Alexandre Arbex é escritor, autor do livro de contos Da utilidade das coisas e do livro infantil O livro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia sem grandes esperanças. Na metade da semana em que minha filha dorme comigo, a rotina matinal consiste em acordá-la às 6h30, preparar a primeira refeição dela e fazê-la chegar à escola com o menor atraso possível. Na outra metade da semana, estendo um pouco o sono da manhã e sigo atordoado e faminto para o trabalho. Não escrevo cedo, mas é por essa hora que frequentemente me ocorrem ideias e soluções para cobrir os lapsos deixados pelo sono num texto que abandonei na madrugada anterior.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor de noite, já entrando pelo início da madrugada. Meu ritual resume-se a fazer um café e, enquanto o deixo esfriar, ler umas nove ou dez páginas de um escritor, uma escritora que eu admire ou cuja obra me atraia pelo estilo, pelo argumento ou por razões ligadas especialmente às minhas dificuldades na produção de um texto determinado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha meta é escrever todos os dias. Quando passo um dia sem escrever – falo do texto com pretensões literárias, ainda que mal sucedido –, fico com a impressão de ter perdido a vez e com receio de me desconectar da prática da escrita a ponto de desaprendê-la. De modo geral, quando percebo que o texto não vem e o cansaço começa a embaçar os olhos, eu me limito a alinhavar na tela uma sequência de frases desordenadas, de imagens soltas, de possíveis desfechos para parágrafos que se perderam pelo caminho, apenas para que, no dia seguinte, tenha uma matéria-prima a partir da qual possa retomar o trabalho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que o texto pode começar quando já dispõe de um argumento central, de uma boa frase para o início e de um final mais ou menos delineado, provisório, passível de ser modificado, invertido ou completamente descartado a depender dos rumos que a história for tomando. Sou incapaz de traçar planos detalhados para um enredo ou mesmo de esboçar a estrutura simples de uma história premeditada. Já me empenhei em adotar outros métodos, em construir esquemas de longo prazo para um texto, mas creio que minha angústia em relação à morte me tornou irremediavelmente avesso à ideia de futuro. A rigor, considero a escrita uma atividade material, corpórea: as questões do texto e seus equacionamentos se sucedem no correr do ato de escrita, no percurso próprio das palavras a partir de uma direção provisória que sempre pode deslocar-se. Quando tenho, digamos, uma primeira massa textual, inicio então o trabalho literário propriamente dito: procuro distinguir onde está efetivamente o fio da história que desejo contar e vou despojando o texto de seus excessos e impertinências.
Pesquisas adicionais me têm sido cada vez mais necessárias, sobretudo porque a preferência pelo absurdo, por uma vaga ideia de desconstrução da normalidade – mais ou menos recorrente no que venho escrevendo – exige, para ser eficaz, o recurso à verossimilhança e ao realismo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A rotina da paternidade e do emprego me reserva pouco tempo livre, mas a disciplina auto-imposta de escrever todos os dias, nas brechas do sono, felizmente não deixa muito espaço para as travas da escrita. Meus períodos de procrastinação são geralmente ditados por circunstâncias externas, por impedimentos objetivos que me obrigam de alguma forma a me afastar do texto. Creio que o medo de frustrar expectativas e a ansiedade de chegar depressa ao final de um texto recém-começado sejam sentimentos comuns a quem escreve, uma deformação psicológica do ofício, e não há outra maneira de lidar com isso que não a insistência sistemática, às vezes obsessiva, no exercício da escrita. Criar uma rotina de trabalho, que renove dia a dia a sensação de que se está avançando, também pode ser uma ilusão útil e produtiva.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso repetidas vezes meus textos, diria que até a fadiga das retinas e a exaustão dos meios. Escrever, para mim, é reescrever. Eu me considero melhor leitor que escritor, então o grau de exigência da minha leitura está sempre alguns passos à frente de minha capacidade de escrever. Esse descompasso tem a desvantagem de me expor a decepções frequentes em relação ao que escrevo, mas, em compensação, mantém desperto o espírito crítico.
Quando um texto me parece ter tomado forma, envio-o a um amigo meu, em cujo juízo literário confio irrevogavelmente, e lhe peço um veredito provisório. Ele é como um crítico particular e tem referências literárias muito próximas das minhas: se ele gosta do que escrevo, imagino que há chance de outras pessoas gostarem também; se não gosta, desisto do texto e testo outra direção. O trabalho literário evolui sempre um pouco às cegas, às vezes a gente se empenha tempo demais em uma história que, depois de cinquenta páginas, pode revelar-se inviável. Tenho a sorte de contar com um leitor externo, generoso e perspicaz, capaz de pontuar os problemas e as virtudes de um texto em andamento.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tomo notas à mão antes de dormir, quando estou na rua ou nos tempos mortos da rotina, mas escrevo, para valer, no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Parte das ideias vem de outros contos, geralmente de uma frase mal compreendida que assume na leitura espontânea um sentido inesperado. Esse desvio às vezes desemboca num argumento novo para um conto, inteiramente diverso do tema da narrativa que estou lendo, mas não me dá mais que um ponto de partida, um indício precário. Outro procedimento que adoto com frequência, quando estou em busca de um assunto, é distorcer até o absurdo um caso prosaico que tenha ouvido por aí, numa fila de mercado, no rádio, num balcão de loja. Um método sempre fecundo para pensar novas histórias – sem necessariamente conseguir escrevê-las – é deturpar, descortinando-a, a normalidade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Passei a escrever com mais dificuldade, mas com uma noção um pouco mais clara do que quero de um texto. Acho que, quando comecei a escrever, me deixava impressionar mais por experimentações de estilo, aliterações, neologismos e coisas do tipo, mas hoje já considero suficientemente complicado escrever uma história com início, meio e fim, que possa, por exemplo, ser reproduzida por um relato oral sem perder sua substância.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ainda é bastante longa a lista dos livros já existentes que eu gostaria de ler. Quando entro numa biblioteca, numa livraria e me deparo com as estantes abarrotadas de livros que nunca lerei, me sinto desolado, vencido pela impressão de que não há mais nada a acrescentar. Não tenho um programa de trabalho para o futuro, embora cultive, como todo mundo, uma pequena soma de projetos de vida indefinidamente adiados.
Acho que eu tinha uns oito ou nove anos de idade quando li numa dessas revistas de consultório uma entrevista com um escritor estrangeiro, presumivelmente famoso, que afirmava mais ou menos o seguinte: se eu preciso ler um livro, eu mesmo o escrevo. Essa citação ególatra ficou gravada na minha memória junto com centenas de outros equívocos da infância. Hoje, parto do princípio de que tudo já foi escrito, aliás, tudo já foi escrito há muito tempo. O mais difícil é saber encontrar nessa floresta exasperante de textos os atalhos que nos levam às obras necessárias: são elas que renovam em nós a necessidade de escrever.