Alan de Sá é jornalista, escritor e publicitário, autor de “O Lago Aruá” (2019) e “Abrakadabra” (2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acho que, inconscientemente, todo mundo tem alguma. Eu mudei um pouco a minha com a pandemia, também. Antes eu saia de casa cerca de oito da manhã para o trabalho, tomava café da manhã na agência e retornava pra casa oito da noite — e era depois desse horário que eu escrevia algo. Hoje eu trabalho em casa, então posso acordar um pouco mais tarde, tomar um banho mais longo, preparar o meu tipo ideal de café da manhã, me atualizar das notícias do mundo com calma e, depois, pegar no trampo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu tenho uma agenda bem complicada, então nunca consigo dedicar a maior parte do meu dia para a escrita dos meus contos ou pensar em mais ações futuras pro sertãopunk. Lembro quando comecei meus primeiros textos, eu escrevia das nove da manhã até a hora que fosse dormir (quase sempre, depois de meia noite). Era muito louco porque eu tinha uma vitalidade e garra pra isso que nunca me sentia cansado. E o mais engraçado é que se passaram apenas seis anos e, hoje, é como se eu tivesse sessenta e sete anos mais cansado.
Não sei se “ritual” é a palavra, mas eu tenho um péssimo hábito de escaletar pouco e psicografar muito meus textos. Então, eu preciso entrar no clima (e deixar meu ambiente no clima, também), pra começar. Isso se aplica ao meu fazer publicitário, também. Então, deixo a janela aberta e procuro alguma das minhas playlists que mais se pareçam com o que eu quero fazer ou a mensagem que quero passar. Quase nunca com fone. Acho que a música tem um poder de ambientação gigante. Se fosse pra falar meu processo em etapas seria: a) procurar a música perfeita; b) digitar uma série gigante de “aaaaaaaaaa” no Word até vir a primeira linha na cabeça; c) não levantar pra nada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meta eu nunca tenho. Entendo que isso te deixa mais determinado para escrever, mas sinto como se esse artifício me fizesse colocar no papel o que eu não quero somente pra cumprir uma regra pré-determinada por mim. Então, tento não me pressionar com a quantidade de palavras ou páginas feitas por dia. Se forem cinco, ótimo. Se for um parágrafo, tudo bem, também.
Quando aos dias, geralmente, escrevo nos fins de semana, sobretudo durante a noite. Acho que é o período mais tranquilo pra mim, de agenda e mental, pra colocar as ideias da semana no papel.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu falei um pouco disso lá em cima, mas acho melhor explicar aqui. Pra histórias maiores, eu faço escaleta. Não capítulo por capítulo. Geralmente, um arquivo corrido, com poucas quebras de parágrafo, colocando todas as coisas que eu quero naquela história. Quando vou escrever, divido a tela entre dois arquivos Word — um em branco e o outro a escaleta — e começo a escrever. Depois, sinalizo todos os pontos cruzados entre os dois e vejo o que faltou ou não adicionar. E também faço fichas de personagens. Algumas mais simples, outras mais completas.
Para histórias menores, vou na psicografia, mesmo. Geralmente essas são dentro de algo muito emergencial e que preciso colocar pra fora de uma vez. Abrakadabra, meu conto sertãopunk independente (disponível na Amazon) foi um exemplo. Tinha acabado de voltar da Horror Expo, uma espécie de “Comic Com do terror” que aconteceu em São Paulo e, bem, eu tenho fobia de palhaços. Era inevitável. Mas eu tinha que ir por questões profissionais. Quando voltei, tava muito abalado por ter me batido com diversos deles por lá e, depois de ser convidado por um editor de uma editora pra participar de uma antologia (e enviar o trabalho até a manhã do dia seguinte), retornei para o hostel que morava na Vila Madalena, abri o notebook e comecei. Terminei as quatro da manhã. Naquele dia, fiz trinta e cinco páginas de texto psicografado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tento me manter o mais organizado possível. Minha agenda é cheia de eventos e pings pra diversas coisas, incluindo a escrita. Sempre nos meses de setembro e outubro, começo a planejar o que vou fazer no ano que vem, com relação a escrita de contos e ao sertãopunk, o movimento (e subgênero) literário do qual sou co-autor. Isso me dá um tempinho pra respirar, pelo menos, o que já é ótimo. Com relação a procrastinação e travas, eu não sinto tanto isso. Meu trabalho como redator publicitário me ajuda a estar sempre pensando em coisas novas e procurando referências, então, sempre tenho ideias. Algumas analiso por um tempo e engaveto, outras começo o quanto antes, mas sempre deixo uma coisinha ou outra anotada, nem que seja uma line.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Em geral, sempre dou uma lida depois que termino. Antes eu revisa capítulo por capítulo a medida que ia escrevendo, mas senti que isso me prejudicava no todo e me atrasava mais. Então, eu termino primeiro, quase que como um fluxo de consciência, mesmo, depois dou uma lida, pra saber se está tudo no lugar, se não cometi algum erro de matemática, etc. Depois eu passo pra leitura crítica. Tenho algumas pessoas que confio e que também são do meio literário que leem meus textos antes de publicá-los. Muitas das vezes eu contrato o serviço de leitura crítica, também. Após essa parte eu faço as alterações necessárias pra deixar tudo em ordem e passo o texto pra revisão ortográfica e gramatical.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Deixo quase tudo no computador. Não tenho pique pra escrever direto no papel e caneta. Até anoto coisas assim, mas muito pontuais, somente para ter algo mais próximo das mãos no momento da escrita. Mas, valendo mesmo, tudo no Word.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Depende muito da história ou do que preciso. Algumas vezes é lendo reportagens e matérias em revistas. Na faculdade, sempre que podia, acompanhava as edições da Super na biblioteca, o que sempre me dava um insight ou outro pra alguma história. Mas acredito que grande parte vem do contato humano. Gosto de observar a forma que as pessoas falam, agem, tratam umas as outras, etc. Tudo isso traz mais vida pra narrativa. Vindo de uma cidade com foco na literatura de cordel, como é Feira de Santana, a oralidade virou muito importante no meu processo de escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu tento não pensar muito nessas questões. Acho que tudo faz parte de processos, a gente evolui à medida que vamos trabalhando, lendo mais, conhecendo pessoas e vivendo. Mas acho que eu falaria pra mim mesmo do passado não desistir. Continuar estudando, lendo, observando o mundo, criticando o que está errado e manter a escrita sempre. Esse é o principal fator de evolução, pra mim: manter-se 100%.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como as coisas com o sertãopunk aconteceram muito rápido (depois deram uma parada, aceleraram, pararam e por aí vai), acabou que três projetos que estava tocando ficaram na gaveta. Mas ainda quero voltar com eles.
Um deles, e o que mais quero terminar, está com o nome provisório de “Sete mortes para amanhã”. Ainda não decidi se será esse mesmo ou não, vai depender do que concluir quando finalizar. É uma história que acontece entre sete contos e conta sete tipos de mortes diferentes em volta de um mesmo personagem, Pedro, um jovem de Feira de Santana, minha cidade natal. À medida que a história caminha, o leitor vai percebendo como cada uma daquelas situações impacta de uma maneira na formação moral e ética do protagonista, quais os tipos de decisão que ele toma, o porquê e entende, também, o meio em que ele vive. É uma história que eu tenho um certo carinho, porque diz muito sobre mim, o lugar onde cresci e as coisas que vivenciei na periferia de uma cidade do interior baiano. Fora que ela também traz elementos do sertãopunk. Eu ainda não posso afirmar quantas páginas terão ou uma data de lançamento, mas vai ser bem mais longo que os projetos que tenho na rua, por enquanto.
Fora isso, mais algumas ideias estão brotando por aqui e, algumas, virando contos. Ainda não posso falar muito sobre algumas, mas em março de 2021 já teremos novidades.