Ana Guadalupe é poeta e tradutora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é pautada pelo trabalho “tradicional”. Passei alguns anos prestando serviços como redatora freelancer e nesses períodos fazia tudo em casa, acordava com mais calma e tomava café da manhã, mas mesmo assim tinha que me concentrar nas entregas. Este ano, por vários motivos, voltei a trabalhar fora. Hoje minha rotina é acordar atrasada após onze “sonecas” do despertador, tomar banho e ir para o emprego. De qualquer forma, nunca consegui escrever poesia pela manhã e não tenho mais intenção de criar uma rotina disciplinada, apesar de admirar muito escritores que conseguem.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sei se consigo identificar um momento em que trabalho melhor. Houve fases em que eu gostava de escrever no fim da noite ou de madrugada, já um pouco confusa de cansaço e mais aberta ao processo. Também já gostei de escrever logo depois de acordar de madrugada, se por acaso acordasse, também um pouco sonhando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. Tem fases em que escrevo algumas vezes por semana. Não tenho metas, mas gostaria de ter.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Anoto trechos e ideias em mensagens que envio para o meu próprio e-mail, depois tento desenvolver essas ideias. Acho difícil, sim, criar tempo para escrever, fazer esse movimento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Vou deixando pra depois, mesmo. Mas, principalmente, vou escrevendo aos poucos, esperando pra ver se os pedaços um dia se juntarão. É engraçado que com outros trabalhos sou disciplinada, faço agenda, tenho tudo sob controle. Estou traduzindo o 12º livro (nos últimos dois anos traduzi ficção para várias editoras) e percebi que, apesar de ainda ser inexperiente na tradução, consigo manter a concentração por horas e lido bem com prazos difíceis. Acho que a poesia acabou sendo um espaço de caos, mas venho tentando mudar essa relação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes. Não sei dizer quantas. Três, dez? Não sou exatamente uma pessoa que reescreve sem parar, mas mexo em detalhes. Quando publicava em blogs, não costumava mostrar pra ninguém. Quando publico em sites ou revistas, os textos naturalmente passam pela avaliação dos editores e organizadores.
Não costumo procurar amigos com uma mensagem do tipo “Posso te mostrar um poema novo? rs”, não sei se me sentiria bem, mas já enviei livro inteiro pra receber comentários quando alguém se mostrou aberto, por exemplo. Acho que são peculiaridades da poesia, também.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só escrevo no computador e no celular. Não sei mais como é minha letra de mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Hoje minhas ideias pra poesia vêm de incômodos e experiências de conflito. Acho que a partir daí surgem temas que me interessam como leitora e caminhos em que me sinto capaz, mas esse não é exatamente meu “projeto”. E, se escrevo sobre incômodos, uma maneira de ficar criativa é viver esses incômodos? Talvez.
Nos últimos anos também usei o Twitter para anotar algumas coisas. Já usei tweets como ponto de partida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar ao passado?
Fiquei mais crítica, mas também mais preocupada. Passei a pensar mais na relevância de um ou outro texto (“Esse poema precisa mesmo existir?”). Acho que se voltasse no tempo diria a mim mesma o seguinte: “Poesia não é cafona. Daqui a quinze anos muita gente vai achar legal.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever livros inteiros sem enrolar e tenho vontade de escrever prosa. Mas aí vai depender do preço do aluguel e das horas semanais que vou conseguir reservar pra isso nos próximos anos.