Airton Marinho é roteirista de histórias em quadrinhos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Infelizmente eu não vivo do meu trabalho como roteirista de quadrinhos. Então, tenho uma rotina comum de quem trabalha das 8h às 18h: acordo cedo, tomo café da manhã e parto pro trabalho no escritório. Sobre uma rotina matinal, tenho conseguido ir à academia pelo menos três vezes por semana, antes do trabalho. Pra mim, exercícios físicos regulares são muito importantes porque passo mais da metade do dia sentado em frente ao computador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Um horário que me sinto propenso a escrever é a tarde, quando já passou a letargia da manhã e ainda não cheguei ao cansaço do final do dia. Nesses momentos, geralmente estou no trabalho, e vez ou outra, consigo abrir um arquivo do Google Docs e escrever alguma frase, diálogo ou cena que surgiu na cabeça. Enquanto escrevo, preciso estar comendo ou bebendo algo. Geralmente são alimentos que não pesem tanto no estômago e água. Já tentei escrever enquanto bebia cerveja e ficou uma merda. Não recomendo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gosto de escrever quando estou completamente sozinho. Isso é um pouco difícil. Então, procuro escrever pequenas ideias e diálogos durante a semana e me concentro em escrever o máximo possível nos finais de semana, onde tenho mais tempo livre para escrever e desenvolver a história. Não costumo estabelecer metas diárias, porém, quando tenho um projeto com data certa de lançamento, crio metas e escrevo em qualquer lugar e situação para entregar o projeto sem nenhum atraso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O primeiro rascunho da história é sempre horrível. Então eu o escrevo de qualquer jeito e não o mostro pra ninguém, mas preciso escrevê-lo para me livrar dele, me livrar daquelas ideias ruins. Isso pra mim já é o começo. Depois, vou identificando quais ideias não funcionam e vou substituindo, criando novas situações para deixar a história mais interessante. É nesse momento que vem a pesquisa. Ela serve para me dar novas ideias, combinar com ideias antigas que eu já tinha e quebrar preconceitos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu relaxo. Se por mais que tenho feito tudo ao meu alcance e não veio nenhuma ideia nova para continuar a minha história, vou fazer outra coisa como varrer a casa, lavar a louça, pendurar a roupa no varal, ir à academia, assistir uma série… qualquer coisa que relaxe a mente e me faça esquecer a história por alguns momentos. Essa técnica tem funcionado bem comigo. Não sofro de ansiedade, mas fico tenso ao lançar um projeto independente. Então, foco em divulgar o meu trabalho da melhor forma possível para que ele tenha o retorno que planejei.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como publico histórias em quadrinhos, costumo revisar os diálogos até momentos antes de fechar o arquivo para enviar pra gráfica. E antes de enviar ao desenhista, tenho amigos e colegas de profissão a quem eu mostro o roteiro e peço uma leitura crítica. É muito importante que alguém de confiança leia o seu texto pois ele pode enxergar algum erro grave na sua história que você não viu por estar com os olhos “viciados” da história.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Costumo escrever a lápis uma ordem cronológica de acontecimentos para não ficar muito perdido (porque eu tô sempre meio perdido quando tô escrevendo). Também escrevo a lápis o nome dos personagens e a relação entre ele, escrevendo também as motivações de cada um deles para ter uma visão geral da história e identificar possíveis furos e incoerências no roteiro. Quando já tá tudo meio definido, aí parto pra escrever no computador. Crio um arquivo no Google Docs, compartilhado com o desenhista e com o editor e vou criando a história.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sempre que me perguntam isso, eu tento dizer que minhas ideias vêm de coisas que leio, escuto e vejo… ou que eu sempre estou pensando em uma nova forma de contar uma história (histórias de zumbis, por exemplo. Já exploraram ao máximo o tema). Mas a verdade é que eu não faço ideia de onde elas vêm. Tenho ideias durante uma conversa, durante um longo tempo sem ler ou ouvir nada, ou quando eu preciso ter uma ideia. Então elas surgem. Não sei de onde e nem o que eu faço para elas aparecerem, mas elas sempre vêm.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Finalmente, parece que estou aprendendo a dar personalidade nos diálogos, deixando-os mais pessoais e agradáveis de ler. Tem sido difícil, mas estou me divertindo criando novas expressões para descrever de forma figurada o que o personagem quer dizer. E se eu trombasse com o Airton das antigas, eu realmente só diria pra ele continuar, porque por mais que as coisas evoluam devagar, estão evoluindo no tempo delas. (E diria para ele criar coragem e mostrar aquele conto de terror para o Zé do Caixão, que passava na frente do trampo dele quase todos os dias.)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto envolvendo realidades alternativas, humor, sarcasmo e violência que estou pra começar e nunca começo. É algo realmente longo e eu teria que ter uns quatro artistas empenhados nele. Enquanto não o começo, vou tocando as coisas que vão aparecendo e tem uma saída mais rápida.
Talvez esse livro já exista e eu não saiba, mas gostaria de ler algo psicodélico, maluco e engraçado na linha do Campos de Carvalho, só que nos tempos atuais.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu tento planejar o máximo possível da história na minha cabeça. Vou criando as situações e as soluções pra escrever o máximo possível da história de uma vez, até chegar na primeira dificuldade. Quando chego na parte difícil em que não encontro um caminho para resolver um problema, deixo a história de lado e vou pensando em como resolver o problema durante o dia. Normalmente demora de um ou dois dias até eu ter uma ideia bacana para solucionar. Então volto a escrever do ponto em que parei e fico nesse vai e vem até o final da história.
Pra mim, o mais difícil é a última frase. Porque ela não pode ser qualquer coisa, tem que deixar uma marca no leitor. Quero fazer com que os leitores continuem pensando na minha história depois de lê-la. E isso é bem difícil.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Como trabalho em outro emprego, preciso planejar bem meus horários de escrita. Tento escrever sempre após chegar em casa, entre 19 e 22hs. Nem sempre consigo. Compenso os dias da semana em que não consigo escrever nas manhãs do final de semana. Costumo acordar cedo pra escrever aos sábados e domingos.
Mesmo que eu tenha dois ou três projetos acontecendo, escrevo um de cada vez. Isso ajuda a minha mente a se programar e não confundir os temas e gêneros.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Minha motivação vem basicamente de escrever sobre coisas que não vejo ninguém escrevendo. Coisas malucas como caminhoneiros satanistas ou um herói cabeludo que manipula a água no meio do sertão nordestino.
Comecei a escrever depois que li muitas histórias em quadrinhos e decidi contar as minhas também. A experiência de ter uma ideia pra uma história e coloca-la no papel é inexplicável e empolgante.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Acredito que ainda estou desenvolvendo meu estilo conforme vou lançando meus trabalhos. Gosto de passear pelos estilos mais ásperos e secos, com violência, gore e palavrão. Mas também escrevo sobre personagens heroicos em histórias com muita ação e pancadaria. Fora que tem outro estilo que gosto de ler, mas ainda não escrevi muito: surrealismo.
Meus autores preferidos e que me influenciaram muito são Garth Ennis, Danilo Beyruth e Chuck Palahniuk.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
1 – O Perfume: livro com uma história muito densa e sombria sobre um garoto que nasce com um super olfato. É bacana como o autor constrói e evoluí a história a partir disso. O final é inesperado e sensacional!
2 – Série Tempos de Sangue – Andarilho das Sombras: livro sobre vampiros com uma ótica mais adulta e uma escrita fácil e muito original! Vale a pena correr atrás da série e dos trabalhos do Eduardo Kasse.
3 – O Púcaro Búlgaro – Bom, é uma história surreal e esquizofrênica sobre um cara que organiza uma expedição a Bulgária, pois acredita que tal país não exista. A expedição é formada por pessoas muito peculiares, entre elas, um sujeito que diz ser descendente do criador do número zero (e ele cobra direitos autorais por isso).