Alexandre Abdal é professor do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tento. Nem sempre consigo seguir a rotina que gosto, mas sempre que posso eu a tenho. Minha rotina ideal começa com um bom café da manhã seguido da leitura de jornais. Embora já tenha experimentado versões digitais, tenho apreço e carinho pelo jornal impresso. Sinto o jornal impresso como mais saboroso, gosto do seu cheiro e do seu tato. Gosto de sujar as mãos. Uma coisa que me deixa incomodado no digital é a sua aspiração de limpeza.
Depois de ler o impresso, um jornal de grande circulação, se sobra tempo, dou uma passada em alguns jornais digitais, que não possuem versão impressa, como Nexo e El País, cuja profundidade julgo superior.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de trabalhar (escrever, ler, preparar aulas) de manhã. Sinto-me melhor e mais disposto nesse horário. Agora, isso nem sempre é possível, seja porque as manhãs estão ocupadas com outras coisas, como aulas, seja porque a demanda é grande ou o prazo é curto. Aí, opto por escrever à noite. Embora me sinta cansado e compense no café, a noite é um horário em que (quase) todos dormem, telefone não toca, e-mail não chega…
Perdi os rituais (superstições, na verdade) para escrever há muito tempo. No começo, achava que tinha de “ler tudo e mais um pouco” para escrever. Com o tempo, aprendi que isso não é verdade e que o melhor é sentar e escrever, mesmo tendo dúvidas ou estando inseguro. O máximo que vai acontecer é eu jogar tudo fora no dia seguinte e começar de novo. Além disso, com o abandono da máquina de escrever (pelas gerações anteriores à minha) e a adoção do computador, o escrever se tornou, principalmente, um trabalho incremental. Sempre é possível mudar ou editar algo, trocar de lugar, passar para outro documento, guardar para depois etc.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito da demanda e dos prazos. Atualmente, sinto que “trabalho por produtos”: tenho de fechar tese de doutorado, bom, quando é o prazo final para depósito? Tenho de entregar o artigo, bom, quando a edição fecha?
Contudo, com a minha estabilização como professor, no dia a dia, leio e preparo muito mais aula do que escrevo. Pelo menos para mim e, suspeito, para a maioria dos dedicados à vida acadêmica, a escrita (de relatórios de pesquisa, de artigos etc.) tendeu a se concentrar nos períodos de férias escolares.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Já falei um pouquinho disso na resposta anterior. Mas sempre que vou escrever algo, não importa o caráter e o tamanho, gosto de começar pelo esboço de um esquema. É esse esquema, ou plano, que vai guiar a escrita. Agora, o que gosto é que, em geral, quando comparo o resultado com o esquema inicial percebo o quão diferente são! Em “linguagem matemática”, T1 é muito diferente de T0. É como se na e pela escrita o texto ganhasse vida própria. Em trabalhos mais autorais isso tende a ser lindo, mas quando se trata de trabalhos mais formais ou fechados, como prestações de contas, relatórios de pesquisa ou mesmo textos em parceria isso pode vir a ser um problema.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Olha, não que eu seja super bem resolvido, mas prefiro não pensar nessas coisas. Sentar e escrever é a melhor solução!
Atualmente, minha maior fonte de insegurança é a sensação de que “não vai dar tempo”. Esse “não vai dar tempo” aparece muito fortemente na forma de pedidos por mais prazo, atrasos e/ou encerramento do trabalho não quando eu o julgo satisfatório, mas quando o prazo acaba. Aí, a sensação é ambígua: por um lado, alívio por ter terminado (“se livrado”). Por outro lado, angústia: dessa vez deu, mas e da próxima?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho um processo de escrita que sempre que eu sento para escrever eu gosto de começar pela leitura e revisão do que eu escrevi no(s) último(s) dia(s). Nesse sentido, a revisão é constante e cotidiana. Quando acabo algo (e sobra tempo), também gosto de deixar o texto descansando e retomá-lo em, digamos, uma semana.
Para além da autorrevisão, pelo menos em trabalhos importantes (livros, tese, artigos específicos) vejo como fundamental ter um revisor profissional, que possa fazer, pelo menos, duas leituras.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha geração (anos 1980) é do computador. Na maioria das fases, mesmo aquele esquema é feito no computador. Agora, não sou um cara super-hiper-fanático pela tecnologia. Como disse na primeira questão, prefiro o jornal impresso. Também prefiro o livro em papel: praticamente não leio no computador e afins. Interessante notar que há uma forte dissociação aqui: se escrevo só no computador, dificilmente o uso para ler.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como acadêmico-professor-pesquisador que sou, insumos só podem vir da atividade de observação da realidade, ou seja, da pesquisa. Essa “pesquisa” pode assumir muitas formas particulares, mas, em geral, refere-se à pesquisa de campo, pesquisa em dados secundários, pesquisa documental ou leitura de bibliografia. Além disso, a atividade mais ou menos cotidiana de confronto (no bom sentido) dessas ideias com outras, também baseadas em pesquisas, mas de outras pessoas, possibilita que a consistência daquilo que fazemos seja testada.
Nesse sentido, não existem ideias que vêm do nada. Nesse sentido, não acredito em “inspiração” enquanto algo que baixa ou incorpora.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Socorro! Não quero voltar à minha tese. Pelo menos não agora… Sinto que sou doutor há muito pouco tempo e ainda não cresceu em mim nenhuma vontade de retomá-la. Na própria tese escrevi uma carta aberta à banca examinadora na qual traçava relações entre a tese e o seu contexto de produção. Embora algo pouco comum em teses de doutorado, esse tipo de reflexão é absolutamente comum na tradição do pensamento sociológico. Ao longo da carta busca refletir sobre alguns dos condicionantes do processo de produção da tese e uma coisa que ficou muito claro para mim foi que, em vários sentidos, ela fechou um ciclo em minha ainda curta trajetória acadêmica. Cheguei, inclusive, a usar o termo “acerto de contas”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Olha, gostaria muito de aventurar-me na literatura. Talvez, de alguma forma que pudesse fazer convergir literatura e sociologia e/ou literatura e métodos e técnicas de pesquisa em ciências sociais. Mas esse, sinto, ainda é um projeto para um futuro não muito próximo.
Eu adoro ler literatura e existem muitos livros que quero ler! Neste mês, iniciei a leitura da Ilíada, de Homero e tradução de Haroldo de Campos. Trata-se de uma obra que sempre me fascinou, mas que impunha certo medo que me fazia postergar a sua leitura. Agora, criei coragem e comecei a lê-la. Se puder citar mais um livro que quero ler e que goza de situação semelhante à Ilíada é o Mil e uma noites: comprei a nova tradução já faz alguns anos e ainda não a tirei da fila…