Alonso Freire é doutorando em direito na UERJ e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Há pouco tempo, descobri que o jejum matinal me torna mais produtivo e focado. Então, não todos os dias, mas em boa parte daqueles em que estou produzindo algum trabalho importante, eu começo o dia acordando cedo e sem me alimentar na primeira hora. Isso se provou verdade no último semestre, durante o qual precisei produzir intensamente boa parte da minha tese de doutorado. Com pouco tempo, eu realmente reparei que, quando eu quebro o jejum logo ao acordar, fico mais indisposto e sonolento. É um hábito que incorporei recentemente e, talvez, ele não funcione com todos, mas tem me ajudado sobremaneira. Inclusive, li alguns textos de profissionais confirmando essa minha impressão – a de que o jejum nos proporciona mais foco e nos torna mais produtivos pela manhã. Além disso, também pelo que me informei, esse tem sido um hábito que, por inúmeras razões, tem sido considerado saudável por muitos médicos e especialistas de áreas relacionadas à saúde e ao bem-estar.
Após produzir algumas páginas, eu me alimento por volta das dez e meia da manhã. Procuro, depois disso, voltar ao texto e ficar trabalhando nele até por volta do meio-dia, quando, geralmente, procuro fazer uma atividade física e almoçar em seguida. A propósito, percebi, especialmente durante o último semestre, a importância de se incluir uma atividade física em uma rotina de intensa produção intelectual. Ela, entre outras coisas, lhe traz mais disposição e aumenta seu fluxo de ideias. Essa rotina que acabo de descrever, no entanto, só é possível nos dias em que não leciono pela manhã ou quando não tenho nenhuma urgência do meu trabalho como assessor no Supremo Tribunal Federal. Ela também não se aplica aos finais de semana, exceto em casos de urgência e prazos curtos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu produzo bem mais durante as primeiras horas da manhã. Eu, verdadeiramente, não tenho um ritual de preparação. Mas gosto de acordar e minha mesa já estar pronta, com o computar já ligado e livros que trabalharei por perto. Eu procuro pensar antes de dormir sobre o que irei escrever no dia seguinte, mas essa não é uma regra absoluta. Em alguns casos, eu prefiro deixar as ideias aparecerem naturalmente pela manhã. E, geralmente, elas aparecem quando você não se preocupa com elas demasiadamente. De fato, muitas vezes, o que escrevo pela manhã não foi planejado anteriormente. Mas, se for possível considerar um ritual, ouvir trilhas sonoras instrumentais de filmes é algo que passei a adotar ultimamente. Há várias playlists em serviços de streaming, como o Spotify. Por alguma razão, elas me ajudam a ter ideias que considero boas. Acredito que a música, especialmente a instrumental, tem um potencial elevado de inspiração que deve ser considerado por aqueles que não têm dificuldades em escrever ouvindo-as. Aproveitando, se eu pudesse indicar um compositor, sem dúvida, apontaria Hans Zimmer. Suas composições foram especialmente relevantes para mim nos últimos meses. Mas devo dizer, novamente, que esse hábito, talvez, não funcione com todos. De qualquer forma, recomendo um teste. O máximo que vai acontecer é você ouvir, por um momento, uma boa composição.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Isso depende muito. Aqui, o prazo é uma variável importante. No entanto, geralmente, eu produzo mais em períodos concentrados. Acho que isso me permite focar mais no trabalho que estou fazendo e na cadeia de ideias para o texto. Sou mais um daqueles que não conseguem trabalhar bem em vários projetos ao mesmo tempo. Então, procuro ficar focado em um só texto ou pesquisa. Para mim, isso é fundamental. Quando estou focando em um único trabalho, geralmente tenho mais insights para ele. E isso é o importante, não a quantidade do que é produzido, especialmente nos dias atuais, nos quais a produção acadêmica de qualidade parece estar em seu pior momento em nosso país, devido a inúmeros fatores, muitos deles discutíveis.
Quanto à meta, diria que a considero atingida quando fecho o editor de texto e me sinto satisfeito com o que fiz até ali, ainda que tenha produzido quantitativamente pouco. Se eu puder incluir como meta, diria que ela também é atingida quando, ao finalizar o trabalho naquele dia, sei em que ponto o retomarei no dia seguinte. Isso me proporciona certa satisfação e tranquilidade. Portanto, os sentimentos de progressividade e continuidade representam para mim metas diárias a serem alcançadas, não o número de páginas, parágrafos ou caracteres, como é para alguns colegas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Diria que meu processo de escrita seria considerado caótico por muitos colegas acadêmicos. Mas eu, verdadeiramente, produzo bem no caos. Geralmente, reflito sobre o que deve ser dito a propósito do que me propus a escrever. Então, crio de antemão os tópicos no texto. A partir disso, não sigo uma ordem. Por isso, talvez, seja mais correto dizer que monto um texto com as ideias iniciais e com as que vão surgindo, num processo que não segue uma sequência de início, meio e fim.
Eu não produzo muitas notas antes de iniciar esse processo. Prefiro ler a respeito do tema, refletir e colocar as minhas ideias a respeito diretamente em meus textos, ainda que fiquem desorganizadas em um primeiro momento. Isso significa que eu não realizo um movimento linear e sem retorno da pesquisa para a escrita. São processos ininterruptos e inseparáveis para mim durante a produção do texto. Eu apenas procuro selecionar antes as fontes a partir das quais devo iniciar a pesquisa. A partir disso, pesquisar e escrever tornam-se, praticamente, um só processo.
Mas há um aspecto do meu processo de escrita que considero especialmente importante: a leitura impressa. Eu, portanto, considero como parte do processo de escrita a leitura do texto em papel. Incrivelmente, é no momento dessa leitura que tenho as melhores ideias, sejam elas de estilo sejam elas substanciais. Portanto, geralmente, quando finalizo uma seção de um artigo, imprimo essa parte, reviso e acrescento novas ideias. E isso eu faço várias vezes até eu sentir que o texto está bom. Acredite. Isso faz uma diferença enorme para meus textos. Eu poderia dizer que os meus trabalhos ficariam aquém do que eu gostaria, se eu não pudesse imprimi-los para lê-los no papel antes de publicá-los.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu lido com as travas de escrita por meio de três estratégias que, posso lhe garantir, têm dado certo nos últimos tempos, pelo menos para mim. Primeiramente, busco me concentrar ao máximo naquilo que estou pesquisando. Isso significa que não farei outro trabalho acadêmico ou assumirei outro compromisso até finalizar o que estou fazendo. Em segundo lugar, busco manter em mente que a primeira versão do que estou escrevendo é para mim, não para os meus leitores. Ela ainda passará por um processo de refinamento e redesenho, até eu considerá-la suficientemente boa para publicação. Por fim, e, talvez, mais importante, procuro acelerar o processo de escrita, de modo a ter um trabalho em estado bruto a ser lapidado. Essa última estratégia me ajuda a evitar travas, mas também a procrastinação e, especialmente, a ansiedade.
Temos sempre o receio de não corresponder às expectativas. Esse medo apenas varia em grau, a depender do escritor. Mas considero que todos nós vamos adquirindo confiança ao longo dos anos. A esse respeito, eu poderia lhe dizer que me sinto bem mais confiante do que há dois ou três anos, por exemplo. A propósito, acho que o perfeccionismo piora isso. Embora, em algum grau, ele seja uma virtude, ele tem um lado perverso capaz de paralisar a produção ou mesmo de impedir que excelentes textos já escritos sejam publicados, simplesmente por seus autores nunca os considerarem suficientemente bons.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso meus textos muitas e muitas vezes. Como disse anteriormente, a revisão deles ao longo da produção, e não apenas ao final, faz parte do meu próprio processo de escrita. Eu não costumo mostrar o que produzo antes de publicar. Talvez, isso se dê por três razões principais. Em primeiro lugar, as pessoas geralmente estão muito ocupadas. Em segundo lugar, infelizmente, por perfeccionismo ou por circunstâncias da vida, eu quase sempre seguro o texto até o último dia do prazo. Isso é arriscado. Eu sei. Entretanto, e essa é a terceira razão de eu não mostrá-los antes a outras pessoas, eu geralmente fico satisfeito com o resultado final do meu processo de escrita. Posso estar bastante equivocado, mas considero que o autor de um artigo deve arriscar suas ideias, sem submetê-las previamente a alguém. Isso implica que, nesse caso, deve-se estar aberto a críticas posteriores, ter humildade e disposição para respondê-las com igual consideração e respeito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo e, ultimamente, tenho lido bastante no computador. Gosto muito de utilizar o modo “foco” dos editores de textos, aquele que nos permite visualizar apenas a página e o texto escrito. O Word para Mac tem essa função, mas há vários aplicativos com ela, como, por exemplo, o iA Writer. Isso ajuda a me concentrar e a visualizar o texto melhor. Tenho um apego excessivo à estética do texto, o que inclui o tamanho dos parágrafos, que procuro controlar, bem como a letra do texto. Por exemplo, eu verdadeiramente detesto as fontes Times New Roman e Arial. Curiosamente, elas me causam certo bloqueio. Ultimamente, tenho utilizado a fonte Cambria Math. Ela, visualmente, me agrada bem mais. Aliás, minha tese foi escrita com essa fonte, embora, contrariado, eu tenha autorizado sua impressão em Times New Roman. Quanto aos rascunhos, às vezes, eu os escrevo diretamente no computador. Algumas vezes, porém, uso o iA Writer para rascunhar apenas parágrafos. Ele tem sido bastante útil para isso. Mas quando as ideias vêm e eu não estou com o computador por perto, eu as digito no celular mesmo, usando aplicativos de notas. Portanto, cada vez mais eu tenho utilizado meios digitais voltados à produção de textos. A propósito, há dois aplicativos que têm me ajudando bastante na produção de trabalhos acadêmicos. O primeiro deles, e pouco conhecido, é o Bear. Esse aplicativo é interessante, já que lhe permite organizar suas pesquisas pondo etiquetas no meio dos seus resumos. Isso facilita a busca posterior. O outro é o Mendeley, que é um excelente organizador de fontes e que também permite o uso de etiquetas, embora não no meio dos textos. O Mendeley também é interessante por outra razão. Se você for assinante do serviço, ele lhe recomenda textos sobre assuntos relacionados aos temas de seu interesse. É uma espécie de orientador de inteligência artificial. Ambos os programas foram fundamentais na produção da minha tese. Sou grato aos seus criadores.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As minhas ideias geralmente surgem a partir de leituras que estou fazendo. O hábito da leitura lhe ajuda a ter muitas ideias. Mas, incrivelmente, elas também vêm em momentos em que estou descontraído. Curiosamente, tenho tido muitas ideias enquanto estou no chuveiro. Mas o trabalho de assessor no Supremo Tribunal Federal tem me rendido muitas ideias sobre as quais ainda pretendo desenvolver alguns trabalhos. Trabalhar lá lhe garante o privilégio de poder conversar com vários assessores muito preparados. Com isso, você consegue raciocinar a teoria a partir de problemas concretos. Portanto, conversar com colegas assessores também tem me ajudado bastante a ter novas ideias ultimamente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que duas foram as principais mudanças. A primeira delas, diz respeito à estética do texto. Passei a me importar muito com o visual. Isso inclui o controle do tamanho dos parágrafos e períodos, por exemplo, mas também uma preocupação elevada de evitar pedantismo. A segunda, por sua vez, está relacionada à minha preocupação com o leitor. Hoje, preocupo-me bem mais com quem lerá o texto. Isso inclui algumas questões. Aprendi, por exemplo, que você precisa conquistar o leitor desde o primeiro parágrafo, aguçando sua curiosidade. Também, hoje procuro produzir textos como se eu estivesse dialogando com o leitor. Os americanos são muito bons nesses dois aspectos da escrita e tenho me inspirado neles. Outros aspectos, como simplicidade, objetividade e, diria, elegância discreta, aumentaram em meus textos, muito devido à influência dos meus professores da UERJ – em especial, Jane Reis, Luís Roberto Barroso e Daniel Sarmento – e ao meu trabalho como assessor de Ministro no Supremo Tribunal Federal. Então, se eu pudesse voltar à escrita da minha dissertação – e não da tese, que conclui há pouco – diria a mim mesmo para escrever como esses professores ou próximo ao modo como eles escrevem, com uma maior preocupação de manter o leitor interessado do início o fim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade, eu diria que já comecei. Trata-se de um livro sobre as constituições na atualidade. Um trabalho, digamos, mais empírico e menos teórico. A ideia é reunir e discutir achados empíricos de importantes cientistas políticos, juristas e economistas sobre o perfil das constituições atuais. Atualmente, tenho muita desconfiança de abordagens unicamente teóricas sobre o constitucionalismo em geral. Então, pretendo propor aos interessados um livro sobre como são as constituições hoje, identificando e sugerindo as razões de elas serem como são.
No corrente cenário, especialmente na Europa e nas Américas, no qual se destaca um Poder Judiciário especialmente forte e, diria, destemido – e, algumas vezes, ousado –, gostaria de ler no futuro um bom livro fornecendo uma reflexão nova e atualizada sobre a separação de poderes em democracias constitucionais providas de tribunais constitucionais e supremas cortes fortes. Este, penso eu, é um tema urgente à espera de um dedicado e bom autor.