Anderson Fonseca é escritor, autor de “Sr. Bergier e outras histórias”, “O que eu disse ao general” e “A Arca”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina, mas tenho um hábito. Costumo anotar ideias, frases e roteiros para contos em moleskines. Não importa onde eu esteja, surgiu a ideia o caderno tem que estar bem próximo para escrever. Depois que anoto, reviso as ideias, e persigo a frase de abertura do conto até encontrá-la. Assim que a capturo, dou início à escrita do texto. Isso pode levar de semanas, meses ou até anos para chegar ao fim. Não tenho pressa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se dou início à escrita de um conto o melhor horário é à noite. A filha já foi para a cama, a esposa está descansando, e só há o som de meus próprios pensamentos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Hoje dedico-me só à leitura de livros de física e filosofia. Mas quando me decido por um livro, essa é minha rotina: pela manhã escrevo em um caderno cada parágrafo do conto, à noite reescrevo no computador. No momento em que digito cada palavra, meu senso crítico se manifesta e vou fazendo cortes. Depois, reescrevo no caderno cada parágrafo digitado. Deixo um tempo na gaveta e nesse período fico a remoer cada palavra do conto. Tenho o hábito de memorizar tudo. Se me surge à mente uma frase nova ou um corte, anoto. Por isso, um conto que estou trabalhando demora dois anos ou mais e, quando vou ver, essa história não tem nem cinco páginas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo narrativas fantásticas, sejam parábolas ou algo próximo à ficção científica. Mas quando uma boa história surge adoto o método de em um quadro branco desenhar o roteiro da história, no caderno a construção das frases, no computador a compilação da história. Antes leio muito física, filosofia e obras teosóficas. Meus contos são em sua natureza problemas filosóficos que procuro resolver. É como se eu formulasse uma equação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso me atingiu brutalmente faz dois anos, hoje não publico mais. Apesar de cada uma das obras que publiquei anteciparem problemas reais, filosóficos ou examinarem a sociedade, optei pelo silêncio. A leitura tornou-se um hábito agradável. A escrita é um sofrimento terrível. Não é apenas lutar com a palavra, é um conflito de ideias, você se angustia. E todo processo de edição, se não achar um bom editor – eu, ao menos, só conheci um bom editor – destrói toda sua guerra interior. A guerra do escritor começa com a primeira frase, a primeira ideia, e continua muito após ter se livrado do objeto que o consumia, porque nos perguntamos se nossa palavra feriu ou não o leitor. Um escritor que não fere, não é um escritor. Palavras são feridas. O livro é um habituar-se ao vazio sem jamais querer preenchê-lo. Não queria me livrar daquela angústia, essa é a verdade. Hoje, gostaria de tê-la de volta.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso um pouco menos que Ivan Bunin. Mesmo depois de publicado o livro continuo a revisar a obra. Na verdade, eu não publicaria nenhum dos livros que trabalhei. Enquanto eu sofria ao escrevê-los sentia um imenso prazer com isso, quase erótico. A angústia e a linha inacabada eram um prazer indescritível, triste de mim ao ter me livrado dessa sensação. Isso deixou-me um imenso vazio. Quanto a revelar o que escrevo, só confio em duas pessoas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da física e da filosofia. Meus contos são problemas filosóficos cujo deleite em resolvê-los é único. Não são simplesmente histórias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Nesses anos, aceitei a paciência e a não necessidade de produzir muitas obras. De todos os livros que fiz, apenas um me agradou, e se, em minha biografia houvesse um livro a ser citado que fosse Sr. Bergier e outras histórias. Depois de escrevê-lo, publiquei mais um livro. Mas, hoje, eu diria ao eu passado: escreva, mas não publique. Fique com a angústia da escrita. Fique com a linha inacabada, mas não se sujeite a compartilhar suas ideias. Recuse! Recuse!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu apenas escrevo sobre uma única coisa, um problema filosófico que me incomoda: o duplo. Hoje, dedico-me a ler obras da filosofia contemporânea que tratam do problema da consciência e da mente duplicada, assim como artigos de física e obras de renomados cientistas. Hoje só quero responder a mim mesmo o que é a consciência. Se eu for escrever uma obra será de ensaios ou narrativas que abordem esses problemas. Mas não significa que eu publique.
Mas… a pedido de uma leitora, estou concluindo um livro de crônicas sobre um assassino em série, cujas vítimas são mulheres. A obra é uma teodiceia e trata do problema do mal sob a perspectiva: se Deus fez o assassino, fez também a vítima. Não seria o serial killer um instrumento da vontade divina assim como os líderes israelenses que assassinaram milhares eram instrumentos de Deus?