Alana Rodrigues é roteirista de cinema e televisão.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Faz alguns meses desde que tenho recriado uma rotina, que vai do banho pela manhã, para acalmar as ideias que estavam tumultuadas nos sonhos, e fazer um café e uma sessão, mesmo que curtinha, de yoga. Há muitos anos eu não mantinha uma e isso interferia muito no andamento do meu trabalho; restabelecer uma, ainda que simples, tem me ajudado a ser mais produtiva.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho um horário preferido para escrever, o que percebo em mim é que escrever depois de ter feito uma atividade rotineira antes – como ler, assistir uma série, responder e-mails – faz com que minha cabeça esteja mais tranquila para organizar as palavras na tela do computador, ou nos meus cadernos de anotação (tenho vários!).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias, eu me dou o compromisso de escrever pelo menos um pouco, algumas linhas ou duas cenas que sejam; e não crio um horário específico para isso. Pra mim, tão importante quanto manter a rotina de escrita é estar sempre lendo. Sempre. Sou uma leitora voraz desde criança e isso, mais do que qualquer coisa, foi o que fez de mim uma pessoa que vive de escrever. Conhecer estilos, palavras, linguagens, formas, estruturas, tudo isso são ferramentas de escrita, e, quando se é uma leitora de rotina, trazer para o próprio texto o que foi intuitivamente apreendido com escritoras e escritores é uma consequência natural das leituras. Tento cumprir a proposta da escrita diária, o que definitivamente não quer dizer que, ao decorrer da semana, eu não tenha períodos concentrados de escrita, geralmente impulsionados pela demanda de entrega de roteiros, argumentos, sinopses. Eu tenho períodos concentrados de escrita e eles são absolutamente comuns. Eu escrevo muito sob pressão e vejo que isso é uma constante entre os que trabalham na minha área. Para mim, e essa é uma característica minha, as palavras vêm mais fluidas quando elas são obrigadas a vir: esse frio na barriga de ter que terminar um roteiro, ou mesmo uma sinopse, impulsionam a qualidade da minha escrita. Mas isso é uma característica minha e não recomendo que outras escritoras e escritores sigam por aí, porque ir por esse lado implica um risco grande de não cumprir prazos e de fazer em menos tempo o que ficaria melhor lapidado se tivesse contado com dias ou semanas a mais. Essa característica pessoal é algo que tento corrigir, meu plano é o de, com os anos, conciliar a prática de escrever sob pressão com a disciplina e organização.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sim, pra mim, é sempre muito difícil começar. Depois que o começo acontece, a escrita flui mais. Sinto muita necessidade de trabalhar com papel em mãos. Eu imprimo muitos textos e tenho a compulsão de fazer várias anotações em cima deles. Gosto mais de anotar nos próprios textos do que nos meus caderninhos pessoais – e olha que tenho vários. Com essas anotações em mãos, passo para um arquivo do word os tópicos que seleciono como mais importantes e, a partir disso, vou pro texto. Mas esse processo acontece quando é um roteiro ou projeto do qual estou partindo da pesquisa para escrevê-lo. Comigo, o mais comum é que o processo seja contrário: escrevo caoticamente o que me vem à cabeça para, depois, estruturar as frases e encaixá-las numa história, para aí, se for o caso, partir para a pesquisa e, por fim, chegar ao último tratamento do texto. Nunca digo tratamento final, porque pra mim nunca é final. “Último tratamento”, na minha escrita, pelo menos, é um termo mais honesto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido mal! É uma fonte de ansiedade diária. Se a ansiedade não me engolir no dia, tento criar estratégias para dar uma refrescada na mente, nem que seja tomar um chá, um café. Na pior das hipóteses, fazer outra coisa, como ler ou assistir a um filme, para, mais no controle dos meus medos, voltar a escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Entre roteiristas, existe um dito de que não é o roteiro que termina, é o prazo. Eu me enquadro demais nisso, para mim, um texto nunca está pronto, toda vez que o releio corrijo alguma coisa, mudo a estrutura de uma frase, troco cenas de lugar. É um desafio me dar conta de quando isso tem de parar, porque chega num ponto do texto em que, se você mexer mais nele naquele momento específico, você dá passos pra trás em relação ao que desenvolveu por dias, semanas – ou mesmo anos. E, sim, mostro meus trabalhos para outras pessoas antes de encaminhar os roteiros e projetos para produtoras, players e editais. Procuro mostrá-los, também, a pessoas que não sejam da área de cinema, para ter acesso a um olhar vindo de fora da minha bolha.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como eu disse antes, adoro papel impresso. Começo muito escrevendo à mão, mas isso também não é uma lei no meu process. É comum que eu parta direto para o computador também. Tenho uma compulsão por canetas, tenho várias e o ritual de escrever com elas – especialmente as nanquins – são meus “guilty pleasures”. Tenho canetas e blocos de notas por todos os cantos, os quadros de cortiça são uma mania minha, só no meu apartamento tenho quatro, na casa da minha mãe tenho outros dois. Minha obsessão é mesmo com o ritual de escrever à caneta em bloquinhos e depois prendê-los com alfinetes no quadro. Esse método funciona muito para organizar as cenas do roteiro, o quadro dá a mobilidade de trocar cenas de lugar e experimentar onde uma e outra podem se encaixar e como isso interfere na potência da história. Isso me acalma quando estou empacada e o texto não sai de jeito nenhum. Quando estou nessa situação, brincar com quadros e bloquinhos me dão uma sensação de controle – que, claro, é completamente falsa – mas que me ajudam na hora de controlar a ansiedade para conseguir sentar na cadeira e digitar no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu leio muito, desde sempre, e não acredito que um bom escritor possa surgir de um mal leitor. Quem lê pouco escreve pouco, e ler é um processo diário. No meu caso, que é o da escrita para cinema, eu não poderia fazer o que faço se, além de ler, não gostasse de assistir filmes, séries, animações. Para dominar a escrita do formato, preciso estar familiarizada com ele. Tenho o privilégio de trabalhar com o que faria nas horas vagas se tivesse outra profissão. Eu enxergo narrativas em tudo o que faço, a contação de história me fisga: pode ser alguém me contando um causo, uma esquete de instagram, pode ser uma foto – sempre imagino as histórias que se escondem por trás das imagens. Tudo o que vejo me atrai para a trama, a história. Acho que é isso que faz de mim uma roteirista e escritora.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Antes eu só continuava a escrever se sentisse que estava fazendo isso bem, hoje, aceito que a escrita é um processo e que o texto que está ruim num dia pode ser lapidado depois, ou não, pode ser que ele só seja descartado mesmo – e tudo bem. Tento lidar com o ruim, com o fracasso, tem dias que as palavras não fluem e preciso aceitar o ruim, escrever o medíocre e me conformar, pois tudo isso é parte de um processo para atingir um texto que eu considere bom. Se eu pudesse conversar com a Alana adolescente, eu diria pra ela desencanar da falácia da “inspiração” e escrever sem inspiração também, porque é isso o que acontece na maioria dos dias. “Escreva e lide com o fato de que muito do que foi feito será descartado, outra parte será lapidada, desenvolvida, e outra parte só vai fazer sentido daqui um tempo. Nem tudo o que se escreve agora será finalizado no agora também”, é o que diria. “Senta a bunda na cadeira e escreve, se estiver num dia inspirador, ótimo, se não estiver, escreva como dá e pare de se lamentar. O processo de escrita é isso.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Uma série de suspense passada na época do Brasil colonial. Ainda estou na fase das leituras e pesquisas, mas uma hora vai. Sobre um livro que gostaria de ler, acharia lindo se o Dostoiévski ressuscitasse só para terminar de escrever “Niétotchka Niezvânova”. Taí uma obra completa que poderia existir. Faz falta.