Alexandre Willer Melo é escritor, autor de “Maré Vazante e outras estórias” e “Nunca mais voltei” (2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é bem comum, acordo, banho, café e saio para trabalhar, ás vezes vou a academia cedo mas isso quando estou disposto, não costumo escrever de manhã, meus hábitos são mais noturnos, boêmios, é quando me sinto mais à vontade para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Noites e madrugadas são melhores para mim, algumas tardes mas nunca de manhã, muito raro, funciono melhor em outros horários. Não tenho rituais, admiro quem os tem, eu mesmo nunca tive nenhum mas, se pode ser chamado de hábito ou rotina, gosto de escrever ouvindo música, ajuda a entrar no clima e também bebendo algo, relaxa e dá uma brisa legal para ficar mais fluído na escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já ouvi muito que você deve dedicar algum período do dia para isso, tipo criar o hábito que naquela hora chova ou faça sol você vai escrever, não importa de uma ou duzentas páginas, desde que o faça. Isso não rola pra mim, talvez eu não tenha a disciplina necessária, escrevo quando sinto que chegou a hora, quando o momento dentro de mim é grande demais e precisa sair.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Talvez seja outra falha ou não, difícil dizer, eu não pesquiso, não penso muito, a ideia pode vir de qualquer lugar, frase, vídeo, filme, conversa ou seja lá o que for, acho que ela se instala e vai ruminando dentro até que ela resolve sair e quando sai é meio na catarse, flui, apenas isso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Desses todos o meu maior inimigo é a procrastinação, o resto não me afeta sinceramente, tenho trabalhado para ser menos procrastinador quanto a projetos longos, sou contistas então tudo se resolve mais rápido mas, alguns amigos de escrita estão me incitando em alçar voos maiores…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho o péssimo hábito de pessoas ansiosas de publicar logo que escrevo o que não é bom, anote aí você que escreve: NUNCA FAÇA ISSO! (risos), como outros já disseram antes de mim, você deve escrever e deixar o texto respirar um tempo e então voltar para começar a aparar as arestas. Pedir a opinião de outras pessoas é muito importante, eu costumo fazer isso sempre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo vai direto no PC, tenho me forçado a andar com um pequeno caderno de notas para não deixar ideias se perderem mas praticamente tudo sai no teclado mesmo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sou uma pessoas de hábitos, acho que já deu pra notar (risos) mas, procuro sempre estar em contato com outros escritores e com outras pessoas porque as ideias podem brotar do nada, de um trocadilho, de uma piada, uma situação, uma frase que ouvi ou algo que vi na rua mas, se há algo que é essencial para ter ideias é ler, leia muito, leia, leia e leia!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que amadureci minha escrita principalmente depois de ter mais contato com outros amigos escritores como Roberto Muniz Dias, a Cristina Judar e o Alexandre Rabelo que são para mim grandes referências hoje, eles me ajudaram a melhorar minha escrita não apenas com suas obras mas com seu apoio e amizade e achar minha voz. O que diria a mim mesmo? Que tivesse mais fé e fosse mais atirado, que arriscasse mais e buscasse estar cercado das pessoas que em entendem e apoiam.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dois que estou matutando há anos mas, escritor não fala o que é, é bicho medroso e meio egoísta mas, diria que um é sobre meu primeiro relacionamento com outro homem e outro sobre meu pai. O livro que gostaria de ler? Um que mostrasse como podemos ser menos imbecis e mais generosos uns com os outros.
Se posso finalizar, queria apenas agradecer estas pessoas pois foram muito importantes para que eu seguisse escrevendo e elas sabem porque: Giselle Jacques, Roberto Muniz Dias, Cristina Judar e Alexandre Rabelo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Não tenho um processo, muito menos sou de ficar planejando ou pesquisando sobre o que desejo escrever. Parto de uma ideia inicial que pode ter vindo de qualquer lugar, qualquer fonte e essa ideia eu geralmente anoto em um caderno o qual está quase sempre comigo, também uso o gravador do celular para registrar qualquer ideia que me apareça e elas vem a qualquer momento.
Depois disso, deixo fluir,a história se encarrega de si, ela sabe como precisa ser escrita, eu apenas faço contar. Penso que o mais difícil não é o começo nem o fim mas o meio, o que está entre é o que dá mais trabalho, não adianta começar bem e fechar com chave de ouro se o que está no meio não faz sentido ou tem qualidade.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Confesso que não sou disciplinado, talvez devesse ser mais comprometido com minha escrita mas essa coisa de sentar e se comprometer a escrever nem que seja uma hora por dia não funciona comigo. Talvez por ser muito disperso, penso e faço mais de uma coisa ao mesmo tempo, estou fazendo algo e pensando em outra coisa que desejo fazer em seguida e isso se reflete na escrita também.
Eu escrevo constantemente mas não religiosamente, sou impulsivo de momentos, não consigo ter a disciplina de sentar e escrever porque preciso, porque fiz algum tipo de promessa para mim mesmo, não cumpro nem as que faço a outros, quanto mais as que faço a mim (risos) mas sei que deveria ser mais dedicado e disciplinado, tento, faço meu melhor mas não me cobro pois sei que se o fizer ficarei frustrado e deprimido e detesto me sentir assim.
A escrita para mim é algo que deve ser sentido, orgânico, fluir, purgar, se ponho disciplina ou metas penso estar matando minha escrita o que pode soar estranho mas, é como trabalho. De verdade? O ideal é ter um meio termo, ser disciplinado mas não caxias demais, às vezes a escrita precisa respirar para poder acontecer.
Sim, faço mais de um projeto ao mesmo tempo, sou multitask hahaha.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Acho que todos nós que escrevemos já nos deparamos com essa pergunta alguma vez e as respostas são diferentes porque em cada momento eu encontro motivos diferentes que me levaram a escrever. Pode ser e é muito provável que se você me perguntar isso em alguns dias eu lhe respondo algo totalmente diferente do que respondo agora, acho que faz parte do processo de busca constante que o escritor tem, ele nunca sabe porque mas sim como e esse como já é suficiente.
O tempo do escritor não é mesmo tempo de todos, temos um tempo só nosso, corre diferente e em todas as direções, eu escrevo porque esse tempo que está fora de mim não me basta, eu preciso escrever para dar cabo de todos os tempos que tenho dentro de mim. Há quem diga que escritores ouvem vozes, são criaturas fechadas ou egocentristas, não sei, acho apenas que somos grandes caixas de ressonância dos tempos que precisamos viver.
Não lembro muito bem de quando decidi que seria escritor, acho que talvez eu sempre o tenha sido mas, a bem da verdade, creio que vesti a camisa de autor em 2010 quando lancei meu primeiro livro, foi quando realmente me vi e senti como escritor ainda que já escrevesse há tempos antes disso mas, se posso dizer, não se preocupem tanto com o nome ESCRITOR, parece algo meio empáfia e não é, se você escreve, não importa o que seja, onde seja, você é um escritor, se alguém está lendo o que você escreve, você é um escritor.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Outra pergunta difícil, geralmente nós escritores temos certa dificuldade em reconhecer quem ou o que nos influenciou, eu pelo menos tenho muita.
Minha formação como leitor e, por tabela, como escritor (ainda que não tenha enveredado por essas vertentes) foram a ficção científica, terror, fantasia e contos, não admira que meus dois livros, ‘Maré Vazante’ de 2010 e ‘Nunca mais voltei’, que deve sair ainda em 2020, sejam de contos. Entre esses gêneros, posso destacar Asimov, Ray Bradbury, HP Lovecraft, Juleio Verne, Rubem Fonseca, Drummond e por aí vai, já me falaram que tenho muito do Caio F. Abreu o que me deixa lisonjeado mas nunca vi isso nas minha escrita.
O que sei é que sou muito ‘esponja’, explico, quando leio algo mexe muito comigo, fatalmente o que escrevo em seguida ou inspirado por isso sai com aquela influência, meu estilo então e não ter estilo eu acho.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Tarefa ingrate essa, hein?
Bom, vamos lá.
Como sou gay e ando muito próximo da obra de João Silvério Trevisan recomendo seu ‘Devasso no Paraíso’, o mais completo e abrangente estudo sobre a homossexualidade no Brasil desde o descobrimento até a atualidade. Se você é LGBTQ e quer entender de onde veio, onde está e para onde pode ir, precisa ler esse livro.
Outro livro que recomendo e que li não faz muito tempo é ‘Neve Negra’ do Santiago Nazarian, não conhecia sua obra e o livro simplesmente me tomou com sua narrativa de horror e simbologia únicos, recomendo!
O terceiro livro não seria um livro mas qualquer HQ do Jeff Lemire, na minha humilde opinião, o melhor auto de HQs da atualidade.
Claro, são apenas três exemplos, há muitos autores ótimos por aí que merecem a atenção do leito e, se posso citar, recomendo que leiam o Roberto Muniz Dias, Cristina Judar e o Alexandre Rabelo, tem também um poeta novo chamado Gabriel Sanpêra que merece muito ser lido, gente que está aí escrevendo e produzindo literatura de qualidade.