Ana Beatriz de Andrade é escritora, estudante de Letras Português e Literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, posso dizer que sempre tentei e tentarei ter uma rotina matinal. Não significará que a siga, principalmente por ser uma pessoa um tanto quanto preguiçosa. Mas, meus dias se resumem a estudar, ler, escutar música e dormir. Confesso que passo boa parte do dia vivendo no “Incrível Mundo de Bob” como muitos o chamam, mas creio que isso ajuda a manter a positividade e principalmente estimular cada vez mais a minha criatividade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Creio que meus surtos criativos tendem aos seus ápices durante as noites e madrugadas. Talvez, por ser um horário onde meu cérebro entende que pode relaxar e “se desligar” da realidade, por assim dizer. Penso que meus escritos são meus desabafos, conscientes ou inconscientes. Coisas que aconteceram e gostaria que não acontecessem; que não aconteceram, mas que poderiam acontecer; que gostaria que acontecessem sendo possíveis ou impossíveis. Enfim, situações tangíveis ao meu controle. Compreende?
Sobre o ritual de preparação para a escrita… Toda produção precisa de um estímulo e o meu definitivamente é a música. Quando escrevo, me torno participante daquilo que redijo. Dependendo do gênero, me torno a principal, outras vezes sou mera coadjuvante. Dependendo do conteúdo sou a receptora, e em outros apenas a emissora. Então, como toda boa obra precisa de uma trilha sonora, eu crio as minhas. Pego as músicas que se encaixam no tema, naquela cena específica, naquele momento de drama e ação. Sinto a música e o que ela quer me dizer e com essas informações começo a trabalhar. O que por vezes chega a ser enjoativo, pois já perdi o gosto de muitas músicas favoritas de tanto repeti-las para escrever uma cena. Logo, tento sempre manter uma playlist extensa, uso muito aplicativos para achar diferentes músicas e sempre procuro ritmos e cantores diferentes. Quanto mais acho, mais histórias diferentes surgem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para uma pessoa que escreve desde os nove anos de idade, é surpreendente minha contínua incapacidade de controlar, organizar e ritmar minha escrita diária. Por isso, não a contabilizo, muito menos tento limitá-la ou padronizá-la. É como se eu fosse refém da arte e da inspiração. Então, para evitar frustrações ou até mesmo bloqueios mentais desnecessários, decidi seguir apenas aquilo que vem. Hoje tive vontade de escrever um poema, um conto de terror ou uma mini fanfic. Tudo bem, seja feita sua vontade! No entanto, posso dizer que mesmo com todas essas “contravenções”, praticamente escrevo todos os dias. Meu bloco de notas do celular e meu OneNote do computador são meus diários. O mais próximo de uma meta é anotar as datas e separar com calma os temas escritos por semana. É uma aleatoriedade acima do normal. E futuramente planejo trabalhar mais nisso. A verdadeira meta é conseguir organizar todos os meus escritos semanais de forma que não fiquem espalhados ou incompletos em várias pastas diferentes.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente, começo a escrever e depois pesquiso. Como disse anteriormente, meu maior estímulo é a música. E bizarramente, quanto mais músicas escuto, mais histórias crio. Cada música tem sua própria história, separada e organizada em minha mente. O que causa certo desespero, pois se me reservasse a pesquisar antes para depois pôr a mão na massa, com certeza perderia metade das ideias que tenho. Principalmente por esquecimento. Tenho uma irmã de coração que me acompanha nas viagens diárias que tenho graças a essa quantidade de histórias mentais. Muitas das vezes, ela que me motiva a passá-las para o papel e fazer delas uma tentativa de obra-prima. Quanto aos poemas, sigo o mesmo esquema. Tive tantas perdas literárias devido a esquecimento. Certos surtos criativos acontecem quando estou longe do papel e da caneta, ou de qualquer meio ao qual possa anotar e depois passar a limpo. Como também já tive um surto criativo no meio de um restaurante, me obrigando a escrever no papel que usam para forrar a mesa antes da refeição. Chega a ser cômico, pois o que antes estava branco e servia para forrar mesa virou enfeite cheio de poemas. Não sei qual foi o fim daquele papel, provavelmente o lixo, mas ao menos consegui salvá-los antes de ir embora. Então, meu ponto é de que primeiro escrevo o máximo que posso e o que se predispõe a mim (aquele entusiasmo que sentimos quando a ideia fluí e não para de girar e girar em sua cabeça) e após colocar tudo em seu devido lugar, começo a organizar, consertar, corrigir, pesquisar, sonorizar e lapidar. Exatamente como um diamante ou qualquer outro metal precioso. Extraímos o recurso bruto, e logo depois damos forma a ele. É desse jeito que funciona meu processo de escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Compartilho meus entusiasmos textuais com as pessoas mais próximas e confiáveis. Tenho muitos anjos literários, então citarei apenas os mais constantes: Uma amiga que considero como irmã, ela que viaja ao meu lado nas histórias mentais mirabolantes. Meu ex-professor e agora parceiro literário que me ajuda a escrever versos de poemas no Whatsapp aleatoriamente, uma outra amiga que manda mensagens de diversas redes sociais diferentes elogiando meus textos e uma força sobrenatural que carinhosamente chamo de Deus, mas que pode ser chamada de outros nomes. Quando as travas aparecem, ou a procrastinação e o medo vêm, são eles que me ajudam. A primeira sempre me motiva escrevendo comigo ou para mim. Às vezes, ela me mostra suas próprias histórias e dessa forma, me motiva a prosseguir com as minhas. O segundo sempre conversa comigo, me manda seus textos recentes, me ajuda a completar poemas incríveis como Flores Negras e Interrogatório (podem ser encontrados no instagram @Capitalizando_Poemas e @desafagos). A terceira sempre arranja uma rede social diferente a qual posto meus textos para me elogiar, a última foi o twitter. E o último, mas não menos importante, me escuta nas noites de choro e ansiedade, é Ele que me ajuda quando nada mais vem ou quando penso em desistir de algum projeto. Peço muito a iluminação D’Ele, pois creio que tudo que me é concedido foi graças a Ele e isso incluí meus escritos, mesmo que os temas perpassados não sejam necessariamente voltados a temas religiosos. Portanto, posso dizer que sou grata a todos eles, inclusive os que não foram citados aqui.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A paranoia textual existe e é real. Se essa frase faz sentido ou não, só sei que a escrevi com todas as minhas forças nela. Reviso conforme o público, o conteúdo e meu estado psicológico no dia. Como publico boa parte dos meus escritos em um site maravilhoso chamado Academia de Contos feito exclusivamente para leitores e escritores, reviso umas três, quatro vezes antes de publicar. Tanto antes quanto depois. Como todo escritor que ama o que faz, prezo a perfeição. É impossível alcançá-la, mas quanto mais perto, melhor! Mesmo que signifique apagar tudo e reescrever. Meus anjos literários são meus críticos assíduos, sempre quando posso os envio antes de publicar. O feedback deles é de extrema importância para mim. Da mesma forma, adoro quando meus textos recebem certo destaque, isso é um empurrãozinho na autoestima literária. Espero de coração retribuir esse carinho de todas as formas possíveis.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A melhor possível. Minha desorganização reduziu a metade depois que inventaram o famoso bloco de notas do celular e o OneNote no computador. Como disse antes, escrevo desde os nove anos e muitos dos escritos foram feitos a mão. Cheguei a comprar cadernos e cadernos para levar onde quer que eu fosse. Mas era um peso a mais, sem contar a falta de privacidade. Nunca consegui escrever em diários, então fiz dos meus cadernos de poemas, meus diários literários. A poesia era o que eu sentia, vivia e respirava. Era daquela forma que cresci e aprendi a me comunicar. Muitos dizem que consigo me expressar melhor escrevendo do que falando, então compartilhar meus escritos era e continua sendo um grande estigma. Pois, parte minha quer um reconhecimento maior das minhas obras e o que elas causam nas pessoas, todavia uma outra parte minha diz que são pessoais demais para serem compartilhadas. Sem contar que a timidez tem um grande papel nesse quesito. Mas prossigo e aos poucos publico nas redes sociais, especialmente o Tumblr, Twitter, Instagram e a Academia de Contos. Todos eles com diferentes pseudônimos, o que talvez dificulte a associação dos poemas e tudo mais. Mas a facilidade na transferência dos escritos do bloco de notas para as redes sociais, facilitam na coragem em publicar cada vez mais. Quem sabe um dia consiga publicar um livro inteiramente com meu nome?
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
O hábito mais comum e ordinário é manter minha playlist atualizada e sempre recheada de artistas e músicas novas. Sempre separo um dia da semana para escutar novas playlists no Youtube ou dar Shazam em algum artista. Outro hábito, e não sei se culpo a idade ou a minha aura de eterna criança, é imaginar o máximo de universos possíveis. E o mais legal e estimulante é saber que não faço isso sozinha. Tenho sempre uma companhia de viagem imaginária que está disposta a ir de um Universo onde semideuses precisam restaurar o equilíbrio da natureza para manter a sobrevivência da Humanidade até um Universo onde uma organização poderosa se estabelece e começa a comandar uma cidade inteira por motivos até então desconhecidos. Todo dia me forço a tentar imaginar algo mais aleatório do que o dia anterior. E saber que existe alguém a qual me apoia e me acompanha nessas viagens sem ficar me lembrando o tanto de responsabilidade que tenho que ter diariamente me deixa super grata e inspirada. Também vejo o máximo de filmes possíveis, leio bastante diferentes tipos de histórias e antes de dormir coloco pelo menos três músicas para tocar e refletir sobre elas. Crio histórias para cada uma e vivencio-as mentalmente até cair no sono. Confesso que para muitos parece ser algo banal e, por ser uma menina de exatos 19 anos admitindo isso talvez não tenha muita relevância, mas fico torcendo para não perder essa rotina. Passei por muitas situações de estresse e essa minha característica de ser imaginativa até demais me causou muitas ofensas em determinadas ocasiões, mas tento usá-las na criação de obras que cativem positivamente as pessoas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A forma de escrever, a maturidade nos temas, a propriedade para falar de determinados assuntos. Cresci 10 anos de escrita, então acho que o maior aprendizado até agora é não desistir dos projetos que tenho. Se pudesse, diria para não desistir dos projetos que já tinha começado, pois tinham uma proporção muito grande, ideias bem interessantes e que se levadas mais a sério, já estariam até publicadas antes dos 19 anos. De que sua maior marca não está no tom de sua voz ou até quanto pode gritar, mas até onde pode escrever. Até onde pode anotar tudo aquilo que se passa na sua mente, tudo aquilo que seus olhos veem e seu coração sente. Naquilo que ninguém pode te proporcionar, a sensação de ser única.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Confesso que gostaria de terminar os meus projetos longos de escrita, principalmente os de ficção e fantasia. Os meus romances estão enfileirados nas notas do celular e do computador, talvez maturando ou apenas esperando a minha boa vontade de prossegui-los. Anseio muito o dia em que consiga terminar todos e me sinta satisfeita com eles. Sobre o livro que ainda não existe… Já li livros incríveis que não receberam o devido destaque; já li livros que possuem destaque, mas acho ultraestimados, mas um livro que ainda não existe… É o meu (rs). Parece presunçoso da minha parte, mas o meu livro ainda não existe. E eu espero que ele seja um livro interativo, que permita que o leitor se introduza e participe efetivamente da história. Como um quebra-cabeça! Que não seja mais um livro de destaque, mas que reflita sobre a humanidade e todos os seus dilemas, que capte a atenção de todos os gêneros e idades e vontades. Que seja genial e incrível por sua essência e que esse sentimento seja passado para cada um que o leia. Acho que é esse o livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe. Mas espero de coração que um dia exista.