Ana Valéria Fink foi dentista, hoje é escritora e revisora, autora de A história de uma boca.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia inicia com uma olhada para o céu, uma xícara de café, a verificação da caixa de e-mails e a programação dos afazeres cotidianos. Felizmente não estou mais submetida a uma rotina rígida, agora que não exerço um trabalho formal com relação a cumprimento de horários. Atuo como revisora, e a necessidade (que depende dos prazos e da extensão dos textos) dita meu tempo de dedicação. Mas se deixei algum texto de minha autoria em aberto no dia anterior, é geralmente pela manhã, com a mente fresquinha, que volto a ele; mesmo assim, sem nenhuma obrigatoriedade de retomá-lo naquele momento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para a escrita, na verdade, não sou eu que determino a que horas vou trabalhar. É o texto que me comanda. E esse comando pode acontecer a qualquer momento, mesmo! Portanto, nem pensar em rituais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como já confessei anteriormente, eu sou funcionária – e não patroa – nessa relação com a escrita. Tento estar sempre à disposição da “chefia”. Isso acontece porque, como tenho me dedicado à feitura de crônicas e poemas, que são textos não muito extensos, posso me dar a esse “luxo”. Mesmo os contos que ando escrevendo não me exigem muito tempo. Mas, curiosamente, parece que estou chegando num ponto em que a disciplina vai ter de se impor. Alguma coisa dentro de mim tem me dado esse toque. E a leitura das entrevistas que li aqui, com vários autores, me aponta que possa ser interessante adotar um certo método. Se bem que, com a criação de nossa página Cronicália, no Facebook, tenho me esforçado para manter uma certa assiduidade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É bastante comum que as duas coisas caminhem simultaneamente, a pesquisa e a escrita. Mas tenho, sim, uma profusão de anotações para trabalhos que pretendo realizar. Por vezes, uma dessas notas é suficiente para que eu me debruce sobre o texto e o conclua, numa sentada. A maioria dos meus textos brota de roldão. Depois me concentro nos aspectos normativos, gramaticais. Nisso posso levar um tempinho maior, por ser a fase que exige técnica e pretere a criação, com risco de delonga. Então, comigo, não é difícil começar, mas terminar, por vezes, custa mais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho ansiedade com relação à escrita, não. Passei muitos anos sem escrever, envolvida com a maternidade (foram só cinco filhos…), período em que não me era possível estar sozinha – e a escrita requer solidão. Passei por isso tranquilamente e, de repente, como se comportas abrissem, voltei a escrever, num volume até admirável, se considerar que em quatro anos publiquei três livros. Aprendi a relaxar, já que não adianta forçar, comigo não funciona. Mas não posso ignorar o fato de que meus livros de crônicas e poemas são compilações do que fui escrevendo ao longo da vida. Quando experimentar um projeto mais longo, talvez a ansiedade apareça.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Apesar de trabalhar como revisora, submeto meus textos em vias de publicação a uma avaliação profissional. Para tanto, conto com meu companheiro, Vitor Hugo Fernandes Martins, também escritor, que, para minha grande sorte, leciona Literatura Brasileira; é ele meu maior incentivador (ou o abridor das “comportas” a que me referi). Com exceção dele e de quem porventura vá fazer o prefácio e/ou orelhas, não costumo mostrar meus escritos a mais ninguém. Eu mesma não retomo muito os textos, não; depois de umas três lidas, mais ou menos, bato o martelo. Sou bastante prática e impulsiva, penso eu, com tudo na vida. E com a escrita não é diferente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus primeiros poemas foram redigidos à mão, nem havia ainda computadores, e eu não dispunha de uma máquina de escrever. Ainda guardo caderninhos, com uma caligrafia caprichada, com esses textos. Nos bons tempos da faculdade (no século passado, imagine!), exibíamos nossos poemas em varais, escritos com canetinhas, em muitas cores. Mas hoje digito, e penso que isso agiliza bastante o processo, até por conta do acesso a dicionários online e outros artifícios que colaboram com a escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minha matéria é a vida. Então, garantida a fonte, inesgotável! Minha poetagem começou em tenra idade, como percurso possível, passível de me dar a conhecer, a mim mesma e ao Outro. Pela palavra manifesto minhas mais recônditas impressões da vida, de mim dela, dela em mim. Com essas tesselas tão variadas, seja tocando o amor ou a existência, a tristeza ou a alegria, assim venho levando, na dor e na delícia, meu escreviver. Com todos os riscos e ganhos, com a dureza e o êxtase de, a cada dia, aprender, aprender, aprender. E cronicar exige um olhar apurado sobre os detalhes, o subterrâneo das coisas, as entrelinhas. Estar bastante atenta a mim e ao Outro basta. E como combustível para a criação, nada melhor que a leitura, profusa, de autores que admiro, grandes mestres, sem esquecer de estar sempre aberta a conhecer novos talentos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha escrita é muito mais intuitiva que racional, e ouso crer – porque me é conveniente – que permaneço jovem, pois. Brincadeirinha à parte, penso que não haja muita diferença entre a escritora de agora e a dos primórdios. Mas não sou capaz de avaliar se isso é bom ou ruim. Se fosse reescrever o que produzi até hoje, pouca coisa mudaria. Isso me traz dúvida: se não estou amadurecendo como escritora, ou se tenho um estilo precocemente definido.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou com mais um livro de crônicas praticamente pronto para ser publicado, e isso me tem tomado a atenção. Mas já planejo uma nova empreita, que será um livro de contos. Tenho compilada uma pequena quantidade de textos, e vou ter de dar duro pra conseguir escrever um número suficiente de narrativas – que para mim costumam ser curtas – para compor um volume. Isso pode parecer contraditório, já que revelei que a escrita me comanda; mas é que pretendo reunir contos com um mesmo tema. Essa ideia, na realidade, não partiu de mim conscientemente. Observei que os contos que já havia escrito têm uma certa relação entre eles, apesar de serem de épocas bem diversas. Tenho vontade de, obedecendo ao que parece um acaso, escrever mais contos na mesma linha, e reuni-los num livro. Depois disso, desse treino na criação ficcional, onde ainda me aventurei pouco, talvez me sinta preparada para escrever o romance que tenho esboçado, há uns anos, por alto. Aí, sim, é bastante provável que me seja exigido um comportamento mais metódico, para almejar e cumprir metas. Quanto ao livro que gostaria de ler e não existe… gostaria mesmo é de ler tudo o que existe!