Alberto Sartorelli é escritor e mestre em filosofia pela Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Vislumbro a aurora como extensão da madrugada. Costumo dormir às 4h da manhã e acordar meio-dia. Ao despertar, gosto de tomar um café e fumar uma cannabis. Almoço por volta das 14h, assistindo programas esportivos, e depois disso me dedico a coisas mais “sérias”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever literatura na madrugada. Tudo está mais quieto, as notícias cessam um pouco. Durante a madrugada o pensamento voa. À tarde e após o crepúsculo me dedico à filosofia, que tem uma linguagem mais lógica. Mas, tanto para literatura como para filosofia, a inspiração argumentativa ou narrativa pode vir a qualquer momento; é preciso estar preparado para deixar o que se está fazendo e dar vazão a essa motivação, de origem secreta. Ela pode não aparecer novamente. Por isso, além dos afazeres normais, ando sempre com um caderninho, cheio de esboços e fragmentos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando sinto que tenho algo para dizer. A escrita é um não bastar-se, a necessidade de colocar para fora. Procuro sempre fugir da escrita “profissional”. A linguagem é o modo como articulamos nossa visão de mundo, é muito perigoso desgastá-la na banalidade do cotidiano.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita depende necessariamente de uma experiência de incontingência, de precisar desesperadamente fazer aquilo. Muitas pesquisas se transformaram em compilados, “escombros” culturais, sem tornarem-se texto. A articulação entre pesquisa e escrita não depende só de vontade própria; é preciso que haja uma unidade de antemão, e que a escritora ou escritor possua algo para contribuir ou embelezar a literatura sobre um certo assunto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que seja necessário, primeiramente, respeitar o próprio tempo de meditação. Se você não consegue se concentrar na escrita, é pelo fato de ainda não ser o momento, de ainda não ter dado uma unidade a intuições dispersas. O sentimento de incontingência gera um labor obsessivo e irresistível na escrita; mas ele não é um sentimento normalizado, é completamente extraordinário. Infelizmente, a sociedade da produtividade incessante exige de nós que o tempo do trabalho seja reproduzido em todas as esferas da vida; mas o tempo da escrita é outro, mais importante e mais verdadeiro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes, mas nunca o suficiente. Sempre passa alguma coisa despercebida. Mas acredito que todo trabalho seja isso: a cada revisão, uma nova inconsistência. Uma obra de arte nunca termina, mas nalgum ponto ela deve ser abandonada e caminhar sozinha.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando utilizada de maneira sensata, a tecnologia pode contribuir muito para o processo de busca por conhecimento. Como minha letra sempre foi muita feia, prefiro escrever no computador. Mas se estiver distante, só com o caderninho, escrevo nele mesmo. O que não se pode fazer é deixar as ideias fugirem.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias aparecem principalmente quando ouço boas histórias, ou quando vivo algumas experiências passíveis de serem narradas. Por isso, acredito que o processo criativo da escritora ou escritor não dependa somente de pesquisa, estudo ou prática de escrita, mas também de um ouvido generoso, capaz de se envolver por narrativas de outrem. Quem escreve está sempre numa busca por rastros de histórias, e isso depende de uma disposição, uma inclinação em viver a vida de fato, abrir-se a experiências novas, ir a lugares onde poucos costumam ir, desvendar situações, errar em busca do desconhecido.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Estudei filosofia inicialmente para me tornar um melhor escritor de literatura. Ao ser versado num pouco de filosofia, o peso das frases e afirmações aumenta de modo colossal. Acredito que essa responsabilidade, o fato de refletir longamente sobre a densidade de cada sentença, todas as questões em jogo num verso, são uma marca distintiva entre minha produção de juventude e a da vida adulta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos literatos, como Pushkin, Valéry, Thomas Mann e Fernando Pessoa escreveram seu próprio Fausto. Pretendo escrever o meu também, que vai se passar no sertão do Brasil.