Alec Silva é escritor, roteirista e editor independente, além de assistente editorial e curador das linhas de horror, policial e suspense da Cartola Editora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente eu escrevo sempre à noite, quando a casa fica silenciosa e não serei interrompido por algum fator externo. Então, pela manhã, eu estou olhando redes sociais, criando memes pras páginas de humor literário que administro, resolvendo problemas para a editora para a qual presto serviços, olhando algum material de um cliente para quem presto leitura crítica ou lendo. Raramente faço um desjejum completo, então pego uma caneca cheia de café e me sento diante do computador e começo o dia checando e-mails e planejando brevemente as próximas horas mesmo. Nem sempre o planejamento vai funcionar, mas importante é começar olhando os e-mails e as redes sociais sempre; muita coisa acontece enquanto estou dormindo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como falei, à noite, geralmente depois das 23h. É quando as ideias parecem que se assentam e me mostram como continuar uma história. Claro que pode ocorrer de eu estar com comichão e escrever pela manhã e seguir ao longo do dia, mas são eventos tão raros quanto um Super Lua, por exemplo. Quando não estou escrevendo, estou lendo, e isso é um hábito que acho mais importante do que o de escrever. Minha mente sempre flui nas direções certas quando estou entretido com uma boa leitura. Para escrever, café e muita, mas muita música tocando (de preferência, algo agitado, que me faça ficar gesticulando e batucando no ar).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acho que sou o escritor mais sem regras e planejamentos de escrita que conheço. Posso tanto escrever todo dia, e muito, por uma semana quanto passar longos períodos sem abrir um documento iniciado. Com exceção quando possuo um prazo de entrega ou estou escrevendo para um edital, deixo minhas ideias à vontade. Não chamo bem de bloqueio, mas tento não me forçar a escrever, não me cobro. Uma hora a coisa funciona e eu abro o documento, releio tudo o que já fiz e continuo. Foi assim que escrevi O Cão Negro, por exemplo, que iniciei em 2012 e só concluí em 2018.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Muita leitura, muita pesquisa e quase nada de anotações. Costumo recorrer muito a livros e revistas, material físico, então deixo tudo ao meu alcance. Alguma coisa que preciso e só encontro na Internet eu deixo favoritado. Geralmente eu demoro mais maturando a ideia em si. Foi assim com uma novela que escrevi com uma amiga, Bruny Guedes. A gente queria escrever algo juntos, mas não vinha um conceito formado; sabíamos que era terror, mas nada se formava até eu lembrar de uma típica assombração nordestina, chamada livusia, e daí de explicar o que era para ela, que é paulista e nunca ouviu falar no fantasma, até o esboço da história foram três a cinco dias. A escrita correu em três semanas, mais ou menos, trabalhando sob prazo. Considero, aliás, A livusia uma de minhas histórias de horror mais criativas e o material de pesquisa foi recordações de infância numa fazenda, folclore nordestino e lendas envolvendo fantasmas e mortos-vivos pelo mundo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Travar a escrita é normal. Antes, era algo que me deixava bastante incomodado. Atualmente, durmo e acordo sem preocupação. Desde que eu esteja ocupado lendo e aprendendo, sei que a escrita não será prejudicada. E eu adoro procrastinar! É tão bom relaxar a mente um pouco, pois eu acho pior quando a escrita vira uma obrigação; escrita deve ser diversão, entretenimento, debater ideias… E não costumo ter muitas expectativas quanto ao que escrevo; bate uma insegurança sempre, mas faz parte. Projetos longos seriam romances? Se for, faz um bom tempo que me considero mais contista do que romancista; consigo escrever novelas, mas romance é algo que não sei se voltaria a produzir — demanda tempo, exige uma concentração que a vida de editor e freelancer não me deixa ter mais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O suficiente para sentir que o começo e o final estão em harmonia. Como paro e retomo muitas vezes uma história, preciso sempre reler e modificar trechos, lembrar acontecimentos. Quando eu acabo tudo, reviso tudo. Se sentir que o todo está em harmonia, posso parar. Não é um perfeccionismo, sabe? Só um cuidado para não chamar Paulo de Saulo em algum momento. E sim, eu costumo mostrar para a Bruny, minha amiga; ela é como uma editora, sempre com ótimos apontamentos e revisão atenciosa de palavrinhas que minha dislexia deixa escapar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já escrevi muito a mão. Muito mesmo. Eu devia ter em torno de 4 mil folhas escritas a mão, só em sulfite! Aos poucos, passei alguma coisa para o computador, que só fui ter depois de adulto; não tudo, pois os primeiros textos, romances e novelas de cunho fantástico, eram terríveis de tão ruins! Hoje em dia, não sei se encararia uma escrita a mão de novo. Gosto da praticidade do computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como falei diversas vezes, muita leitura. De tudo o que for interessante, mesmo assuntos que não são do meu interesse. Eu ostento uma pequena biblioteca particular cheia de livros de ficção e não-ficção, quadrinhos, mangás, revistas, enciclopédias, atlas, dicionários, livros religiosos… tudo inspira. Inclusive filmes. Então, mesmo quando estou procrastinando, posso estar em busca de manter a mente em constante criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Deixei mais o romance e passei pro conto, ainda com algum pé na novela. Passei da fantasia de tons de fábula e contos de fadas para um horror mais fantástico, crítico e com tons de pessimismo. Os anos, as experiências de vida e a evolução de meu transtorno bipolar moldaram bastante minhas histórias, tornaram-me mais exigente com a objetividade também. E provavelmente eu não diria nada legal para meu eu de anos atrás, então eu só bateria em suas costas e pediria pra ser menos duro consigo mesmo um pouco.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
São vários projetos. Um deles finalmente escrever uma novela ou romance com dinossauros. Eu me devo muito uma história só com esses animais que adoro. Enquanto não consigo realizar esse objetivo, sigo lendo o que posso sobre a vida pré-histórica e conhecendo as histórias já escritas sobre os dinossauros, de Ray Bradbury a autores nacionais. Já o livro que eu gostaria de ler, olha, um de realismo mágico contemporâneo, escrito por um autor brasileiro, desses que tem uma prosa gostosa, e que fosse lançado no ano em que termino de responder esta entrevista.