Ana Paula Sampaio Caldeira é professora adjunta de Teoria da História da Universidade Federal de Minas Gerais.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu costumo acordar cedo, mas não tenho o hábito de destinar as minhas manhãs para o trabalho de escrita ou de leitura, exceto se estou em um momento de muito trabalho e com prazos muito apertados. Prefiro usar as manhãs para organizar meus papéis, minha rotina e minha casa, fazer exercícios e responder aos e-mails.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu me sinto bem para trabalhar após o almoço. Eu tenho a necessidade de organizar tudo antes de começar a trabalhar e, principalmente, antes de começar a escrever: organizo papéis, e-mails, a casa etc. Uso as minhas manhãs para isso. Depois do almoço, com a sensação de que as coisas estão em seus lugares, eu começo a trabalhar. Não sou do tipo que goste de entrar pela madrugada escrevendo, e sinto-me mais “acordada” e disposta ao longo do período da tarde e início da noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu já usei dos dois métodos. Em momentos em que estava trabalhando, mas precisava escrever a dissertação ou a tese, eu aproveitada o tempo que tinha, nem que fosse para escrever um parágrafo. Mas prefiro escrever em períodos concentrados, pois sinto-me mais envolvida com o que estou fazendo. Como a rotina de professor universitário envolve muitas tarefas (aulas, coordenação, acompanhamento de alunos, reuniões etc.), é difícil conseguir este tempo concentrado para a escrita. Assim, eu tento me organizar, de maneira que eu consiga tirar alguns dias diretos para me dedicar a um texto, um artigo ou a preparação de uma palestra ou comunicação. Nesses dias, fico muito concentrada. Depois, com o texto quase pronto, vou usando os intervalos para mexer em uma coisa ou outra, melhorar a redação etc.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar um texto é um pouco difícil para mim. Procuro ler um conjunto de textos/fontes antes de começar a escrever. Faço anotações, alguns fichamentos, “recorto” partes que podem servir como boas citações etc. Em seguida, busco delinear o texto, pensando na sua divisão e começo a escrever, mas o texto às vezes ganha novos contornos quando começamos a produzi-lo e isso faz com que aquele plano inicial se modifique consideravelmente. A gente vai percebendo que é preciso avançar em alguns pontos, procurar novas leituras, amadurecer ideias.
Mas, voltando à pergunta, começar a escrever não é nada fácil. Sento-me e levanto-me várias vezes, salto do texto para outros afazeres e depois volto, até que chega um momento em que eu efetivamente começo. Quando esse momento chega, o texto flui com mais facilidade e eu me sinto verdadeiramente concentrada no processo de escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu considero que essas travas e o medo de construir um texto que não corresponda ao que as pessoas esperam de você é algo muito comum e com o qual temos de lidar. Não acredito, portanto, em uma ideia romantizada de escrita ou naquela imagem do escritor genial e “inspirado” que senta e prepara seus textos num passe de mágica. O trabalho de escrita, a meu ver, é como muitos outros que fazem parte de nossas vidas: há dias em que nos sentimos melhor para realizá-lo e dias em que não trabalhamos bem. Todo mundo que escreve, por mais facilidade que tenha na realização desta tarefa, certamente lida com momentos em que, por diversos motivos, se sente mais ou menos envolvido com o processo de produção de um texto.
Quando sinto que não estou em um bom dia, prefiro adiantar outros trabalhos, como as leituras, por exemplo. Entretanto, quando preciso me forçar a escrever (pois há compromissos que assumimos e eles envolvem prazos), uma estratégia que utilizo é reler todo o texto no qual estou trabalhando, de maneira que eu possa revisá-lo, melhorá-lo e possa também me “aquecer” e me concentrar para o trabalho de escrita. Outra estratégia é escrever de maneira mais livre, como se eu estivesse falando para o público, sem me preocupar com as marcas da oralidade. Depois, procuro adequar o texto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu costumo revisar bastante meus textos. Reviso no computador e depois imprimo, pois leio melhor no papel. Gosto também de lê-los em voz alta, pois isso me permite perceber os problemas na escrita, as frases desconexas, os pontos que parecem mal explicados, por exemplo. Nem sempre eu consigo tempo para isso, mas gosto de voltar ao que escrevi com algum distanciamento: produzo o texto, coloco-o de lado por uns dias ou semanas, e volto a ele depois. Mas, como disse, essa é uma situação ideal e muitas vezes não há tempo para isso.
Quanto a mostrar meus trabalhos para outras pessoas, isso é uma das coisas das quais mais sinto falta dos tempos de graduação e de pós-graduação. Quando se é aluno, você tem a possibilidade de contar com a leitura de seus colegas e, sobretudo, do seu orientador. O orientador, para mim, é principalmente essa figura que fará uma leitura crítica do texto que produzimos, é alguém com quem é possível conversar sobre o que escrevemos. Pode parecer estranho, mas quando nos tornamos professores universitários, é muito mais difícil essa tarefa de compartilhar os textos e contar com a leitura de algum colega. São muitos os motivos que explicam isso. Dentre eles, a quantidade (e a diversidade) de trabalho em que nós professores nos vemos envolvidos, que é por vezes muito grande. E, claro, não temos mais orientador. Agora, nós somos o orientador! O que costumo fazer é contar com o auxílio doméstico: meu marido, que também é da área de história, costuma ler meus textos e fazer comentários. A apresentação de uma versão preliminar do texto em algum seminário ou congresso também é uma saída. E, por fim, há algo interessante que é enviar o artigo para revistas e esperar a avaliação dos pareceristas. Em alguns casos, os pareceres trazem boas contribuições para o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador, mas prefiro ler no papel quando são textos acadêmicos (literatura eu leio no tablet sem o menor problema). Organizo o texto no computador, que nos permite coisas magníficas, como trocar parágrafos de lugar, inserir notas de rodapé, introduzir um comentário ou um lembrete. Mas gosto de ter sempre um papel e uma caneta ao lado do notebook para escrever à mão uma ou outra ideia ou observação.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm sempre da interação com outras pessoas, dos livros que lemos, dos filmes aos quais assistimos, das músicas que ouvimos. Ou seja, as ideias não surgem do nada, mas estão relacionadas a essas trocas, ao que se discute em determinados espaços e ao que fazemos com aquilo que lemos, ouvimos e assistimos. Uma tendência no ambiente acadêmico é, sem dúvida, a da especialização: acabamos lendo muito sobre o que é produzido acerca do tema ou do período que estudamos. Entretanto, muitas vezes encontramos temas, questões ou construímos ideias muito boas quando temos contato com textos que tratam de assuntos completamente diferentes daqueles com os quais estamos envolvidos diretamente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu não saberia dizer o que mudou no meu processo de escrita. Acho que mantenho alguns hábitos. Certa dificuldade em começar a escrever também me acompanha. Houve momentos ao longo da escrita da minha tese que foram difíceis e desanimadores. Entretanto, hoje eu vejo que superdimensionei aquelas dificuldades. Talvez eu diria à Ana Paula de alguns anos atrás para aproveitar melhor aquele momento em que eu podia me dedicar inteiramente ou quase inteiramente à pesquisa e à escrita, pois essa dedicação integral se torna cada vez mais rara depois que você termina a tese.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sou filha de imigrantes portugueses que vieram para o Brasil e já há algum tempo tenho vontade de escrever algo sobre esse fenômeno da migração. Para mim, essa experiência de sair do seu espaço (que é, no caso da minha família, uma minúscula aldeia do norte de Portugal) e vir parar em outro país, tecer novas relações sociais, esbarrar com uma outra cultura é uma questão muito instigante. Mas não tenho previsão de quando conseguiria escrever sobre isso. É só uma grande vontade.