Alcir Pécora é professor titular de teoria literária na Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não especialmente, depende muito de minha agenda na Unicamp, onde atualmente dirijo o Instituto de Estudos Avançados (Idea). Mas é o período onde geralmente dou mais aulas e onde se dão as principais reuniões do Idea.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não me preocupo muito com isso, digo, com o meu sentimento sobre o trabalho. Em geral, eu cumpro a agenda, usualmente bem puxada. Normalmente, à noite, trabalho menos.
Sobre ritual de escrita, nada, a não ser o básico de qualquer trabalho científico. Quando algum estudo ou pesquisa em que estou trabalhando já está em ponto suficientemente maduro para ser escrito, eu simplesmente passo a escrevê-lo, pautando-me sempre nos estudos já feitos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho de escrever bastante ao longo do dia, mas por diferentes tipos de solicitação. Na maior parte das vezes, são escritos rápidos para tratar de assuntos circunstanciais da Universidade. Os escritos mais alentados só ocorrem quando as pesquisas estão em fase de acabamento, portanto, em períodos mais concentrados.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O movimento é mesmo sempre esse: da pesquisa para a escrita. Tento sempre me mover sempre da maneira mais natural, isto é, pautando-me em todo o texto pelos dados conseguidos nos estudos. Para conseguir isso, faço sempre esquemas simples que organizam a sequência principal dos dados antes de começar a escrever. Realmente nunca escrevo de improviso ou não sabendo onde vou chegar precisamente. Já está praticamente tudo feito, antes de começar a escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho usualmente esse tipo de trava, pois o que escrevo não traz nunca grandes novidades em relação ao que já ficou estabelecido na pesquisa já feita anteriormente. Tenho apenas, de vez em quando, em momentos em que já estou muito cansado, preguiça de escrever. Mas começo assim mesmo, tento escrever mais depressa do que já faço normalmente, e a preguiça acaba ou o texto termina logo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito pouco os meus textos justamente porque eles praticamente transcrevem uma pesquisa ou estudo que já fiz. Com a ajuda dos esquemas a que já me referi, eu tenho tudo na mão antes de começar a escrever. Troco uma coisa ou outra, imprimo o texto para lê-lo com mais atenção e verificar se há alguma redundância ou gralha, e pronto.
Todo trabalho de natureza crítica ou acadêmica supõe conversas e leituras prévias. Quase tudo o que escrevo, muito antes de escrever, já foi discutido com muita gente: nas aulas, com os alunos; nos projetos, com colegas e com avaliadores; nos congressos, com os pares da área etc. O trabalho acadêmico implica nessas interações.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho pouca relação com tecnologia. Os estudos e pesquisas são feitas basicamente de leituras e conversas. Para escrever tenho os resultados desses estudos, que estão à mão, e faço os esquemas preparatórios também à mão. Apenas escrevo no computador quando tenho tudo pronto diante dos olhos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As minhas ideias em geral estão circunscritas às discussões dentro da minha área de estudos, ou, quando não, dos livros que estou lendo em qualquer área.
O único hábito decisivo para mim é justamente o da leitura. Eu leio muito, dentro e fora de minha área de especialidade, e, em geral, é de minha experiência como leitor que faço a base de meus comentários e textos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não mudou quase nada, a não ser que agora as minhas leituras são mais solicitadas pelos parceiros de interesse, ou ainda pelas minhas obrigações universitárias, e, por isso, acabo escrevendo muito mais sobre elas do que antes. Antes eu apenas lia, e pensava ou conversava sobre isso, sem ter de escrever de maneira mais cuidadosa ou sistemática. Francamente, achava bem melhor, mais cômodo, mais divertido. Em geral, não sinto vontade alguma de escrever, e só escrevo para finalizar e dar a público determinado estudo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não tenho nenhum projeto em mente que ainda não tenha feito nada. Em geral, quando o projeto se configura na minha cabeça, eu já fiz bastante dentro dele, já testei várias hipóteses de trabalho, e então, quando sinto que aquilo dá jogo, vou em frente e o configuro de maneira mais sistemática.
Sobre livro que gostaria de ler e não existe, seguramente nenhum. Há muitos livros que amaria ler, já estão escritos há séculos, e não encontro tempo para lê-los. Isso é o que mais me preocupa e tortura: não poder ler mais. A obrigação de escrever, aliás, é dos maiores empecilhos que sinto para poder me dedicar mais á leitura.