Alvaro Posselt é poeta curitibano.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia geralmente começa com uma expedição pelo jardim. Dou ração aos pássaros, vejo o céu, as árvores. Às vezes surge uma visita inesperada: um pássaro de passagem, uma ave, um inseto. Essa é minha sintonia com a natureza, tema principal da minha poesia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quase nunca me preparo para escrever. A maioria das vezes ela, a poesia, me pega distraído. Produzo pouco, mas o que geralmente escrevo tem relevância literária, vai para o meu caderninho de anotações.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta. Muitas vezes produzo com certa significância, outras vezes posso ficar um mês sem escrever. Em tempos de escassez, me bate certa crise: será que nunca mais vou escrever algo? Mas logo me distraio e tudo volta a fluir.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Havia um tempo em que meu processo de escrita era resumido assim: se eu levar mais de um segundo para escrever um poema é porque ele não vai ficar bom. Como são haicais, o poema geralmente brota como um raio. Com o passar dos anos, me tornei muito técnico e perdi esse gatilho. Também no haicai pesquiso muito sobre a característica das estações, os temas recorrentes no haicai tradicional.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho períodos de falência criativa. Isso tem muito a ver com o trabalho e outras interferências. Então busco a meditação, um foco maior na leitura. Tenho muitos projetos em aberto. Meu problema às vezes é conseguir fechar de forma redondinha, encaixar bem todos os poemas. Isso também acontece na hora de dar um título. Contudo, em meu mais recente livro, o título saiu primeiro e depois fiz a seleção dos poemas ou compus com essa finalidade. O livro se chama Bichinhos de estima são.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Geralmente o poema sai pronto. Se precisar mexer é porque não ficou bom. Então o descarto. Mando tudo para um amigo antes de publicar, que revisa e dá sugestões. É muito bom ter a visão de outra pessoa antes de publicar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho um livreto de anotações, mas também uso o Word para armazenar meu material.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias surgem da natureza, quando estou no jardim. Ultimamente surgem poemas quando acordo. Sinto-me criativo quando ouço jazz, assisto a um programa de arte ou filme de arte, drama. Minha escrita é mais influenciada por outras artes do que pela própria literatura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tornei-me muito técnico e crítico. Diria para olhar menos para as regras e mais para intuição.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos que envolvem outras artes: gibi, teatro, música. Alguns haicais meus já foram musicados. Agora serão encenados. Para ano que vem, quero lançar um gibi de haicais em tirinhas. Tenho muitos parceiros. O livro que gostaria de ler e ele não existe: talvez meu próximo, pois de outros autores são infinitos.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Na maioria das vezes, fui produzindo e deixando fluir. A partir de uma produção ampla, escolho o material para o livro. O mais difícil é fechar o número de poemas. No fim da seleção há sempre a dúvida de quais poemas finalizar a seleção. Quando planejo um projeto, o direcionamento ajuda na produção.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Minha rotina não é sistemática. Minha produção é pequena. Tenho vários projetos em andamento ou em mente, mas que em sua execução dependem de vários fatores. Um livro deve ser trabalhado de 6 meses a 1 ano. Aí sim é possível pensar em outro.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Minha motivação é a própria paixão pela literatura. Se pesasse o fato de que vivemos num país em que o hábito da leitura e consumo de arte ficam um último plano, nenhum artista iria adiante. A decisão de me tornar escritor veio com a maturidade e a segurança de ter um primeiro material para publicação.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Encontrei meu estilo quando pensei na escrita sem as amarras da forma. Foquei no conteúdo e consegui escapar de um vício que os poetas minimalistas iniciantes têm: querer fazer trocadilho. É muito comum observar como alguns iniciantes se prendem a isso e também escorregam na rima. Muitas vezes ela é traiçoeira. Você acerta a rima, porém o conteúdo fica comprometido. Meu foco é sempre tentar surpreender o leitor. Falar das coisas de forma diferente, ter um novo ponto de vista.
Inspiram-me artistas de várias artes: Ítalo Calvino, Quintana, Leminski, Magritte, Frida, Senna, Chopin, Debussy, Morrissey. A arte está em todos os sentidos.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
O primeiro é O barão nas árvores, do Ítalo Calvino. Sem dúvida, ele é o autor que mais me influencia pela sua habilidade na escrita, criatividade e poder de surpreender. O livro conta a história de um menino que se recusa a tomar sopa de escargot, sobe numa árvore e de lá nunca mais desce. Aí entra toda a genialidade do Calvino.
O haicaísta feliz, de Kobayashi Issa (tradução de José Lira), é outro livro do qual gosto muito. Issa é meu poeta japonês preferido. Em seus haicais, há sempre uma dose de humor e espiritualidade que marcam o estilo dele.
Recentemente li Feliz aniversário, Lua, de Frank Asch, um livro infantil que traz um diálogo muito poético entre um ursinho e a lua. Fiquei muito encantado e surpreso com a história!