Alessandro Araujo é escritor, autor de “Longe de todas aquelas nuvens”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Café. A varanda do apartamento e a cidade completa de si. Mais café. Entre os passos pela casa consigo dispensar, antes da ida ao trabalho, atenção para algumas linhas ou capítulos de alguma narrativa. Em maior quantidade ou em menor. Depende da complexidade e dos dias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Noite. Sobretudo de sentir as horas e minutos avançarem enquanto eu escrevo. Mas não há um ritual, preparação… Nada disso. A concentração é uma imersão para mim. Retomo o antes. As linhas e ou capítulos anteriores, assim posso novamente alcançar os momentos psicológicos, as sensações, os desejos e conflitos de cada personagem ou ficção em que estou trabalhando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho a meta diária de escrever por duas horas. Seja no metrô, ônibus, trajetos de ida e volta. Já escrevi cenas inteiras sentado no banco de um transporte público. Também durante o almoço, engolindo rápido, rabiscando em cadernetas (que levo sempre comigo), construções de personalidade de personagem e ou de estética narrativa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não sou um escritor pesquisador. No meu processo e construção de escrita, coloco os sentidos em primeiro. A liberdade criativa. As emoções não expressas nunca morrem. Costumo tomar nota dos gestos, das sensações momentâneas e possíveis ações dos personagens que estou construindo. Depois, que eles estão firmes e tomam forma, começo a escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não dou peso para as travas de escrita. O cansaço físico é mais danoso do que a trava. Uma vez Marçal Aquino me disse “escrever cansa”. E é verdade. Isso não é só medido em quantidade, mas quando estou imerso em uma narrativa, tenho um forte cansaço físico.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso e repasso tudo. Mas o perfeccionismo é perigoso. A jornalista Mirela Leme, minha esposa, amor, é a primeira a ler. Ela faz apontamentos, correções, falamos dos personagens em casa como se eles realmente existissem. Contudo, acredito que está pronto para a publicação quando a minha verdade está lá representada. Quando o meu melhor está nas folhas, linhas e páginas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia é efêmera, né? Ela não está no comando no meu processo criativo. No entanto, escrevo primeiro no papel, em cadernetas. Mas, caso esteja sem, escrevo alguma frase ou marcação no bloco de notas do smartphone. Ainda assim prefiro os papéis para construir tramas, conflitos e desfechos de cada capítulo. O computador vem depois. Um músico, por exemplo, faz muitos ensaios antes de uma apresentação. No meu caso, os cadernos e folhas são uma espécie de composição. Para depois, seguirem para a publicação.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não possuo hábitos para alcançar a criatividade. Muitas vezes, a ideia aparece numa plataforma lotada do metrô ou enquanto realizo alguma tarefa rotineira pela cidade. Escrevo muito enquanto não estou escrevendo. Mas, quando estou muito envolvido na construção de uma narrativa e trama, ela transcorre naturalmente. A falta de tempo atrapalha bastante. E paulistano é assim, sem tempo. Não me orgulho disso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se eu voltasse ao meu primeiro texto reescreveria tudo? É uma evolução, penso que eu mudo. E estudo muito e leio ainda mais para evoluir como escritor. Mas eu não reescreveria nada. Cada linha feita obteve o resultado do meu trabalho naquele período. Está preso no tempo. Nos ponteiros do relógio.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos presos em papéis avulsos e outros muitos rodeando os meus pensamentos. Não conto. Não gosto de contar muito sobre um trabalho ainda em andamento. Porque ele pode mudar de percurso e trajetória. Eu gostaria de ler um livro de correspondências entre Juan Carlos Onetti e Carlos Drummond de Andrade, mas é utopia da minha parte.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu trabalho em duas etapas. A primeira é a pesquisa acerca do tema e do tempo da narrativa em construção. A segunda, deixar fluir. Permitir que os personagens e a trama aconteçam, para seguirem por caminhos não traçados anteriormente.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sempre tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Não vivo dos meus personagens, tenho o trabalho e os estudos acadêmicos. A semana é, por muitas vezes, caótica e de poucas horas para a criação. No entanto, existem momentos em que prefiro o caos da semana, e outros em que escolho a organização das horas. Depende muito.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Tem um excerto de Juan Carlos Onetti, escritor uruguaio, que gosto muito: “Assim, imaginando que invento tudo o que escrevo, as coisas adquirem um sentido, inexplicável, é certo, mas do qual só poderia duvidar se duvidasse simultaneamente da minha própria existência.” Tal trecho é carregado de significado para mim sobre a escrita, que é algo indissociável de mim, de minha personalidade e presença no mundo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
As dificuldades para mim ocorreram no momento de autoafirmação. Não é muito simples, no Brasil, falar por aí que você é escritor. É uma espécie de afronta, de resistência cultural, mas hoje eu gosto disso. E é extremamente importante para os autores a autoafirmação, dos de sobrenomes famosos até os desconhecidos, é um posicionamento perante a sociedade e o governo. Agora, sobre as influências, muitos escritores e movimentos literários fizeram o que sou hoje. Posso citar muitos, mas fico aqui com os modernistas, que mudaram os rumos da ficção no país, para além dos cânones naquele período.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Queria poder recomendar muitos, mas ficarei com o ‘Oito do Sete’, de Cristina Judar, ‘Jazz band na sala da gente’, de Alexandre Staut, ‘Marrom e Amarelo, de Paulo Scott, ‘Itinerários para o fim do mundo’, de Alexandre Rabelo, são obras contemporâneas de autores que sabem do estão falando, do enunciador ao narrador. Leiam, somente. É preciso.