reconheçam nossa produção. Não falo de família ou amigos, por óbvio. É importante que sejamos reconhecidos por outros indivíduos ou grupos produtores de arte. Não é, portanto, apenas pela razão instrumental de “melhorar o texto” ou “encontrar erros e incongruências”. É antes um modo de interpretar nossa condição no mundo.
Meus fiéis leitores e primeiros críticos são meus colegas co-editores da Lavoura: Arthur Lungov e Lucas Verzola.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Rabisco é onde o momento permitir: papel, fatura de cartão, multa por barulho, arquivo de notas do celular. Escrita, mesmo, só no computador. 2018, né? Não só pelo conforto e praticidade; durante a escrita, entre parágrafo e outro, meu time faz gol (mentira), minha mãe compartilha um vídeo de filhote de cachorro espirrando, alguém é preso injustamente e o mundo pode explodir. Não sou um Zaratustra à parte nas montanhas. Produzir literatura é importantíssimo, mas quem não conhece o prosaísmo não merece um escrópulo de mérito.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Dos outros. Vêm de Borges, Cortázar, Poe, Maupassant. De Cervantes, Shakespeare, Carroll, Woolf. De Guimarães, Clarice, Raduan. Das Mil e uma noites, da Bíblia. De Wu Cheng’en, Akutagawa. Todas têm DNA. Nada sai de mim. O hábito da criatividade é a apropriação de textos alheios. O resto é autocomplacência.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aos 26 anos, poucos tenho para dizer que vivi grandes mudanças. Mas é aquela coisa: a gente vai ficando menos burro (espero). Vai recolhendo, agregando, assimilando e copiando. E vai extraindo algum suco do bagaço. Se pudesse voltar aos meus primeiros textos, eu lembraria que eles são como coelhinhos vomitados, e diria a mim mesmo que a lei da vida é a ficção.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever uma peça de teatro. Um plágio de Hamlet, ambientando a história num conto de Murilo Rubião. Todos os livros que gostaria de ler já existem, porque todos os livros possíveis e impossíveis, em todas as línguas (conhecidas ou não), já existem. É responsabilidade dos novos escritores descobri-los.