Alexandre Staut é autor de “Paris-Brest” e editor da revista São Paulo Review.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando estou sem trabalho fixo, acordo, tomo um café preto e já vou para o computador. Tenho a impressão de que a manhã é o melhor horário para escrever literatura. No meu caso, pela manhã, ainda estou imerso no mundo dos sonhos. E isso ajuda na hora de criar. Se deixo para depois, o censor interno vem me dizer que há coisas mais importantes na vida do que escrever livros, principalmente os de ficção. Acontece que, neste momento, tenho um trabalho fixo das 9h às 18h. Então escrevo quando surge um tempinho no meio da rotina, ou então aos fins de semana e feriados.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã. Além de estar mais no mundo dos sonhos do que no real, parece que a mente está limpa, sem os afazeres do dia a dia. Não costumo ter rituais. Apenas digo a mim mesmo: “Agora é preciso parar todo o resto e escrever”. Algumas vezes consigo, outras não.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou com um projeto em andamento, tento trabalhar todos os dias. Mesmo que só consiga abrir o arquivo trabalhado e ler os parágrafos escritos nos dias anteriores.
Nunca trabalho com metas diárias. Às vezes, escrevo um único parágrafo e sinto que o dia está ganho. Há outros em que escrevo uma lauda inteira, ou duas, mas fecho o arquivo com uma sensação de derrota.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para meus livros de ficção, como o romance “O Incêndio”, que estou lançando agora, quase não há pesquisas. Há uma tentativa de rememorar fatos, mas que nem sempre são reais. Este livro é sobre uma biblioteca incendiada criminalmente por uma prefeitura. A matéria-prima foi a biblioteca da cidade de Pinhal (SP), onde passei a infância. Em todo caso, costumo compilar muitas palavras e frases que pretendo usar nos meus livros. Se estou na rua e aparece uma ideia, paro e mando um e-mail para mim mesmo. Mas nem sempre esse suposto insight funciona na hora da escrita. Muitos desses e-mails acabam sendo descartados. Para meus livros de gastronomia-antropologia, como Paris-Brest, faço alguma pesquisa em livros, principalmente nos de gastronomia. Coleciono livros desse gênero. E os de antropologia também. Tenho bastante material em casa. Também vou a sebos. Numa viagem recente por Paris, Londres e Bruxelas, passei bastante tempo remexendo prateleiras de sebos. Na hora de trabalhar esses textos de não-ficção, procuro fazer um mix de histórias que ouvi nas ruas, trechos de livros que li, experiências que vivi.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nélida Piñon costuma dizer que, todos os dias, batem à nossa porta dizendo: “Pare de escrever.” Acredito, então, que o lance é resistir e vencer a preguiça e outros males da vida. Nos meus cursos de escrita criativa costumo fazer paralelo entre o ato de escrever ao trabalho de uma bailarina ou um atleta olímpico. É preciso escrever muito. Treinar sem parar. Um bailarino treina sete horas por dia, de segunda a sexta-feira, para passar meia hora no palco. Um atleta rala horas e mais horas para uma competição que pode durar alguns poucos segundos. O trabalho constante diminui a ansiedade ligada à escrita e à publicação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dezenas de vezes. Sempre mudo muita coisa. Faço edições. E parece que nunca é o suficiente. Monteiro Lobato dizia que a gente revisa um livro mil vezes, passa por profissionais, amigos; depois do livro pronto, abre uma pagina e lá está o erro, pulando à nossa cara como um saci.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. Anoto frases dispersas, e depois tento dar alguma ordem a elas. Às vezes, enlouqueço. Durmo e acordo pensando nos personagens e cenas dos meus livros. Lygia Fagundes Telles diz que, às vezes, o autor enlouquece para facilitar a vida do leitor.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Devem vir da alma, de uma necessidade de ouvir e contar o mundo. Sou muito ligado à historia oral. Quando meu pai morreu eu tinha sete anos e fui morar com minha avó, sua mãe. À noite, deitávamos na sua cama, eu, ela, e uma tia. Ela contava causos do interior. As visitas que vinham nos ver participavam da contação. Só mais tarde fui perceber que aquilo servia de bálsamo para diminuir a dor, as histórias eram nosso oráculo. Tive muitas Sherazades à minha disposição na minha infância. A essência da minha escrita vem daí. Tanto é que três dos meus livros trazem histórias bem particulares da minha cidade e do meu mundo particular infantil. Em Jazz band na sala da gente, meu primeiro romance, faço a biografia romanceada do meu avô, pai do meu pai, que foi jazzista e dono da funerária da cidade, nos anos 1940. Em Um lugar para se perder, os personagens são os moradores do asilo de mendicância que eu visitava com minha avó e tia, nos anos em que morei com elas. Em O incêndio, um bibliotecário de uma cidade do interior fala sobre a sua rotina, relembrando a sua infância e a descoberta dos livros. A matéria-prima foi minha própria descoberta da biblioteca.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
A escrita muda conforme eu mudo. Reescreveria todos os meus livros, melhorando-os. Para mim livro é algo vivo, e pode mudar. Alguns autores fazem isso. Otto Lara Resende reescreveu várias vezes seu único romance, O braço direito. É dele a frase: “Mudei tanto, que o livro podia se chamar O braço esquerdo.” Murilo Mendes também melhorou muita coisa. Lygia Fagundes já citada aqui passou os últimos anos reescrevendo e melhorando seus livros.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de fazer o inverso do que se faz quando a obra vai ao cinema, e escrever em formato de romance o filme O garoto selvagem, de François Truffaut. Acho que este seria o livro que gostaria de ler.