Ana Prôa é escritora, jornalista e produtora editorial, autora de “Pluma”, “Um Miado Abandonado” e “Vestidinho Estampado”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Escrever meus livros, infelizmente, ainda não é a minha ocupação principal. Além de escritora, também sou jornalista e produtora editorial. Então, costumo iniciar o meu dia realizando as tarefas do jornalismo (pertenço à equipe de uma revista) e da produção de livros para terceiros (trabalhando, dependendo do caso, desde a concepção da ideia até chegar à edição do texto e envio para a gráfica), já que são as atividades que me dão a remuneração mais substancial. Porém, para responder a essa pergunta, vou considerar dois momentos:
O atual – Como tenho que priorizar os serviços cotidianos mais bem remunerados, só me restam as noites para escrever meus livros e, também, alguns momentos de folga, quando o trabalho do dia a dia permite. É à noite, então, que costumo burilar as ideias dos livros e começar a rascunhar as primeiras linhas.
De julho de 2018 a dezembro de 2019 – Foi quando vivi o período de seis meses de licença maternidade (após ter adotado uma criança) e, depois, quando fui demitida da empresa em que trabalhava. Nesse período, eu vivia a escrita dos meus livros (e, depois, posterior divulgação) full time. De manhã, em geral, já começava a escrever. Parava lá pelas 11h30, meio-dia, para cuidar das coisas da casa e almoçar. Retornava em torno de 13h30 e escrevia até perto de 17 h, quando parava para atividades físicas e para retomar as atividades do lar. Quando a inspiração era muita, também escrevia um pouco à noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Definitivamente, enquanto há luz do sol (sobretudo nas manhãs) é quando meu texto flui melhor. Mas a minha rotina de 30 anos de jornalismo me mostrou que não existe hora para eu escrever. Quando um texto precisa nascer, pode ser de noite, de madrugada… A prática que adquiri ao longo de tantos anos faz com que eu sente na frente do computador e as palavras simplesmente saiam. É mais ou menos como diz aquela velha frase: “Escrever é 1% de inspiração e 99% de transpiração”. Eu sou uma profissional da escrita. Portanto, seja um texto jornalístico, seja um texto de ficção, a folha branca não me causa medo. Eu tenho que preenchê-la e ponto! Diante disso, não costumo seguir nenhum ritual para escrever. Vou na garra mesmo! No entanto, quando percebo que estou com dificuldade para me concentrar ou quando o prazo está apertado, coloco no YouTube músicas instrumentais que induzem à concentração e à melhora do raciocínio. Há várias disponíveis gratuitamente. Essas músicas me ajudam, sim, a focar e a escrever melhor e de forma mais rápida.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como já mencionei, escrevo praticamente todos os dias. Mas, em se tratando da produção de meus livros, costuma ser em períodos concentrados. Quando a ideia vem, deixo fluir até colocar o ponto final. Porém, vale lembrar que nem sempre consigo ir numa tacada só (mesmo que isso leve dias e dias seguidos), porque tenho os outros afazeres do jornalismo e também, claro, as atividades de casa e os cuidados com os filhos (sou mulher, não se esqueça! rsrs). Quando escrevi Pluma, por exemplo, só consegui dar os “tiros” de escrita durante dois períodos de férias (cerca de duas semanas, cada) e finalizei em cerca de dois meses, quando estava de licença maternidade. O pior foi conviver tanto tempo com a ideia na cabeça, sem conseguir arrumar o tempo necessário para me dedicar à escrita desse livro. Porém, sou persistente e não deixei a ideia morrer na gaveta. Ainda que tenha escrito o livro “a prestações”, consegui concluí-lo e publicá-lo de forma independente.
Eu não tenho meta diária de escrita. Escrevo até o cansaço me dominar ou até quando o tempo vago me permitir.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como boa jornalista, a pesquisa é minha grande aliada. Quando eu tenho o tema de um livro, costumo abrir um arquivo de Word e ir jogando lá todos os dados de pesquisa que encontro no Google. Inclusive fotos, a partir das quais consigo pinçar os sentimentos das pessoas (pela expressão facial) e os detalhes das situações que vou escrever (cores, aspectos, etc.). Por exemplo, para escrever Pluma, li diversos artigos sobre desmoronamentos, terremotos, enxurradas, salvamentos… Busquei depoimentos de sobreviventes e guardei as aspas deles, para poder incluir depois no meu livro. Também pesquisei as falas dos bombeiros e socorristas e a forma como eles trabalham. Já para escrever Um Miado Abandonado, também li artigos sobre abandono de animais e incluí situações reais na história.
A partir desse material de pesquisa, vou marcando de amarelo tudo o que realmente eu quero que entre. Depois, como numa quebra-cabeças, vou retirando esses trechos marcados e incluindo ao longo dos capítulos. E é uma glória quando acontece um encaixe perfeito! É quase um orgasmo kkkk. Pluma me causou isso fortemente, porque eu já tinha trechos de pesquisa que eu sabia que só colocaria no capítulo final. Então, foi uma espera longa para conseguir encaixar tudo, mas extremante prazerosa.
Vale lembrar que, para chegar a esses encaixes, eu tinha um plano de escrita para todo o livro, capítulo por capítulo. Essa organização inicial é essencial. Mas, até para se chegar a isso, a pesquisa ajuda muito, porque vai trazendo ideias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Travas da escrita, para mim, só por conta da falta de tempo. Mas isso não porque eu seja uma escritora sensacional, inspirada pelos anjos rsrs. E sim porque, novamente digo, escrever faz parte da minha profissão. É prática! Por isso, a escrita costuma fluir bem comigo, sem entraves. No caso da ficção, ter feito o tal planejamento prévio dos capítulos ajuda bastante a conter esses “brancos”. Ora, se eu já construí a espinha dorsal da obra, é só executar. É como se fosse uma pauta jornalística que eu recebi e tenho que fazer, senão o meu chefe me demite. (risos)
Já a procrastinação realmente é um problema! Como eu coloco à frente os meus trabalhos que me trazem a remuneração mais substanciosa, o cansaço muitas vezes me faz procrastinar. Vou deixando para depois, para depois, para depois… E quando vejo já se passaram meses. Porém, a partir do momento em que decidi que queria realmente investir na carreira de escritora, a procrastinação foi ficando cada vez menor. Mas, infelizmente, ainda é um fantasma que me ronda, já que sou uma mulher multitarefas. Normal, né? (risos) Tantas coisas para fazer, tão pouco tempo que sobra para me dedicar ao que mais amo: escrever meus livros.
Não tenho medo de não corresponder às expectativas dos leitores. Sou bastante corajosa e confio no meu taco (risos), graças aos inúmeros feedbacks positivos que recebo. Porém, não me considero prepotente ou alguém “que se acha”. Sou, simplesmente, uma pessoa que escreve com amor e dedicação. Quando isso acontece, como não agradar ao público leitor? Ao ler minhas palavras, ele vai sentir isso…
A ansiedade para trabalhar em longos projetos, como Pluma 2, que estou escrevendo agora, existe. Dá logo aquela vontade de colocar o ponto final e entregar aos meus leitores o livro que muitos deles me pediram. Mas, assim como uma receita culinária, o apressado come cru. Por isso, trato logo de mandar essa ansiedade para bem longe, sabendo que tudo tem o seu tempo certo para acontecer. O que não se pode é ficar de braço cruzados… Tem que produzir sempre para que o tal tempo certo finalmente chegue.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso o meu texto várias vezes, mas não sou perfeccionista. Meu lema é: melhor feito do que perfeito. A arte de editar um texto faz parte da minha vida profissional em relação ao trabalho dos outros, e não poderia ser diferente com os meus. Por isso, mexo muito até achar que chegou a hora de mostrar para as pessoas. Eu costumo mostrar os meus originais primeiro para a minha filha mais velha, que é minha leitora e fã. Se ela se emociona, eu percebo que acertei! Também gosto de mostrar para uma amiga que é escritora e mestre em Literatura. Dela, costumo levar bastante em conta as considerações e, dependendo da sugestão, mudo o meu texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Amo a tecnologia!!!!! Sou do tempo em que se “batia à máquina”. E adorava, por sinal. Mas, depois que inventaram o computador, não tem coisa melhor. Uso também o bloco de notas do celular quando tenho alguma ideia, para poder registrá-la onde quer que eu esteja. Porém, amo também os cadernos (com capas lindas, de preferência, porque me inspiram). Neles, em casa, registro as ideias e, principalmente, faço o roteiro do livro e a descrição dos personagens. Ouvi recentemente que é bom fazer isso, porque, nessa hora da criação inicial, escrever à mão ativa o lado direito do cérebro, o que ajuda a ter ideias. Eu tenho conhecidos que escrevem o livro todo num caderno e depois passam para o computador. DEUS ME LIVRE! Para mim, isso seria uma perda de tempo tremenda, já que meu tempo é tão escasso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de qualquer lugar! Já tive ideias enquanto estava andando de ônibus e via algo na rua. Ou quanto estava lendo algum artigo no jornal. Ou quando ouvia alguma conversa… O escritor precisa estar com as antenas sempre ligadas! Porém, por mais surpreendente que seja, as minhas melhores ideias vêm de sonhos… A ideia principal de Pluma, por exemplo, nasceu para mim numa bela manhã, assim que eu abri os olhos na minha cama. Creio que os escritores são muito inspirados… Certamente, eu já fui diversas vezes.
Não tenho hábitos para me manter criativa. Se isso acontece, é de forma intuitiva. Como já disse, mantenho minhas antenas ligadas o tempo todo. Sem contar que leio muito e assisto a muitos filmes. Acho que estar sempre perto da arte também ajuda a ter ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje, me tornei uma escritora mais fundamentada. Antigamente, era uma ideia na cabeça e uma máquina de escrever na mão. As ideias vinham e eu ia escrevendo. Hoje, reconheço a importância de se fazer os livros de maneira mais estruturada, escrevendo primeiro o roteiro dos capítulos, destrinchando o enredo e as características dos personagens. Quando eu comecei a escrever Pluma, fui no ímpeto, sem programação (eu tinha na minha cabeça apenas o início e o fim da história). Daí, quando cheguei no meio do livro, senti que estava difícil manter o fio da meada. Então, parei tudo e recorri a um caderno, onde consegui pautar os capítulos que ainda viriam e a forma como o enredo iria se desenvolver para chegar ao final E deu super certo! A escrita fluiu bem melhor. Então, se eu pudesse dizer algo a mim mesma, diria: “Ana, deixe de ser apressada! Faça o roteiro do livro antes, porque você vai ver que vai ser bem melhor!”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento, estou escrevendo dois livros ao mesmo tempo (um de ficção – Pluma 2 – e outro de não ficção, sobre minhas experiências com a física quântica). Na verdade, eu gostaria de ter mais tempo para poder me dedicar a eles, porque sinto que estão meio “empacados”. No entanto, coloquei como meta lançar Pluma 2 no segundo semestre de 2020, e vou dar o meu melhor para isso acontecer. Tenho que pensar que eu sou a minha chefe e que, se não respeitar esse prazo, eu mesma me demitirei. (risos)
Mas tem um livro, sim, que está no meu pensamento, esperando a hora certa de ser lançado… Já tem título: O Último Ano. Vai contar a história do último ano em que eu convivi com a minha mãe e a minha irmã –ambas morreram em 2017. Comecei a escrever as primeiras linhas. Mas, como é um livro que vai mexer muito com os meus sentimentos, não é fácil. Estou deixando as feridas cicatrizarem um pouco mais para poder deixar a escrita fluir.
O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe? Os meus! (risos) Mas, se Vinicius de Moraes ou Fernando Sabino ressuscitassem, pode ter certeza de que eu seria a primeira na fila dos autógrafos.