Ana Claudia Santano é professora do programa de mestrado em direito da Unibrasil (PR).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu, sempre que posso, durmo. Meu corpo pede muitas horas de sono desde sempre, algo que é quase impossível nos dias de hoje. Assim, em um dia “normal”, eu acordo lá pelas 8h30, tomo café e como um sanduíche (que eu só funciono na base da alimentação matinal, jamais deixarei de tomar café, por nada) e começo a ler os jornais. Leio uns cinco. Ultimamente ando lendo menos porque estou acreditando menos nos jornais brasileiros, então eu busco os internacionais. El País, The Guardian e Euronews não podem faltar no meu dia.
Por outro lado, quando eu tenho aulas pela manhã, acordo muito cedo (mesmo, lá pelas 6h) para tomar café, ver se tudo está bem para poder me arrumar e ir. Eu optei por não ter carro e trabalho longe da minha casa, então preciso ter tempo de chegar de transporte público à universidade. Dá mais ou menos uma hora.
Procuro manter essas rotinas para me organizar, já que sou meio “neurótica” com organização. Tudo tem sua hora e previsibilidade, mas só no meu lado profissional… o pessoal é meio no improviso, que é melhor.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu fiz a minha tese durante a madrugada. Passei sete anos na Espanha (dois no mestrado e cinco no doutorado) escrevendo de noite. A partir das 19h minha cabeça ligava maravilhosamente. Após alguns anos – e muita reeducação de horários -, rendo muito a qualquer hora do dia, se é isso que eu estou me propondo. Não sou de procrastinar, ainda mais porque meu tempo de produção é muito escasso hoje em dia. Então, sempre que posso, sento, começo a ler e já sai algo.
Sobre rituais, acho que já tive mais. (risos) Sempre pego muitas garrafas de água, ligo música clássica bem baixinha e começo minhas pesquisas. Entro nos sites de busca que sempre uso, de minhas revistas científicas favoritas, Scielo, bancos de dados internacionais que eu tenho acesso, e começo literalmente a garimpar. A partir de um conjunto interessante para o projeto que pretendo desenvolver, começo os fichamentos (tudo escrito à mão, sou professora bem “old school”). Quando me dá o “click” para já ir estruturando um sumário e o conteúdo, deixo me levar… Note que não há tanto ritual, mas sim quando eu me sinto segura para escrever. É natural, simplesmente sai.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quem dera ter tempo de escrever todos os dias… no meu caso, prefiro escrever durante horas, quase sem parar. Meu marido pega muito no meu pé, porque eu não como, não levanto, não vou ao banheiro… se entro na concentração, melhor me deixar lá até eu mesma ficar esgotada. Então, em dias que não tenho muito tempo, faço outras coisas (que não são poucas): cuido dos materiais da graduação e do mestrado que leciono, busco artigos, avalio trabalhos, desenvolvo projetos acadêmicos em parceria, preparo palestras (que têm sido cada vez mais frequentes), faço pareceres jurídicos, enfim… tenho muitas coisas paralelas que não demandam exatamente a escrita, mas sim um conjunto de coisas, que também devem ser observadas com cuidado.
Sobre a meta, eu já tive. Durante a minha tese, a meta era quinze páginas diárias. Dependendo do dia era mais fácil ou mais difícil, mas me causava uma culpa danada e uma frustração enorme quando eu não conseguia atingir a meta. Assim, após o doutorado, decidi não ter metas diárias. Tenho prazos – e muitos (risos) -, que já me ajudam a manter um ritmo importante de trabalho. Mas meta, meta, não. A culpa do não rendimento já me atormentou muito e não quero esse “encosto” comigo de novo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende muito do que estou me propondo a escrever. Parece brincadeira, mas é mais difícil para mim escrever um artigo de opinião para um jornal ou um site/blog do que uma monografia. Então, no caso da opinião mais desapegada do rigor acadêmico, eu espero que venha a inspiração. Nos demais, é “garimpo” de trabalhos, leitura, fichamento e texto. Contudo, sempre tenho comigo, onde for (até nos finais de semana) um caderninho em que eu anoto tudo o que me vem na cabeça. Ideias muito bacanas já surgiram assim, do nada mesmo. A coisa flui e eu anoto tudo para poder aproveitar no seu devido momento. Não sei se posso chamar isso de processo, mas é uma coisa que me ajuda muito, revisar minhas próprias anotações pessoais.
Sobre o ambiente de escrita, eu desapeguei. Hoje em dia eu tenho o luxo de ter conseguido montar um delicioso escritório na minha casa para o meu “brainstorming”, mas nem sempre foi assim. Então, aprendi a trabalhar em muitos ambientes que até podem ser hostis para a concentração. Veja: eu passo muito tempo dentro de ônibus, e não tenho nenhum problema de ler, corrigir monografias, fazer pequenas coisas durante esse tempo. Mesma coisa em aeroportos e aviões. Eu viajo muito devido aos meus compromissos pelo Brasil e exterior, e acho um verdadeiro desperdício de tempo não fazer nada durante todo o período ocioso em que se fica em um avião. Assim, os voos Curitiba-Belém do Pará (que para mim são comuns, por exemplo) passam muito mais rápido quando eu produzo. Para tanto, eu seleciono uma série de trabalhos para ler no meu tablet, e termino estudando, atualizando meus conhecimentos e tudo mais, nesse momento.
Para começar a escrever, preciso da frase correta. O primeiro parágrafo é o mais difícil. Porém, quando o encontro, parece que desencadeia o texto. Eu não paro. Aí já entro no “transe” da concentração e logo vem meu marido me dizer para comer, esticar as pernas, etc. (risos)
Também não tenho exatamente um método de passar da pesquisa para a escrita. É mesmo uma questão de confiança. Compilo tudo o que eu posso e logo a inspiração vem. Também não consigo só pesquisar ou só escrever, eu sempre misturo tudo. Começo a pesquisar, a fichar os textos, a achar que já posso escrever, a escrever, a procurar algo que lembrei, escrevo algo que achei (mas não era o que eu tinha lembrado antes) e por aí vai. No fundo, nem sei se daria, no meu caso, para separar esses momentos… nesse ponto eu posso ser considerada um pouco caótica.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como já mencionei, desaprendi a procrastinar. Minha vida não me permite mais isso. Já travas de escrita surgem, não há um fator que desencadeia, mas faz tempo que não tenho. Isso acontece mais comigo em artigos de opinião sobre algo forte, em que eu preciso pensar além da conta para, inclusive, não despejar tudo no papel sem ordem. Agora, a questão do medo de não corresponder às expectativas já foi um grande fantasma meu, pois sou muito perfeccionista e tento não me machucar com isso. Já fui extremamente perversa comigo mesma e se esse medo se aproxima de mim, eu vou dar uma volta, porque aquele dia não é um bom dia para escrever. Logo virá o dia seguinte, em que estarei mais tranquila e algo bom sairá. Ansiedade de trabalhar em projetos longos também já foi mais presente no meu cotidiano. Hoje em dia tenho mais ansiedade de vida do que de projetos longos. (risos) Mas como a minha tese já foi muito mais longa e, porque não dizer, mais “traumática”, já não temo mais trabalhar durante anos na mesma coisa. É natural e algo inerente à carreira acadêmica. É algo muito lento, gotinha por gotinha, e essa administração nós temos que fazer. É essa inteligência emocional que determinará o seu sucesso futuro. Se tenho ansiedade, também faço outra coisa, não é um bom momento.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso ao menos duas vezes, em dias distintos. Eu digo que coloco o texto na “geladeira” antes de enviá-lo. Mas os prazos ultimamente andam meio duros e já não permitem mais do que isso, infelizmente. Agora, isso é quando eles estão finalizados. Durante a elaboração do trabalho, cada vez que volto a escrever, repasso tudo. Se é um livro, é um martírio para mim, que sou perfeccionista. Reviso um milhão de vezes até atrasar a publicação, cada bronca que já levei. (risos)
Sobre dialogar os trabalhos, eu faço e gostaria de fazer mais. Sinto falta desse momento de debate, de crítica, de sugestão. Porém, também sinto que, infelizmente, a vida já não permite mais que as pessoas tenham tempo disponível para isso. Elas até têm, mas não tanto. Adoro fazer esse procedimento de diálogo e quero até selecionar pessoas para isso (de preferência que não concordem comigo), mas isso anda se tornando mais difícil, o que realmente é uma pena.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou péssima com a tecnologia. Nem gosto, para falar a verdade. Fui educada desde muito pequena pela minha mãe a trabalhar com as mãos, então eu faço tudo! O trabalho mais artesanal é o que me dá mais prazer, mais recompensa. Assim, confesso que só sei usar o Word e o PowerPoint, sendo que esse último eu deveria mesmo era aprender melhor. Excel é outro desafio, mas como tem o meu marido que é expert nisso… eu me dedico a outras coisas. (risos)
Considerando isso e, também, como já mencionei, escrevo tudo à mão. Mesmo. Vivo cheia de folhas, agendas, cadernos, resumos, tudo mesmo é escrito à mão. Também sempre obrigo meus alunos a fazerem seus trabalhos manuscritos porque a juventude está esquecendo como se escreve, com graves prejuízos ao português. Isso não é bom e até para fins de estudo, deve-se motivá-los a escrever à mão.
Computador mesmo é só para o texto definitivo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Affe maria… minhas ideias não têm uma fonte específica. Eu nem saberia indicar onde estão as fontes. (risos) Naturalmente sempre fui muito criativa. A coisa vem (e, por isso, tenho sempre meu caderninho de anotações). Desde pequena sempre fui muito estimulada a ser criativa, a ter ideias, a me aproveitar disso e a fugir do óbvio, do atalho do comum. Não tenho hábitos que alimentem isso hoje em dia. O que faço questão de manter é a atualização nos assuntos (da vida e da academia) e a curiosidade de saber sobre muitos aspectos do mundo. Sou naturalmente muito curiosa, adoro saber, aprender, fuçar (melhor dizendo). Acredito que tudo isso contribua para que as ideias simplesmente se apresentem na minha cabeça.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Minha escrita, indubitavelmente, se aperfeiçoou, como é natural. Um pesquisador experiente já sabe por onde caminhar e isso é economia de tempo e melhora de qualidade. Antes eu era bem mais prolixa, algo que foi tirado até com a tese. Também tive que reaprender o português quando voltei a morar no Brasil. Eu não conseguia falar nada sem misturar com o espanhol e a escrita foi uma grande sacrificada nisso. Comecei a ler desenfreadamente, a pedir que as pessoas me ajudassem, estudei o dicionário (é sério isso), precisava voltar para o meu idioma materno. Contudo, sinto que, devido ao meu conhecimento de idiomas em geral, a escrita ficou bem melhor, mais fluente, mais estruturada.
Agora, se eu pudesse voltar no tempo da minha tese, a primeira coisa que eu diria seria: não se cobre tanto que ela vai sair! O resto, eu faria tudo novamente. Foi um período muito intenso da minha vida, de estar longe, fora, imersa nos livros, ralando muito para ter o meu título de doutora. Tudo isso valeu a pena. Basta eu olhar na minha estante e ver que o meu trabalho foi publicado pelo Centro de Estudios Políticos y Constitucionales de Madrid, uma editora de enorme prestígio. Enche meu coração de alegria e me faz sentir que tudo valeu a pena. E olhe que ainda tenho partes inéditas da minha tese! Tirei dois livros dela (sendo um esse que mencionei e outro publicado no Brasil) e ainda tem o primeiro capítulo, totalmente inédito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Definitivamente, gostaria de escrever um livro enorme só sobre o sistema de financiamento da política no Brasil e no mundo (que é um dos meus principais temas de pesquisa), sem que tivesse comentários à lei. Infelizmente, temos muitos livros que são comentários à lei e isso, na minha opinião, faz com que se perca a qualidade acadêmica do tratamento de institutos. No direito eleitoral isso ainda é mais evidente. Assim, o que temos no mercado é o que os autores “contam em verso o que a lei narra em prosa”. Essa é uma frase muito elucidativa do meu atual orientador do meu segundo pós-doutorado que estou fazendo na Colômbia e que estou inteiramente de acordo.
Mas para isso, o Congresso deveria parar de reformar o sistema de financiamento a cada dois anos… eu até tentei acompanhar durante um tempo, mas me dei por rendida.
E livros que eu gostaria de ler e que ele ainda não existem… difícil dizer. Eu adoro biografias. Muito. Gostaria de ler a maior quantidade possível de biografias. Desde políticos até o Silvio Santos! Grandes traficantes, chefes indígenas, ativistas ambientais, divas do cinema, personagens da música e do rock… ah, achei! Gostaria de ler um livro do Keith Richards sobre a sua versão sobre os Stones! Sei que não é um livro acadêmico, mas livros acadêmicos eu leio o tempo todo. Esse, sim, valeria a pena, considerando todo o histórico de uma de minhas bandas preferidas.