André Argolo é professor, escritor e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia ideal começa com café e escrita. Quando acontece um dia ideal? Raramente. Esse mesmo bom horário é para ler e estudar também. Então trata-se mais de uma utopia, não no sentido de ser algo irrealizável, mas no sentido de ser um horizonte, uma busca, um ideal. Na prática, atualmente, a rotina é a de cuidar da casa/filho/cachorro nas primeiras duas horas dos dias e depois ter por volta de três horas para estudar e escrever. Como sou mestrando no IEB/USP, o tempo tem sido mais para o projeto de pesquisa do que para a produção literária, bem mais!, mas não reclamo: a pesquisa alimenta tudo mais. Agora é o mestrado, depois doutorado, sempre algo importante vai competir com a escrita literária. No cenário ideal, escreveria antes de estudar, pra ter a mente mais fresca possível, mais próxima do despertar de cada dia: é como percebo que rende mais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Portanto é pela manhã mesmo. A escrita, na minha vivência, exige além de imersão, certa distração, mas é uma distração em torno do texto, uma distração que nos leva a algum outro lugar, provoca conexões inesperadas, inesperadas porque criamos as condições para a emergência de pontos de vista diferentes, contextos mais bem elaborados etc. Algo como criar um método de propiciar algum caos. Esse caos é criativo, dentro dos limites de cada um, em cada momento da vida.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meu trabalho de ganhar dinheiro vem sendo como freela, produzindo vídeos sobre livros, autores, para editoras e outras empresas do campo livreiro. Estou construindo minha ponte, com a lentidão das construções novas no meio da vida, para me firmar como professor de literatura e escrita literária em tempo integral. Com esse objetivo, sou mestrando no IEB/USP. Sendo assim, quando não tenho edição de vídeo e prazo para cumprir, consigo dedicar as melhores horas do dia (manhã) para escrever e ler. Por que explico isso? A escrita tem que ser todo dia para evoluir. Prosa, então! Ou se escreve todo dia ou não se termina nada. Escrita tem muito de prática, um texto nasce grávido de outro e o ato da escrita, em si, provoca o pensamento de um jeito diferente da fala ou do silêncio. A meta é escrever todos os dias. Quanto, varia muito. Acho que não importa o quanto. Há escritores que têm metas quantitativas e isso funciona bem para eles. A regra é a adaptação ao que cada um necessita, não a aplicação de modelos. Nesse ponto admiro ainda mais essa prática, porque é absolutamente respeitosa com as questões pessoais; a imposição funciona mal. Nem o prazo de entrega, que L.F. Verissimo chama de inspiração, seria uma imposição nesse sentido. O prazo pode ser um amigo. Mas como vou cumprir o prazo para a entrega de um texto é questão de cada um, em princípio.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita de prosa mais longa tem sido uma longa, longa mesmo, e árdua caminhada pra mim. E com isso uma descoberta constante. Nunca terminei um romance. Tenho um “em andamento” cujo primeiro arquivo foi aberto em dezembro de 2014. Faltam constância e experiência mesmo. A versão mais recente, quando comecei a gostar mais do que estava fazendo, é de 2017. Com livros de poemas é diferente: é um ataque mais frontal, mais violento, impetuoso. Escrevo embalado por algum incômodo central e brotam os textos que vou talhando, reconstruindo a partir de nacos rabiscados, versos soltos que se transformam ou não em poemas (se alcançam ser poesia, quando alcançam, é outra história). Mas de fato há um momento em que consigo reunir os poemas e costurá-los em livro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ansiedade é uma companheira indesejável em tudo, inclusive na literatura. Mas com as travas eu lido com grampo e martelo. Escrever se faz de várias formas, inclusive escrevendo. Ou seja, se há um branco, como testemunham muitos autores, no meu caso, eu o enfrento espetando o dedo no teclado. Das palavras, dos versos, das frases em construção pode surgir o texto que procuro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei medir isso, não. Há textos muitas vezes lidos, em momentos bem diferentes, com espaços de tempo generosos como, por exemplo, de um ou mais anos. E outros que, por prazo, entrega-se após uma ou duas revisões apenas. São mais frágeis por isso, naturalmente. Tenho um mestre, o José Carlos Souza, que plantou uma provocação certa vez: por que um texto não precisa ser terminado? Por que ter de dizer que está pronto? Por que não se pode mexer eternamente num texto – a tecnologia digital propicia essa possibilidade melhor do que as tecnologias anteriores… Não tenho resposta pronta.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O lápis é uma tecnologia que permite alguns movimentos, a máquina de escrever, sinto, faz o texto emergir de outra forma e no computador é outro funcionamento, não digo o óbvio da máquina, mas do cérebro. Não tenho acesso a nenhum estudo nesse sentido, é um relato empírico. Mudar de plataformas, às vezes pelo menos, pode render boas opções ao escritor, acredito. Atualmente percebemos como a sociedade é mesmo, como no pensamento de Gabriel Tarde, uma associação entre humanos e não humanos e não apenas entre humanos (sendo que hoje também já repensamos o que significa humano, diante da inteligência artificial por exemplo). Portanto, percebe-se como as coisas nos provocam. Como são também corpo quando nos acoplamos. E a ligação de mão dupla com a mente: o que me provoca o lápis a escrever, além de tudo mais no mundo? E o que me provoca a velha olivetti?
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei localizar as ideias. Quanto mais leio a respeito de criação literária ou sobre comunicação humana ou não e demais fenômenos do que percebemos em nosso ambiente, mais percebo que tudo que emerge é um emaranhado mesmo, um conglomerado, desde o que conhecemos por vida, até uma pedra, um romance, um poema, uma descoberta química. O texto é uma organização possível do caos em dado momento. Quanto mais disposto a expandir minha percepção, minha capacidade de leitura do mundo, por meio de observação e estudo, mais me sinto capaz de criar algo possível de conter alguma relevância, sendo o contrário verdadeiro, no meu caso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não diria nada, não. Gosto inclusive dos defeitos dos meus textos anteriores – considerando a partir do meu primeiro livro, Vento noroeste, que é de 2014, cuja gestação foi na pós-graduação em Formação de Escritores do Vera Cruz e depois publicado pela Patuá. Fui eu ali, com minhas circunstâncias, diria o Gasset, se não o entendi erroneamente ou esteja simplificando demais. Não acredito que um texto ecloda do nada. Se vier um dia a escrever algo realmente significativo (acho que isso não aconteceu ainda), esse texto seria também filho do Vento noroeste, daquele vento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero ler tantos livros e a cada dia descubro outros que também desejo… Descubro com alguma frequência novidades que têm mais de 100 anos. Portanto… o que vai faltar é vida pra esse projeto. Podia bem haver uma biblioteca na morte, não podia? Ou será que ler só serve pra vida mesmo?