Ana Rüsche é doutora na área de Estudos Literários e Linguísticos em Inglês pela Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Com café! Adoro cozinhar e uma das minhas alegrias é preparar um café da manhã. Passar o café, dourar o pão na manteiga, se tiver sorte, cortar uma fruta, colocar uma boa trilha sonora. Enquanto como, é comum dar a olhadinha no twitter, no telegram, ver o que meus amigos escreveram de legal. O que inclui mimar meu cachorro e depois dar uma voltinha com ele na rua. Mesmo que tenha pouco tempo ou tenha dormido pouco, preciso deste tempo para engrenar as ideias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente no período da manhã tenho a cabeça mais fresca. Entretanto, não me atenho a isso, pois se um texto precisa ser escrito, bora colocar ele no mundo!
Quando escrevo prosa, preciso de organização física. Mesa arrumada. Somente uma caneca com café, chá, água. Uso bastante um “pomodoro timer”, um contador de tempo para você escrever durante 25 minutos e fazer pausas. Não escuto música, pois me afeta. Também não consigo conciliar escrever com fuçar em redes sociais (risos), daí prefiro separar bem as atividades.
Quando escrevo poesia, bem, daí não há muito ritual. Levo rascunhos para onde estou. Qualquer banco de praça, café, viagem de metrô pode ser um bom lugar para arrumar aquele poema, revisar ritmo, imagens. Para não dizer que escrevo muito verso caminhando, escutando alguma música no repeat em fone de ouvido.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Com exceção de sábado. Não tenho meta, pois muito do “escrever” para mim também é fazer post, escrever artigo, gravar podcast – quase tudo é sobre literatura – há semanas em que priorizo estas atividades, até como uma forma de descanso de projetos mais pesados. Mas calculo quando este ou aquele texto estarão prontos. Ah, e se não escrevo (quando tenho que preparar muitas aulas) me torno mal humorada e até depressiva. Escrever é necessário para organizar a cabeça!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bom, sou virginiana com milhões de planetas em virgem. Daí trabalho braçal e organizado não me mete medo. Sou adepta de esboços substanciais e detalhistas, milhões de rascunhos para testar voz da narrativa, personagens, leituras programadas de pesquisa. Um capítulo, para exemplificar, sofre na minha mão bem umas quatro ou cinco demão de correções e reescrituras até ficar razoável. Depois mando para amigos olharem. Refaço, refaço. E o fundamental: jogo muito texto fora. Se você escreve com frequência, fica com menos dó do texto. (risos)
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sobre travas e bloqueios, gosto muito de uma coisa que a Jeanne Callegari uma vez me disse, que vou escrever aqui mal formulado, mas é o seguinte: você tem que fazer da dificuldade uma passagem, uma transformação. Entender os motivos que te levam à parálise. Aproveite a trava para aprender. Se compreender. Quando travo ou procrastino demais, analiso qual o motivo de não estar apaixonada por aquele projeto, o que foi que me feriu, me desencantou. Há como mudar isso? Daí você pode fazer um balanço.
A respeito de ansiedade, creio que a melhor forma de lidar é escrevendo, estudando, melhorando o texto. Quanto menos você ficar fritando e mais escrever, melhor a coisa se torna. Procurar se aprimorar. Muito da ansiedade vem do fato que se esquece que há milhões e milhões de etapas até algo ficar pronto. Principalmente texto. E ter prazer nisso. Se apaixonar mesmo. É maravilhoso escrever!
Agora, corresponder a expectativas… depende o quanto alto você mira. Meu conselho seria buscar metas razoáveis. Por exemplo, gostaria que meu próximo livro saísse por uma editora de médio porte. Isto é uma meta razoável. Não é fácil, já levei uma quantidade horrível de foras de editoras nesta vida. Só que é algo que posso trabalhar, ir atrás, sabe? E lembrar das quantas vezes em que as coisas deram certo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes! E sim, sempre! Dando um exemplo concreto. Escrevo agora um romance, que pretendo que a terceira versão fique pronta no final de setembro. Alguns capítulos rascunho há uns três anos. Outros são capítulos de ligação, muito recentes. Assim, reviso em camadas: uma passada para ajustar características de personagens; outra passada para ambiente e cores; outra para linguagem e inserção de diálogos, gírias.
A primeira versão do romance distribuí para alguns amigos lerem, são pessoas que passaram por experiências semelhantes e que poderiam descobrir erros grosseiros meus na condução da narrativa. A partir das observações, reescrevi boa parte do texto e cheguei a uma versão dois. Enviei então esta segunda para um amigo que trabalha com textos. Enquanto isso, fiz uma lista de aspectos que tenho que reler e analisar. É muito legal saber como o livro impacta a outra pessoa. Geralmente é distinto do que pensamos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo no computador! Nem tenho mais caligrafia! Mas todos os meus projetos possuem um caderninho, onde anoto e rabisco linhas de ação, personagens, como se fosse um “diário” do projeto, sabe? Inclusive para não ficção, faço esqueleto da argumentação, anoto quais citações irei usar, etc. Ajuda muito a não perdermos os fios, agulhas e meadas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Nossa, tenho uma cabeça bem louca. A típica criança que vivia no mundo da lua. Só que exercito minha loucura (risos): amo ler ficção científica, ficção política, livros dos mais variados assuntos. Muita poesia também. Nunca assisti muita televisão (meus pais não tiveram TV por muitos anos). Acho que a leitura ajuda muito a manter essa chama da criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Sou mais calma. Há uma tranquilidade. Gosto de usar a metáfora dos músculos mentais – você desenvolve uma musculatura e consegue dar conta de projetos mais complexos ao longo do tempo. Para mim mesma eu daria o conselho de ouro: não deixe tudo para a última hora. Faça um pouquinho toda semana, ao longo dos tempos, ao longo dos semestres. Mantenha a chama acesa, vá dourando o projeto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero muito escrever um livro sobre junho de 2013. Fiz milhões de rascunhos, li muito, muito. Mas me falta algo. Talvez alguma experiência pela qual tenha que passar. Vamos ver.
Gostaria de ler um livro no qual haja uma revolução social que melhore a vida das pessoas, mas que isto seja duradouro. É tão triste ver que nossa imaginação utópica sempre fracassa ou entra em guerra ou colapso depois que algo bom ocorre.