Ana Maria Monteiro é escritora em construção.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina matinal, sim, mas nada tem a ver com trabalho, escrita ou obrigações. Ainda que faça sempre as mesmas coisas e repita os mesmos passos, estou a preparar-me para o mundo que me rodeia e o que irá ser o dia. Acordo sem grande vontade de falar com ninguém, mas passado um bocadinho apetece-me. Apetece-me mais a companhia que a conversa, mas um mínimo sim, tem de haver um mínimo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor de noite, quando o mundo se retira a mente ganha mais espaço, a quietude conspira a favor de me permitir dar voz à imaginação, virar-me para dentro, escutar o que tenho para dizer-me.
Tenho um profundo respeito pelos escritores e, como bem sabemos, existem muitas pessoas que escrevem bem, mas poucas que possam ser consideradas como escritoras, então seria fácil dizer que sou muito indisciplinada e que é esse o motivo por que não tenho nenhum ritual de preparação. Mas essa é uma verdade superficial, existe um motivo mais profundo que me leva a não cultivar nada disso: eu gostava de ser escritora, mas não sou e tenho medo de tentar e não conseguir. A desilusão que podemos dar a nós mesmos é algo difícil de gerir emocionalmente, é muito mais fácil acreditarmos que poderíamos ou conseguiríamos se o quiséssemos, pois desta forma não teremos de lidar com a frustração.
Então escrevo por prazer, é certo, mas também por necessidade, mas sinto que fico muito aquém do que (e sobretudo da forma como) queria transmitir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não tenho qualquer meta. Por vezes escrevo muito durante dois os três dias, mas depois estou semanas sem escrever. Mas vivo essas semanas a pensar que deveria, que gostaria de estar a escrever e sinto-me culpada. São dias difíceis.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca compilo notas. Existe uma ideia original que se apresenta de forma vaga, costumo chamar-lhe nuvem. Depois vou contemplando para a nuvem e ela ganha alguns contornos até que, num momento qualquer, começo a escrever, sem que eu própria saiba exatamente os ingredientes que aquela história me vai pedir. A história vai nascendo enquanto é escrita, tal como nós trazemos vinte e três pares de cromossomas que nos definem, mas que se vão manifestando ao longo da vida, conforme os acontecimentos. E é assim: começo a escrever só com os cromossomas e pouco mais e depois é um trabalho conjunto entre a minha tentativa de escrever e a história que quer ser escrita.
Quanto à pesquisa, faço bastante, conforme se vai mostrando necessária. Procuro elucidar-me sobre o que pesquiso de maneira a falar do assunto que quero com a veracidade que teria se eu realmente tivesse visto e conhecido a realidade que descrevo no momento a que reporta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Parece que já falei sobre isto mais acima, não é? Resultado de começar a responder antes de ler o questionário todo, mais uma manifestação da tal característica de ir levando as coisas conforme se apresentam; sem ensaios, mas preparada para o momento a que me disponho.
A ansiedade de trabalhar em projetos longos é tremenda e não tenho grande capacidade para lidar com esse sentimento, pois sou uma pessoa muito imediata, muito agora e os compromissos de longo prazo assustam-me imenso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Vou revendo enquanto escrevo (e faço isso muitas vezes), mas assim que os termino publico de imediato sem qualquer revisão, até porque só consigo ver as falhas quando o texto ganha vida no formato de publicado. Nessa altura revejo, várias vezes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tento escrever diretamente no computador porque quando sucede escrever à mão, depois não tenho paciência para passar para o computador e deito fora, esqueço.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Nada desperta tanto a minha criatividade quanto conversar, enquanto converso, escuto, raciocino, respondo, discorro, imagino possibilidades e alternativas, invento cenários, crio intervenientes com outras vivências e experiências e escuto também o que teriam a dizer sobre o que está a ser falado. Ler, conversar e pensar são os hábitos que tenho (e amo os três por igual) e me mantêm criativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sou cada vez mais exigente comigo e a qualidade não consegue acompanhar o ritmo da exigência. O que diria a mim própria? “Relaxa, miúda, nem tudo é assim tão importante. Pensa menos e desfruta mais.” E sabe? Esse é um conselho que ainda hoje se justifica plenamente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
A única forma possível de responder a esta pergunta é dizendo que o livro que gostaria de ler e ainda não existe teria de ser escrito por mim, uma vez que não sendo algo que possa nascer de mim, não tenho como dizê-lo, precisamente porque ainda não existe. Ele seria precisamente o projeto sobre que pergunta que gostaria de fazer, mas ainda não comecei: “um livro que gostaria de ler”.