Alexandre Schwartsman é doutor em economia pela Universidade da Califórnia, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC e colunista da Folha de S. Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Se há alguma coisa que tenho é uma rotina. Acordo cedo quase todos os dias para pedalar. Durante a semana em torno de uma hora; já no fim de semana pode ir longe, caso haja uma estrada, mas, no mínimo, uma hora e meia. Apesar disto, ler os jornais é quase um ato religioso: Financial Times, o Pravda (perdão, Valor Econômico), Estadão e Folha. Tudo regado a Nespresso, em geral uns 4 ainda antes das 8 da manhã.
Dou ainda uma checada nos blogs que sigo, principalmente de economia, mas cada vez mais de política.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã. A cabeça está fresca, ainda mais depois de pedalar. Por outro lado, se a leitura segue um ritual, escrever nunca me demandou isto. Como regra, sento e escrevo: é minha atividade profissional, e jamais me fez sentido qualquer espécie de “ritual” para isto. É como se perguntassem a um engenheiro, médico, ou advogado se fazem alguma coisa antes de começar a trabalhar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quase nenhuma meta. No caso das colunas para a Folha, onde há uma data limite para a entrega, eu me proponho a ter a coluna 95% pronta na segunda-feira. Terça fica para a revisão final.
Já os textos que preparo para meus clientes têm dinâmicas distintas. Há eventos que requerem análise “quente”, como uma decisão de política econômica, algum evento surpreendente. Aí a meta, se cabe o termo, é preparar a melhor análise possível no espaço mais curto de tempo, porque há dezenas de outros economistas escrevendo a respeito e quem chega primeiro no cliente leva alguma vantagem.
Outros relatórios têm gestação mais longa, pois dependem de pesquisa anterior. Aí podem durar semanas, a depender da trajetória da pesquisa: se os resultados saíram rapidamente, ou não; se resistem à análise crítica; se o relatório em si parece estar bom, ou não.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Se a pesquisa está boa, o relatório praticamente se escreve. Há casos, nem sempre, que até mesmo a introdução a um relatório, que, em tese, deveria ser a última parte a ser escrita, acaba sendo a primeira, se, bem entendido, os resultados da pesquisa forem tão fortes que levem a um nexo muito claro a pergunta que foi feita e a resposta a que chegamos.
Nem sempre é assim. Às vezes é só no processo de escrever o relatório que percebo algumas das consequências que resultam dos dados, ou do modelo teórico que se encontra por trás da análise.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Minha experiência com trabalhos longos é limitada a duas teses (mestrado e doutorado) e dois livros, o que, em mais de 30 anos de carreira, não chega a ser tanto. No caso das teses, houve diferenças marcantes entre o mestrado e doutorado.
Curiosamente, a de mestrado saiu mais facilmente. Não houve, em momento algum, medo, ou ansiedade. Já no que se refere à tese de doutorado, talvez por ser no exterior, talvez por ter colocado o sarrafo no que me pareceu ser um nível elevado, houve mais de um momento em que receei não corresponder, em particular no terceiro, e último, ensaio. Travei numa questão técnica e, se não fosse meu orientador, provavelmente ainda estaria travado lá.
Já quanto a livros, houve duas experiências: uma boa e outra ruim. O que escrevi em co-autoria com o Fabio Giambiagi foi produzido rapidamente, porque o Fabio sabia o caminho das pedras e eu apenas tive que segui-lo. Já no caso do outro, a procrastinação venceu: abandonei o projeto porque senti que não dava conta da dedicação necessária para algo com mais fôlego do que me acostumei nos últimos anos.
Por outro lado, no caso das colunas semanais e relatórios as ansiedades jamais apareceram.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
As colunas algumas vezes: são texto curtos e releio várias vezes, das quais pelo menos um em voz alta, não só para pegar eventuais erros de gramática, mas também porque gostaria que elas tivessem uma oralidade de uma boa crônica. Desnecessário dizer, apenas umas poucas chegaram lá; a maioria, a imensa maioria, me soa como texto escrito, não algo que alguém pudesse falar numa conversa informal.
Já no caso dos relatórios, supostamente mais técnicos que as colunas, consegui este objetivo mais vezes e sem tanta necessidade de revisão, mas eles são escritos em inglês, língua que parece mais maleável a este tipo de abordagem.
Isto dito, todos meus relatórios (mas não as colunas) passam pela revisão do meu filho, parceiro de crime e antes, quando trabalhava em bancos, também. Sou ciumento com o que escrevo, mas aprendi que em vários casos um olhar diferente melhora o produto final.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador, desde que tive um computador. No caso da tese de mestrado, cada capítulo teve três versões escritas à mão, sem contar o esquema estipulando a ordem do raciocínio. A partir, porém, do momento em que tive o computador, já saí escrevendo na tela, se bem que, em uns poucos casos, também cheguei a rabiscar esquemas que pudessem me orientar ao longo do processo. Há muitos anos não faço esquemas: simplesmente sento e escrevo; se necessário, apago, mudo coisas de lugar, corrijo o que for necessário.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sou escritor de ficção; aliás, nem sei se escritor sou. A maior parte das ideias vem dos debates correntes acerca do que ocorre na economia. Aí, o que preciso é ficar atento, com os quatro jornais do dia, trazendo não apenas notícias, mas também, e principalmente, opiniões.
Bem que gostaria de pensar seis coisas impossíveis antes do café da manhã, mas, como regra, não preciso. Posso contar com seis opiniões das quais discordo ao longo da semana: o resto é só alegria.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Fiquei, espero, menos prolixo, efeito colateral da limitação do espaço das colunas de jornal (3200 caracteres para a Folha) e da atenção de clientes, que não lerão um relatório maciço, por mais prazeroso que seja escrevê-lo. Se pudesse voltar, principalmente no que se refere à tese de mestrado, diria, “menos, Alexandre, menos”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de ter talento para a ficção e escrever um romance histórico, talvez passado no reino de Judá, à época da consolidação da monolatria, mas isto não vai acontecer.
Quanto ao que não existe, qualquer coisa que exista hoje apenas na cabeça do Raduan Nassar.