Ana Squilanti é escritora, farmacêutica e roteirista, autora de “Costuras para fora” (Editora Nós, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho. Na verdade eu descobri que todo meu dia “desanda” se não sigo uma rotina. A rotina matinal é bem de autocuidado, bem hipponga, mas aqui vai: eu gosto de acordar até as 07h, fazer um pouco de meditação e yoga, tomar banho com algumas gotinhas de óleo essencial de hortelã, que dão aquela acordada, tomar café da manhã e escrever. Já faz um tempo que escrevo um pouquinho de manhã, como um diário, e isso me ajuda bastante, até a entender o que sinto. Parece bastante coisa mas levo 1h para fazer tudo isso e aí pronto, o dia começa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhum ritual, tirando essa rotina matinal, mas se quero ficar concentrada para escrever preciso desligar a internet. Me distraio facilmente e até por isso começo o dia com essa rotina mais fixa, para me aterrar.
Sinto que tenho mais energia cedo, mesmo, mas isso varia. Nos primeiros meses do ano parei todos os outros trabalhos que tinha para me dedicar só à escrita do meu livro de estreia, Costuras para fora, e percebi que quanto à “insight criativo” era sempre melhor de manhã, e para finalizar ou editar textos, à tarde. Mas isso porque tive o privilégio de focar minha vida nesse projeto, graças ao edital que ganhei. E como acabava escrevendo logo depois de já ter escrito no diário, de alguma forma isso me encaminhava. Quando eu empacava ou não sentia ter entrado ainda pegava para ler algo que gostava bastante e que de alguma forma me conectava ao que eu estava escrevendo.
Agora, em outros momentos, a escrita vai quando dá. Mesmo. Até em feriados ou finais de semana que me programei para escrever, não escrevi. Acabei lendo. Mas faz parte, né? Nós também escrevemos a partir dos livros que lemos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrever no meu diário eu escrevo quase todo dia, mas quanto a escrever ficção isso depende se estou fazendo alguma oficina de escrita, se estou trabalhando em algum projeto ou se tenho algum prazo. Já tentei ter uma meta diária, tanto de número mínimo de palavras quanto de páginas, mas não deu certo. Me deixava mais ansiosa. Gosto de colocar meta por texto, do tipo “não vou escrever outra coisa até acabar esse”, ou “vou deixar esse de lado, e voltar daqui alguns dias”. Sabe? Mas meta meta, como o Nanowrimo, não rolou.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não junto muitas notas antes. Talvez quando for escrever um romance isso será necessário, por enquanto só escrevi contos, mas talvez isso não aconteça mesmo porque o que move minha escrita é muito a sensação que quero passar? A vontade de colocar em palavras algo que senti. Meus textos quase todos nascem daí, de um sentimento muito mais do que de uma ideia, então tento me conectar a ela.
As notas acabam surgindo durante o processo, e aí eu tento anotar em um papel e pesquisar depois, mas não adianta, ainda mais se estou com internet, abo uma abra do Chrome e digito “como eram feitas as malas de viagem nos anos 1940” (pesquisa verídica do meu conto “Beira”), vejos os resultados e volto para o texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com as travas de escrita eu acho mais fácil trabalhar do que com a ansiedade de desenvolver um projeto. Se um texto empacou, ou não gosto do final, ou acho que ele está meio perdido, deixo o computador, pego um papel e escrevo:
Tema da história:
Verdadeiro assunto:
Elementos importantes:
E aí entendo, ou volto a entender, do que estou falando e o que quero contar. Eu escrevo contos e sigo, ou tento seguir, isso você me conta depois que me ler (espero que leia <3), a linha de que há duas histórias em um conto, e que ao final dele a segunda trama, ou história cifrada, emerge? Essa teoria é do Allan Poe, e creio que seja mais usada para suspense, mas de alguma forma acho que encaixa com o que faço, ou do jeito que eu gosto que uma história se coloque.
Agora, quanto a ansiedade, além de respirar fundo e meditar mais e usar difusor com óleo essencial de lavanda (é sério), eu percebi que preciso de um acompanhamento, nem que seja de uma amiga. Alguém para me cobrar ou me ajudar a não me autoboicotar. Neste ano tive a sorte de me dedicar durante um período à redação do meu livro e a ansiedade quase me consumiu a ponto de… prejudicar o livro? Ou estourar meus prazos. Precisei de alguém – no caso a Sheyla Smanioto – para me ajudar a voltar no eixo e voltar a acreditar no que escrevia. Descobri que isso infelizmente, é bem, comum, chegar quase ao final da redação de um livro e falar “nossa, não gosto mais de nada do que escrevi”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mostro, sempre, acho que não existe um texto que pelos menos uma amiga minha não leu. Falo amigA porque quase todas que dividem a escrita comigo são mulheres.
Eu acho o olhar da outra, ou do outro, fundamental. Tanto para entender se o que você escreveu é compreensível, tanto para te fazer enxergar porque aquela parte que você já achava estar truncada não está funcionando.
E quanto a sentir quando um texto está pronto, se eu te falar que é fisicamente você acha loucura? Eu sinto no corpo, geralmente no peito. Me dá uma sensação boa ou de serenidade quando leio um texto e ele já está pronto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo toda ficção no computador, recorro à mão só quando preciso organizar as ideias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vem de coisas que sinto quando ando na rua, de uma viagem, de conversas que participo ou que ouço no ônibus, de filmes e livros, de músicas. Acho que temos de nos manter atentos, manter a escuta ativa, minhas histórias quase todas são cotidianas e acho que se treinamos o olhar e os ouvidos somos capazes de ver poesia em qualquer coisa. Poesia, não beleza, porque tem muita coisa feia e triste que também vira poesia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredite em você. Se você não acreditar, ninguém vai, é o que eu diria. Acho que mudou minha autoconfiança? Antes eu nem dizia que escrevia, não mostrava meu texto para ninguém, e agora eu vou lançar um livro. Claro que ainda há momentos em que eu não estou feliz com algo e não quero que pessoa alguma leia, mas hoje entendo que faz parte. Hoje eu não diminuo nem desmerço o que escrevo. Tenho mais compaixão comigo mesma, talvez, e consigo ver que tal coisa que produzi foi o melhor que pude fazer na época, em determinado momento, com determinados recursos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ah, são tantos, minha carreira ainda está começando. Eu tenho um projeto de livro que é bem embrionário ainda, a ser narrado por uma criança-pré adolescente, durante os anos 70-80. Amo esse período da história, acho tão rico – e trágico – de tantas formas, e também ler Alejandro Zambra, Vargas Lossa, Aline Bei e Mari Carrara me deixaram apaixonadas por histórias com personagens jovens.
E algum livro que gostaria de ler e não existe, não consigo pensar. E se pensar talvez ele já tenha sido escrito e eu que ainda não o encontrei em alguma livraria ou biblioteca?