Alexandre dos Santos Cunha é doutor em Fundamentos da Experiência Jurídica pela UFRGS e técnico de planejamento e pesquisa do IPEA.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre começo o dia alimentando os gatos. Trata-se de uma tarefa impossível de esquecer, porque eles não permitem. Depois, posso me preocupar em organizar o café da manhã, acordar minha filha, vestir-me e ir para o trabalho. Em regra, o início da manhã é um momento familiar em que ainda não estou aberto a estímulos externos. Ao chegar ao escritório, posso me informar sobre as principais notícias, organizar minhas caixas de correio e listar as atividades que devo e serei capaz de desempenhar ao longo do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende bastante do tipo de trabalho. Durante o dia, desempenho melhor tarefas que requerem interação, tais como entrevistas ou reuniões. Também é o melhor horário para escrever correspondência, corrigir trabalhos, redigir textos curtos, notas técnicas ou pareceres, produzir ou analisar dados. Entretanto, quando preciso de muita concentração para produzir um texto de fôlego, funciono melhor à noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Por formação, sou muito obsessivo com a estrutura do trabalho. Por essa razão, não escrevo enquanto o texto não estiver integralmente montado em minha mente. Logo, quando começo a escrever, geralmente o faço em um período concentrado e relativamente curto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A transição da pesquisa para a escrita passa necessariamente pela construção da estrutura do trabalho. Ao estruturar aquilo que virá a ser o texto, emergem as eventuais insuficiências da pesquisa, obrigando ao retorno aos dados ou à literatura. Mas, uma vez que tenha atingido uma estrutura satisfatória, não é difícil passar à escrita. Sempre escrevo o texto inteiro, começando pela introdução e terminando pela conclusão, na mesma ordem em que se apresenta ao leitor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O principal antídoto para procrastinação é a existência de um prazo. A maior parte de minha produção resulta de esforços coletivos de pesquisa, inseridos no contexto de projetos longos e complexos. Quando se trabalha em equipe, o estrito respeito aos prazos e ao cumprimento de metas intermediárias é absolutamente essencial. Nesse contexto, não sobra muito tempo para ansiedade, nem para medo. No final, suas expectativas acabam reduzindo-se a garantir que tudo se conclua no prazo previsto e de acordo com as metas pactuadas. Evidentemente, nem o melhor planejamento é capaz de evitar que, em algum momento, a escrita trave. Quando isso acontece, necessito de movimento para pôr as ideias em ordem. Quando morava em Porto Alegre, caminhava na beira do Guaíba. Em Brasília, dou umas duas ou três voltas na quadra.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o texto várias vezes. Escrevo sempre do início para o final. Quando, por qualquer razão, preciso interromper a escrita, volto à primeira linha e releio o texto inteiro, até chegar ao ponto a partir do qual devo continuar. Assim, o texto acaba sofrendo revisões sucessivas. Também tenho por hábito organizar seminários de debate e circular o texto antes da publicação, de modo a receber a crítica de meus colegas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou de uma geração de transição tecnológica, que ainda escreveu à mão e depois datilografou seus textos, mas hoje escrevo apenas no computador. Entretanto, ainda utilizo listas, esquemas ou diagramas escritos ou desenhados à mão, como suporte.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como pesquisador profissional, muito do meu trabalho resulta de demandas externas. Quanto aos meus interesses pessoais de pesquisa, o importante é cultivar o hábito de manter um olhar curioso sobre o mundo. Todos devemos conhecer a literatura de nossa área, mas também precisamos saber o que vem sendo feito por pesquisadores em outros campos, compreender os problemas que os preocupam e manter-se atualizado sobre as transformações que vêm ocorrendo. Um olhar direto sobre a realidade, não mediado pela ciência, é absolutamente fundamental. Quais problemas vislumbro no mundo contemporâneo e para os quais posso contribuir com soluções? Essa pergunta deve ser frequente e, de preferência, prospectiva. Afinal, todo esforço de pesquisa consome tempo, e os melhores problemas nunca são os urgentes, mas aqueles que se tornarão urgentes. Se o pensamento prospectivo é um elemento importante, a arte é uma necessidade. O pensamento livre das limitações impostas pela realidade é essencial para alargar os horizontes de espaço e tempo. Conhecer e vivenciar outras culturas também.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A redação da minha tese constituiu o ponto de inflexão para uma abordagem mais empírica dos problemas, o que tem consequências importantes no modo como se escreve. Seria tentador voltar atrás e aconselhar-me a radicalizar esse processo, mas essa atitude eliminaria uma transição necessária, intelectual e psicologicamente. Creio que o máximo que poderia dizer para mim mesmo seria “fique tranquilo, que vai dar tudo certo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Neste exato momento, ando em busca de uma história da justiça juvenil paraguaia e não estou encontrando em lugar nenhum. Se ela não existe, gostaria muito que existisse. Quanto à outra pergunta, penso que não existe um projeto que se queira fazer e que não tenha sido começado. Afinal, na medida em que um projeto é desejado, isso significa que já começou.