Ana Luisa Zago de Moraes é mestre e doutora em Ciências Criminais pela PUC-RS e defensora pública federal.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Pela manhã eu vou para a Defensoria Pública da União e inicio as tarefas que considero complexas e demandam uma atenção maior, como a escrita de uma petição inicial de uma ação civil pública, já que à tarde normalmente há audiências e reuniões, e fica difícil se concentrar. Após o nascimento do João Henrique, iniciei o período de licença-maternidade e tive que mudar radicalmente de hábitos e primeiro atender o bebê para, somente quando ele dorme ou nos finais de semana, em que meu marido está em casa, atualizar minhas leituras, meus artigos e meu livro, bem como dar continuidade aos estudos de espanhol.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Antes do nascimento do João, o melhor período era o da noite, depois das 20h, quando diminuíam as interrupções constantes inerentes à atividade de Defensora Regional de Direitos Humanos, que iniciei em 2017. Antes desse horário, qualquer ritual seria inócuo: havendo uma reintegração de posse coletiva, por exemplo, teria que parar tudo o que estava fazendo. Com o bebê, o melhor período é o que ele está dormindo ou nos finais de semana. O ritual é ir para o escritório de minha casa, onde estão todos os meus livros e o segundo monitor para consultar fichamentos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A partir do ingresso no doutorado, passei a escrever todos os dias e estabelecer metas diárias. Após a defesa da tese, mantive essa rotina até a publicação do livro e finalização do material didático do Curso de Direito Penal e Processo Penal para Defensores Públicos Federais. Em 2017, tive que flexibilizar essa rotina, mas nunca parei de escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para qualquer texto, eu faço um projeto. Se for um artigo, por exemplo, estabeleço o tema, delimitação do tema, justificativa, problema, hipótese, sumário, referencial teórico e cronograma. Assim, se os referenciais estão lidos e fichados, não é difícil começar, pois posso primeiro escrever um item do desenvolvimento do artigo e posteriormente outro, mas sempre deixando a introdução e a conclusão para o final.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Uma visão positiva da escrita – como sendo uma “coisa boa”, “prazerosa”, uma forma de expressão e até mesmo uma arte -, somada à existência de rotina, são o que mais auxiliam. Durante a gravidez, a sobrecarga de trabalho na área de direitos humanos, solicitações de artigos acadêmicos e de preparação de palestras, mais os cuidados que minha condição exigia geraram travas que eu desconhecia, o que resultou em uma necessária atitude de declinar alguns projetos que exigiriam um esforço desumano e, portanto, tirariam da escrita uma de suas principais características: ser prazerosa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os artigos duas vezes, conforme aprendi no Curso de Revisão Editorial (embora não seja recomendado o autor revisar os próprios escritos, pois não consegue ver os erros por estar acostumado com o texto). Na dissertação de mestrado, solicitei para uma amiga a leitura e revisão, uma vez que não tinha como arcar com os custos de um revisor. A tese de doutorado foi submetida à revisão por um profissional, assim como o livro e os materiais didáticos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tento utilizar a tecnologia ao meu favor: explorar programas que possibilitem a uniformização e revisão inicial do texto; a internet para acesso a livros e revistas virtuais; as redes sociais para divulgar meu trabalho e acessar o trabalho de outros pesquisadores. Em decorrência disso, escrevo sempre no computador, mas mantenho em mãos um bloco de anotações para escrever tarefas que me vêm em mente durante o processo de escrita e que me “desconcentram”: assim que anoto, volto ao processo pois sei que “não irei esquecer”.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias, salvo aquelas decorrentes de estudos dogmáticos, principalmente realizados durante o mestrado e o doutorado, vêm do meu trabalho como Defensora Pública Federal, seja na área penal, seja nos direitos humanos e na tutela coletiva. Meu trabalho é muito dinâmico e diversificado e não há rotina: um dia recebemos uma comunidade indígena solicitando atuação para provocarmos a implantação de um posto de saúde; outro recebemos uma comunidade quilombola solicitando atuação para evitar a ação violenta de posseiros; outro somos provocados por moradores de uma área pública ameaçados de despejo. Assim, para me manter criativa, tento aliar referenciais teóricos para entender a realidade a que me é submetida, dialogar com minha equipe de trabalho, buscar soluções – visitas às comunidades, mutirões de atendimento, inspeções, audiências públicas, reuniões com o poder público, mediação, ações civis públicas, dentre outras – e, ao mesmo tempo, coletar material de pesquisa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Nos últimos anos, aprendi a trabalhar com pesquisa empírica, inclusive com análise qualitativa e quantitativa de dados. Isso abriu uma nova perspectiva para o início do processo de escrita. Em um viés pessoal, não uso mais “bengalas”: não vinculo a escrita a “cigarro”, “chocolate”, “café”, “chimarrão” ou qualquer outro estimulante para ficar acordada à noite, pois respeito minhas necessidades de sono. Se pudesse voltar atrás, não me valeria desses recursos para estudar e escrever por mais tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro sobre direito migratório brasileiro e gostaria de ler um que corresponda a uma pesquisa aprofundada e ampla sobre políticas habitacionais no Brasil e o papel do Poder Judiciário no acesso ao direito fundamental à moradia.