Alexandre Callari é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho nenhuma rotina. De manhã costumo ser imprestável. Como treino artes marciais à noite, chego em casa agitado e vou dormir tarde. Assim, de manhã, levo uma meia hora pra entrar no prumo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Durante muito tempo lutei contra o despertador por ser obrigado a acordar cedo, algo que sempre me devastou. Não devemos lutar contra nosso relógio biológico, mas abraçá-lo. Felizmente, há alguns anos, consegui a autonomia de poder acordar tarde; isso desde antes de trabalhar apenas no Pipoca, quando ainda estava na Mythos. Assim, rendo mais. Começava a trabalhar tarde e ficava até mais tarde. Depois ia para o treino e chegava em casa lá pelas 22 horas. Após o jantar, gosto de assistir a filmes ou séries. Nos períodos em que estou trabalhado em um livro, a sessão de cinema noturna precisa ser abolida, e começo a escrever de madrugada, o que faço por horas a fio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo, entro em um processo febril e o faço todos os dias (ou melhor, todas as noites). Mas não trabalho com metas, pois o texto não avança de forma linear. Há sequências fáceis de serem feitas e outras mais complicadas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é bem diferente do usual. Em geral, não consigo escrever enquanto não tenho a ideia toda fechada na cabeça; enquanto não vejo literalmente um filme passando pela minha mente. Sempre que tentei escrever sem essa definição, acabava em um beco sem saída, num bloqueio criativo. Isso significa que a redação do texto em si é relativamente rápida uma vez que essa etapa do processo tenha acabado, contudo, a história pode ter passado meses maturando na minha cabeça (talvez anos). Mas não sou rígido e inflexível quanto ao processo de produção. Permito que as coisas sejam alteradas ao longo do caminho e, após o primeiro esboço, o texto sofre dezenas de revisões, em geral corando redundâncias. Tenho tendência de escrever demais, então, gosto de submeter o texto a leituras críticas e escutar opiniões, sem deixar meu ego se abalar por isso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Bloqueios criativos costumam ser resolvidos por algumas pausas; não necessariamente no trabalho em si, mas numa cena em particular. às vezes não sei como resolver determinada sequência; faço uma anotação mental e sigo em frente, sem me preocupar muito. Em dado momento, a solução retorna para mim. Mas, como disse, fico muito tempo maturando a história, de modo que, quando sento para escrever, ela já está 80 ou 90% completa na minha cabeça. Quanto a corresponder às expectativas, tento não pensar a respeito. Sempre queremos dar o nosso melhor, claro, mas estou sob escrutínio público há muito tempo, desde quando era músico profissional e precisava lidar com as críticas referentes aos CDs da minha banda, o Delpht. Você acaba se acostumando com isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dezenas de vezes. E costumo pedir que pessoas de confiança façam uma leitura crítica.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No computador. Sem chance de escrever à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Do mundo que nos cerca, das minhas próprias experiências, de tudo aquilo que li, vi, vivi, provei, aspirei ou temi. O conjunto de uma obra de um escritor não é algo diferente do que ele próprio é; os aspectos positivos e os negativos reverberam na sua obra. Dizer algo diferente disso é, no mínimo, ingenuidade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu era mais visceral, mas dominava menos a língua. Hoje procuro um equilíbrio entre ambas as coisas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todos os dias passam dezenas de histórias pela minha cabeça. Gostaria de ter mais tempo para escrever mais, mas também que o público pudesse consumir mais. Um livro por ao ou um livro a cada dois anos (ou mais) me parece muito pouco. Queria tentar a sorte com um projeto mensal, algo de amplo volume, em que pudesse externar todos os demônios de uma só vez. Infelizmente, sei que não acontecerá. Assim como sei que não acontecerá o livro dos meus sonhos: uma continuação de Watchmen, escrita por Alan Moore.