Ana Cecília Romeu é publicitária, escritora e artista plástica.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando minha filha está em aula, acordamos às 6h30. No entanto, como sou insone e não consigo me recolher antes das 3h, ao colocá-la à escola, retorno para o segundo e curto período de descanso. Nas suas férias, os horários são flexíveis, todavia a insônia continua. Desperto no correr das horas, e durante a manhã opto por trabalhos que não priorizam a criatividade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Fiz um pacto com a noite e a madrugada: elas me presentearam com picos de criatividade e a melhor sistematização dos meus textos; e eu dei a insônia como resposta.
Um ritual que adotei por alguns anos, quando minhas primeiras crônicas foram publicadas, era ouvir músicas do Elvis, uma ou duas antes da escrita. Permitia-me entrar em nova frequência. Optei pela escrita leve e acessível quando produzo crônicas que são publicadas em jornais do Rio Grande do Sul, e também no Jornal O Dia, do Rio de Janeiro. O Elvis acabou por ser companhia, onipresença e inspiração. Meu primeiro livro de crônicas se chama – Elvis Economiza Gasolina em Cinco Marchas. (Ed. Palmarinca, 2014). Hoje, abri mão de rituais, tudo flui com naturalidade, escrevo textos no meio do barulho, em qualquer lugar. Mas não falem comigo!
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Trabalho com comunicação em assessoria institucional. Estou acostumada com as variáveis incontroláveis de tempo, prazo, exigências. Cumpro meu trabalho, e organizo a escrita nas horas possíveis. Mas quando se trata de uma paixão, nem sempre existe o controle, há um tanto que acontece sem planejamento, e me percebo às vezes parando um relatório para rabiscar ou mesmo desenhar ‘pistas’ para um novo texto antes de retornar às atividades. Não tenho metas diárias, tudo acontece espontâneo e transborda. A única meta que me impus foi a de escrever uma crônica por semana. Publico-as em jornais, portanto tenho compromisso agendado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever transborda em mim. Apesar de ser mais conhecida pelas minhas crônicas, não tenho limites para gênero literário, gosto de arriscar em literatura, não tenho medo como se fosse andar de avião ou sentar-me na cadeira do dentista. Escrevi dois volumes de um projeto de ficção em humor, ainda em revisão. Também tenho arquivado um projeto de minicontos em prosa poética. Meu segundo livro é um infantil de atividades que nasceu da necessidade de um acompanhamento para a oficina de poesia que dou para crianças de até 10 anos, foi publicado em 2015 e se chama Janela da Poesia. Quando abraço um projeto, ainda que fique engavetado por um tempo, a pesquisa me faz voar, mas apenas o necessário e o quanto permito. Preciso de gente, de experiências, interagir, eis minha melhor pesquisa, a informal.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ainda não tive bloqueios na escrita. Começo a escrever antes de escrever propriamente dito. A mente sonha, projeta, arquiva; então vou para o papel ou a tela. Escrever é ser livre, escrever é resistir e resistir é amar, é quando me sinto num estado muito próximo do que imagino ser liberdade. Minha expectativa nessa fase é quase zero. Na segunda escrita, como chamo a fase de revisão, sou muito autocrítica e me cobro muito. Quanto à expectativa em relação ao leitor, ela existe, sim, pois um texto só se cumpre no olhar do outro. Quanto a projetos longos, não começo outro antes de concluir o anterior. Não gosto de pendências.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes. As crônicas que publico em jornais têm prazo, quase sempre tenho pouco tempo intermediário entre escrever e publicar, mas me permito algumas horas de “descanso de texto” para enxergar melhor na distância. Com exceção das crônicas, sim, mostro meus trabalhos para alguns escritores gentis os quais confio o contrato invisível da amizade e sinceridade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já me disseram que sou do período jurássico, e nem WhatsApp tenho. Mas inventaram um tal de laptop que você pode levar para todo o lugar, se estou com ele, perfeito! Já escrevi no café do shopping, no hotel, na quadra esportiva. Escrever acrescenta; não me atrapalha. Quando acontece de não estar com o lap., faço em manuscrito com aquela letrinha que às vezes nem eu consigo decifrar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sempre fui observadora e curiosa. Gosto de ler livros, revistas, HQs, mas amo ler pessoas e me permitir à interação; no entanto não as vejo como mero embasamento de escrita, preciso aprender e aprendo muito com as conversas informais. Procuro exercer a empatia. Não abro mão que de alguma forma o que escrevo contribua alguns 0,00001% a alguém.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A escrita está mais espontânea e ocupa menos espaço de tempo, no sentido literal. Brigo menos com minhas vozes, elas estão mais uníssonas e caminham para frente. Aliás, já falei comigo mesma sobre meus primeiros textos e reproduzo aqui para vocês: “Corta os excessos, Ana! Explica menos, sugere mais!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos projetos, mas tantos que daria um listão! Quando começo, vou até o fim. E só inicio se me sinto em condições de concluir. Existem livros nos meus sonhos, e que espero com toda a força um dia tocar neles, e são de ótimos escritores que todavia não tiveram a oportunidade de publicar em papel, mas conheço suas produções pelas redes sociais.
Escrever é resistir! Vamos abraçar com a nossa esperança a esperança dos outros!
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sim, existe um planejamento para que possa cumprir o que me proponho, visto que o tempo é pouco, pois trabalho em comunicação.
Para mim a escrita transborda, e não começo um texto sem ter pensado e rabiscado trechos aleatórios, ou mesmo gravado parágrafos em áudio. Na maioria das vezes, começo pela última frase, depois a primeira, e assim é no desenvolvimento que o texto flui para tornar-se sequência e caminho natural para o desfecho.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Minha escrita acontece espontaneamente na madrugada e nos intervalos do meu trabalho em comunicação. Esse me deu experiência para otimizar o tempo e cumprir minhas singelas metas em literatura. Assumo um projeto por vez na escrita, no entanto na divulgação acontecem projetos paralelos, por exemplo, as crônicas em jornais e o livro do momento; ou uma obra já publicada que ganha novo impulso e retorna necessitando apoio.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A escrita é uma paixão que tenho desde que fui alfabetizada. Sempre li muito, na época de criança os gibis, livros infantis, e gostava de criar minhas próprias histórias ou sequências das leituras. Existe o que a alma carrega, nos dá sentido e nos explica, a escrita é isso para mim. Atualmente, o que me motiva também são meus amigos. Sinto-me acompanhada e incentivada nas horas em que preciso de fôlego para escrever.
Decidi dedicar-me à escrita em final de 2010 quando comecei meu blog Humor em Conto, onde, como o nome diz, publicava contos de humor. A receptividade foi grande o que me fez seguir. Agradeço aos amigos que escrevem em mim até mais do que tenho condições de expressar em letras.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Nunca dei ênfase em desenvolver um estilo próprio de escrita, mas sempre que o resultado de um texto estivesse em acordo com minha maneira de sentir as coisas. Que a escrita fosse forma de expressão e comunicação coerente com meus pensamentos, sensibilidade, e o jeito eclético que me permito ser. Decidi por uma escrita mais leve às crônicas mesmo as que abordam assuntos sérios e graves; também escrevo humor em contos e no romance que em breve pretendo publicar, onde optei por um realce na ironia e sutileza. Um tom melancólico e mais erudito nas prosas poéticas. Assim, brinco com as várias pessoas em mim.
De forma geral, minha influência está na literatura platina uruguaia e argentina. A franqueza, ironia, o tornar simples o que é complexo, a presença da sensibilidade e preocupação social, o melancólico como reflexão. Posso citar Alejandra Pizarnik, Alfonsina Storni e também Mário Benedetti, Juan Gelman, Jaime Sabines, Julio Cortazar, entre outros.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
A raiz da flor da pele, de Joelma Bittencourt. Editora Penalux, 2019.
Humanoscrito, de José Regi. Editora Archangelus, 2019.
Um quase agora, de Elke Lubitz. Editora Penalux, 2019.
Os Kandengues da Cochinchina – Memórias de crianças africanas em tempos de guerra, de Manuel Casqueiro. Editora Armazém da Cultura, 2019.
Acabei por citar quatro e todos de autores com os quais interajo nas redes sociais.
Cada livro com sua característica própria, os três primeiros são de poesia e o último de contos; todos carregam em comum uma escrita inteligente aliada à sensibilidade. Nada é entregue ao leitor, este deve percorrer os caminhos das linhas e se entregar na descoberta das entrelinhas, o que aprecio muito! A valorização do leitor como “autor” vivo de letras em construção. Pois assim são os livros: obras que se completam pelo olhar de quem os lê.