Adriano de Andrade é escritor e engenheiro, autor de “A umidade relativa das palavras” (Jaguatirica, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa um pouco antes das seis da manhã. É o momento em que todos despertam, meus filhos vão para o colégio, eu e minha esposa saímos para trabalhar e temos uma pessoa que cuida da casa enquanto estamos fora.
Para mim, acordar cedo passou a se tornar um hábito, inclusive nos finais de semana, em que procuro praticar ciclismo nas primeiras horas do dia.
Já fui notívago, sempre gostei da noite e do seu silêncio, mas com a rotina, hoje posso dizer que sou mais do dia do que da noite.
Ah, e lembrando que um bom café da manhã é a chave para sair com a bateria carregada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tem pessoas que começam o dia devagar, sonolentas, aceleram mais no final da tarde e engrenam à noite. Como eu tenho facilidade de acordar cedo, meu rendimento e minha concentração são maiores nas primeiras horas da manhã, fico sempre mais atento às questões que preciso resolver tão logo o dia começa.
Sobre ter algum ritual de preparação para a escrita, não tenho manias ou hábitos quando vou escrever. Tenho meu escritório para ficar trabalhando de forma mais reservada, sem atrapalhar as pessoas na casa, e a única coisa que preciso mesmo é do silêncio, esse grande companheiro. Mas posso dizer também que, dependendo do meu nível de concentração, consigo produzir até com barulho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já li várias entrevistas em que os escritores buscam uma disciplina para desenvolver e aprimorar a escrita, estabelecer uma rotina mesmo. Eu já tentei fixar uma meta diária ou semanal para escrever, mas a minha natureza me leva para o caminho oposto, em que escrevo bastante em períodos concentrados. Pela minha experiência, a intensidade é tão grande que compensa aquelas fases mais secas de qualquer escritor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo dizer que meu processo de escrita é composto por três etapas. A primeira delas é aquela em que eu escrevo sem um compromisso com a forma, priorizo o conteúdo, as ideias, é o momento em que a inspiração me domina. Depois, vem a segunda etapa, em que priorizo a forma, um trabalho mais delicado, minucioso, em que busco lapidar a pedra bruta que foi a matéria-prima da primeira etapa. E, por último, tento eu mesmo fazer a análise crítica dos meus textos. Para isso, é necessário que eles ‘descansem’ um tempo entre a segunda e a terceira etapas. Com isso, eu me distancio e faço uma análise crítica mais imparcial.
Começar a escrever é sempre a fase mais difícil. Vencer a inércia, o cansaço e a rotina para entrar no universo da escrita. Mas depois que começa, difícil mesmo é parar…
E para mim, a escrita e a pesquisa caminham juntas. Um bom texto, conciso, preciso, interessante e envolvente tem a pesquisa como aliada e se torna uma ferramenta de apoio para o escritor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O bloqueio criativo talvez seja o principal desafio do escritor. E ele pode acontecer de duas formas: ou por falta de ideias ou por excesso de ideias. Quando a criação está travada por falta de ideias, basta aparecer uma ou duas para superar essa barreira. Por outro lado, quando se há excesso de ideias, a questão principal é escolher quais são as mais interessantes. Agora, a saída mais confortável para não enfrentar o bloqueio criativo é procrastinar ou, em outras palavras, boicotar a si mesmo.
Toda vez que o escritor desenvolve uma nova história e publica, seja por meio de livro, concursos literários, revistas eletrônicas ou em redes sociais, não há como evitar o frio na barriga e o medo de não corresponder às expectativas. Para mim, esse frio na barriga é o sinal que realimenta o processo de escrita, a vontade de acertar sempre.
Meus dois livros publicados, “O inverno que não acabou” e “A umidade relativa das palavras”, são livros de contos, gênero com o qual eu me identifiquei bastante. Talvez por isso, tenho como projeto escrever o meu primeiro romance e, certamente, o principal desafio é dominar a ansiedade por ser um projeto mais longo. Já usei como estratégia, e deu certo, escrever o romance como uma sucessão de contos, o que torna o processo mais próximo daquilo que estou habituado a trabalhar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão dos textos é importante para chegar ao produto final. Normalmente, faço de três a quatro revisões até que considere a versão definitiva do texto. Se for mais do que isso, no meu caso, entro numa fase de saturação da leitura e da análise crítica. E é nesse momento, se você ainda não estiver satisfeito, que deve pensar em contratar um profissional que faça a crítica.
Não tenho por hábito mostrar meus trabalhos para outras pessoas, gosto de deixar o ineditismo dos textos preservado até o lançamento. Claro, o risco da crítica é maior e ansiedade vai longe, porque volta o fantasma de não corresponder às expectativas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia é uma parceira em qualquer atividade ou negócio. Como escritor, já fiz muitos rascunhos à mão, o que será visto no futuro como um material equivalente ao que chamamos na engenharia de “memória de cálculo”. Mas agora eu só trabalho os textos no computador. No celular, não me sinto confortável para escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Basicamente, minhas ideias surgem da observação do cotidiano. Pessoas inspiram, lugares inspiram, sentimentos inspiram. A sensibilidade do escritor é discernir se uma ideia qualquer vai render uma boa história.
Não vejo em mim uma pessoa que criou um conjunto de hábitos para escrever ou ser criativo, apenas deixo fluir naturalmente, mesmo que demore para acontecer.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevo desde a minha adolescência. Comecei com poesia – aliás, tenho bastante material para publicar um livro – e enveredei nos contos com o passar dos anos. A maturidade e a experiência são fatores que acompanham a idade, por isso tenho hoje uma escrita mais desenvolvida, sem desprezar o que já produzi no passado. Se eu pudesse voltar aos primeiros textos, acredito que faria poucas mudanças, cada momento da vida e da observação da vida refletem aquilo que foi escrito, e por isso procuro preservar o material original, mesmo com as eventuais imperfeições, é uma forma que defendo de respeitar o próprio passado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ainda como um projeto bem embrionário, penso em escrever algo que fosse bastante interativo como o leitor, realmente não sei bem como seria isso, a internet e as redes sociais já abriram esse caminho.
Ainda que soe como clichê, uma obra que eu gostaria de ler e ainda não existe é o meu próximo livro.