Ana Helena Rossi é professora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução do Instituto de Letras da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende do dia, mas em geral acordo bem cedo, gosto da manhã para trabalhar quando todos ainda estão dormindo, e quando você pode ouvir o silêncio que está em você. O silêncio de fora e o de dentro fazem eco em mim. A inspiração funciona para mim melhor de manhã. Gosto de fazer exercícios de tai-chi-chuan de manhã, depois tomo café e respondo os e-mails (que são muitos). Depois começo a escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O meu melhor horário é a manhã, porque ouço melhor a minha voz interior. Isto tanto para textos acadêmicos, como para textos de criação poética e literária. O meu ritual vem com a inspiração. Não faço nada de especial, pelo menos não consciente. A escritura vem de uma maneira que não consigo explicar. Ela simplesmente vem. É preciso ter uma disciplina para escrever, pois os textos têm uma sequência e isso demanda uma leitura, releitura. Não tenho nenhum ritual de preparação para a escrita. Ocorre tudo de maneira inconsciente. Apenas sinto que vem a vontade de escrever. Mas se tivesse um ritual, seria uma concentração que se traduz, muitas vezes, em ouvir uma música clássica.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Hoje, eu escrevo um pouco a cada dia. É preciso ter disciplina. Quando escrevo poesia, isso também ocorre. Mas a inspiração também pode aparecer quando estou na rua ou no trabalho. Tenho um caderno comigo que acolhe os meus poemas quando não me encontro na frente do computador. E, caso não tenha o caderno, escrevo em uma parte da minha agenda, ou então em uma folha que está ao meu alcance para não esquecer. Porque a ideia vem e vai embora. Ela é sempre fugidia. A questão da meta de escrita depende do tipo de projeto que desenvolvo. Já tive fases da minha vida, quando estava escrevendo textos mais longos, que impunha-me um número de páginas por dia. Hoje, em função da minha rotina, deixo-me mais livre.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita é muito diversificado e depende dos projetos onde me encontro. Se é um projeto acadêmico, gosto de ler à medida que a minha curiosidade me leva a um ponto ou outro. Gosto de ter vários livros abertos na minha frente ao mesmo tempo. Tenho a impressão de nadar neles. Se é um projeto literário, depende do projeto. Por exemplo, em um dos meus livros que escrevi e publiquei em francês em 2008, eu li muita coisa antes de escrever porque o meu intuito era escrever uma história do ponto de vista literário, juntando história e literatura. Li muito sobre história, sociologia e, claro, muita literatura da França e do mundo francófono, da Ilha da Reunião, da Guiana Francesa, do Caribe. Li também muitos autores brasileiros. Consultei inúmeros dicionários. Quem escreve é porque leu muito, ou ouviu muitas histórias. Hoje, estou dentro de um processo de escrita mais livre, mais independente. A pesquisa está sempre aí, de maneira mais ou menos formalizada em função do tipo de texto que quero/devo produzir. Na parte literária a pesquisa é o meu dia a dia, as minhas questões, o que acontece ao redor de mim, o que vejo, e o que sintetizo, e que sai sob a forma de poema. Sempre digo que o poema me escolheu. Existem muitos temas que chamam a minha atenção, mas de todos eles, a forma como o ser humano funciona, é algo que me fascina.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Faço a distinção entre o processo de escrita literária e acadêmica. No primeiro caso, não sei como responder a isto porque não tenho travas, nem procrastinação. O que posso dizer é que tenho períodos que não consigo escrever, digamos períodos de repouso. Hoje, chamo eles assim. Então, deixo esses momentos chegarem, sem alarde, porque eles chegam e vão embora como chegaram. Não me focalizo mais sobre eles, como fazia antes. A escritura poética chegou para mim como uma dádiva. Foi uma verdadeira surpresa que eu não esperava, muito bom, e uma parte de mim revelou-se. Então, quando ela não vem, aceito a pausa, porque sempre penso que isto deve ser parte de um processo de criação meu, maior do que aquilo que posso imaginar. Pensar assim, aceitando o que vem, me faz relaxar. E depois de algum tempo, a escritura volta, sempre diferente. No caso da escrita acadêmica, o processo é um pouco mais consciente porque sempre tem leitores atentos ao que escrevo, e a avaliação é feita praticamente imediatamente, pois submetemos os textos aos outros.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende também do trabalho que estou realizando. Cada texto tem um processo de criação que é específico. Às vezes, o texto sai ‘praticamente’ pronto. Mas, para mim, um texto nunca sai ‘totalmente’ pronto. O texto acadêmico precisa de uma mise en forme bem específica. Posso estender isto a todo tipo de texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A minha relação com a tecnologia é tranquila. Comecei a escrever à mão aos doze anos compondo um diário em francês. Gosto de escrever. Depois escrevi na máquina de escrever, e agora escrevo no computador. Gosto da rapidez, pois acompanha o meu pensamento. Mas, por outro lado, é preciso revisar mais. Hoje, trabalho no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm das coisas que observo, das pessoas e das situações que estão ao redor de mim. Não é a pessoa A, B ou C que me interessa, mas como aquela pessoa ou aquela situação é parecida com algo que já vi, que já conheci, ou que já ouvi falar, e o que faz isto tornar uma situação humana, algo que define a nossa humanidade. Gosto de observar o que as pessoas fazem, e compreender porque agem assim. Mesmo quando isto vai contra o que penso. Gosto de compreender a lógica que as motiva a agir de um modo ou de outro. E trago isto para a escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O que mudou no processo de escrita é que hoje tenho uma experiência de vida muito maior que se reflete nos vários tipos de textos que escrevo. Isto me ajuda a compreender que a criação é sempre algo único, merecendo todo o nosso carinho e a nossa atenção. Eu diria para mim mesma que precisaria me ouvir mais, escrever mais do jeito que eu compreendo as coisas porque o processo de construção de um texto encontra-se na sua redação. É pela redação que o conhecimento se estrutura, que ele adquire forma para ser estendido e lido pelas outras pessoas. Isto é válido tanto para o texto acadêmico quanto para o texto literário.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não sei. Li muita coisa e, hoje, vejo que as fronteiras estão cada vez mais tênues entre o que é definido como literatura, como poesia, como ciência. Aquilo que era considerado jornalismo vira fonte para a história, assim como a literatura também vira fonte para a história. Gosto de pensar nesse movimento da escritura, que ele se dilata e nos faz ser o que somos.