Ana Holanda é jornalista e escritora, editora-chefe da revista Vida Simples.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo a trabalhar muito cedo, entre 7h30 e 8h da manhã. As minhas manhãs precisam render. É o tempo que dedico ao meu trabalho na revista Vida Simples. Encerro meu “expediente” em Vida Simples às 14h30, em média. E depois disso – e até as 17h – me dedico aos meus outros projetos: livros, cursos. Depois das 17h, meu tempo é exclusivamente meu e dos meus filhos. Busco os dois na escola, tenho um casal de gêmeos de 9 anos, vou treinar (treino corrida de rua), faço jantar, ajudo os filhos com a lição de casa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que a minha escrita rende melhor à tarde, quando a sala da casa está silenciosa e o vai e vem das crianças não me distrai. Gosto de escrever ouvindo música. Tenho trilhas sonoras só para isso. São músicas mais introspectivas, que ajudam a acessar a minha alma. E a escrita precisa disso, de alma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não tenho uma meta de escrita diária. Trabalho por projetos, por textos. A época em que tive uma meta mais clara e organizada foi no período em que estava escrevendo meu último livro, que será lançado este ano. Um livro que fala exatamente sobre o processo de escrita e como a escrita nos ajuda a encontrar o outro e a nós mesmos. Nesta época, eu tinha metas diárias de escrita por conta do prazo de entrega dos originais para a editora. E era preciso disciplina, muita disciplina para conseguir isso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sempre penso bastante antes de escrever, converso com pessoas, leio. Isso me ajuda a construir a narrativa. Caminhar é outro exercício que me ajuda demais. Às vezes, o começo não sai. Nessas horas, não brigo comigo mesma. Levanto e saio para caminhar pelo bairro onde moro. Inevitavelmente a resposta vem – ou o começo da narrativa. Quando você desapega da ideia, para de querer teorizar e de acreditar que tem domínio total da escrita, ela nasce. Ficar sentado na cadeira, em frente ao computador, não vai ajudar. Mas ir pro mundo, se colocar na vida de verdade é o que faz, de fato, a ideia fluir. E daí a narrativa surge. É assim que acontece pra mim. E acho que as pessoas deveriam testar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em geral, quando isso acontece, converso com algum amigo. Comento sobre a ideia para ver se faz sentido para ele também. Mas, o que posso compartilhar aqui é que, em geral, tudo aquilo que nos dá medo (um projeto, um texto) em geral é aquele que mais encontra o outro. Escrever é sempre um exercício de coragem e de entrega. E quem quer se entregar, se mostrar, deixar escancaradas suas vulnerabilidades nos dias de hoje? Escreva apesar do medo. Coloque no mundo e perceba o resultado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu leio de duas a três vezes depois de pronto para lapidar um pouco mais. Pegar palavras repetidas, erros de construção. Quando existe tempo para isso, entrego para outra pessoa ler. O texto, afinal, é para ser compartilhado, sempre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador. Meu raciocínio funciona melhor assim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm sempre da vida que a gente leva todo dia, dos pequenos hábitos às conversas que temos (com gente conhecida ou estranha). Tudo pode virar texto. Basta que a gente esteja sensível para perceber isso. Hoje mesmo, ao ver meu filho tocar violão, tive a ideia de um texto sobre como o primeiro local de nascimento de qualquer coisa é o sentimento. Para aprender a tocar, primeiro a gente deveria sentir um instrumento e perceber se ele virou morada. Isso antecede à técnica. Caso contrário, você aprende a técnica, mas nunca se habitua ao instrumento. E ele não se transforma em vida. Escrevi sobre isso a partir de uma cena cotidiana. Para mim, as ideias nascem da observação e da vivência da vida. Caminhar, como já disse, é um manancial de ideias. Sem fones de ouvido.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o tempo, aprendi a confiar e a acreditar mais em mim mesma, nas minhas percepções, no meu olhar. Então, eu diria para a jornalista iniciante que fui: acredite mais em você e naquilo que nasce no seu coração. Pode parecer piegas, mas, acredite, não é. A escrita cheia de alma, de você mesmo, é aquela que conversa com o outro, que carrega vida. É a que se perpetua. A escrita técnica, vazia, preocupada demais com a plástica e pouco com a alma, é finita, nasce e morre no mesmo instante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitas ideias o tempo todo. Mas são poucas as que realizo. É um exercício de escolha permanente. E isso faz parte da vida. Prefiro acreditar que jogo no mundo as ideias que não realizo. Assim, ela vai encontrar lugar em outras pessoas. E, quem sabe, irão realizá-las. Eu adoraria, por exemplo, contar as histórias das casas abandonadas, fechadas, em decadência: “o que esta casa conta”.