Adriano B. Espíndola Santos é advogado, mestre em direito, autor de “Flor no caos” (Desconcertos, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho tido o hábito de começar o dia assistindo a entrevistas provocadoras, sobretudo feitas a artistas. Não é coisa nova. Retomei um costume antigo, para ganhar o espaço, muitas vezes ocioso, entre o café da manhã e a saída ao trabalho. E o imenso Antônio Abujamra ainda me provoca com a questão primordial: “O que é a vida?”. Depois, desfruto de uma boa prosa ou poesia para seguir inquieto no dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A escrita literária tem fundamental importância no meu dia. Não delimito tempo, é ela quem me conduz. Procuro estar leve, para isso. Somente após o trabalho, que geralmente me toma parte do dia, consigo me entregar. Antes de tudo, tomo um bom banho. Quando posso, e me esforço para que aconteça, no meio da tarde começo a preparar o ambiente: faço algumas pesquisas prévias, separo materiais e, então, começo a escrever. E a escrita não acompanha a inspiração, absolutamente. Mas também, para ser prazerosa, na minha concepção, não poderia estar rigorosamente atada às regras, às metas. No mais, deixo que meus gatos, dois, se acheguem. São amuletos. Distraem. Apaziguam.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gosto de escrever um pouco todos os dias. São duas a quatro horas, em média, que me dedico à escrita; que me dedico a mim, portanto. Há dias que não consigo, natural. Não me penalizo por isso – ou tento não me penalizar, se o motivo for trabalho ou algo urgente. Mas, de fato, procuro ter uma regularidade, porque, como todo bom ansioso, quero sentir palpável o resultado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tento conciliar os processos de pesquisa e de escrita. Quando começo pela pesquisa, busco esvaziar essa etapa. Mas vou entrelaçando-os de acordo com a necessidade. Já com as notas compiladas, a tendência é que a escrita flua – não é a regra. Há dias em que pelejo para esmerar o conteúdo, para que saia, pelo menos, com ares de poesia; há outros em que, felizmente, me vêm sequências de palavras que julgo adequadas, próprias para a obra que procuro desenvolver. Posso resumir da seguinte forma: é mais confortável começar pela pesquisa – e ela se faz a todo momento, na leitura de um livro, de uma notícia ou de um acontecimento – e, em seguida, se a necessidade pedir, mesclo os processos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já fui mais travado na escrita e, especialmente, em exibir meus escritos. Por um tempo, tive medo das críticas e de que pudessem me paralisar, mas não de desistir. Hoje, sou mais permeável às críticas e tenho consciência do meu trabalho. Sei das minhas deficiências e estou arranjando meios para superá-las. Para evitar a procrastinação, recorro às metas, que não são tão rígidas assim – mas sinto que as devo ter. Quanto à ansiedade, digo que é o ponto mais delicado. Ao escrever uma prosa, seja curta, seja longa, tento me concentrar nas etapas (capítulos, parágrafos, etc.), para não me perder e, enfim, perder tempo. Nesse sentido, considero-me determinado; e o comprometimento me ajuda a serenar a ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
São muitas as revisões, em dias alternados. Não o fazia, e considero que perdi muito justamente pela ansiedade. Agora, tento me distanciar do texto, deixo-o “maturando” por uns dias, e retomo, com outro olhar. E, dependendo da disponibilidade dxs colegas, envio para que possam oferecer as suas considerações. São extremamente válidas. Acato-as na maioria das vezes, exceto quando mudam o sentido ou não tenho segurança em modificar. As leituras críticas são essenciais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje, escrevo muito mais usando o computador ou o celular. Se aparecer uma ideia, anoto no bloco de notas do celular ou envio ao meu e-mail, para não se perder. Quando tenho mais tempo, prefiro redigir no computador. Em alguns momentos especiais, como preparar uma prosa em formato de carta ou algo do tipo, não há outro meio, escrevo à mão. Nesses casos, me parece que há uma entrega maior, uma cumplicidade com o papel, comparável à leitura em livro físico, que suplanta a frieza da tela.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Nas minhas redes sociais procuro publicar, quase que diariamente, uma foto acompanhada de uma narrativa – pode ser um conto curto, algo poético, etc. É prazeroso. Nesse processo, me estimulo à criatividade, além de manter contato com colegas escritores, dividir experiências, sobretudo aprender. Mas acredito piamente que a melhor maneira de se manter criativo esteja na leitura diária e nas vivências do cotidiano.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Transito entre a escrita acadêmica, de profissional do direito, e a escrita literária. Hoje tenho claro: preciso mudar a chave, apesar de haver conexões – raras. Caí na esparrela de, no começo da escrita literária, usar expressões formais e próprias do direito, que, além da confusão, tornavam o texto enfadonho. Com as leituras contínuas, acredito que pude delimitar os espaços e me adaptar melhor aos processos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho me esforçado para me embrenhar mais no mundo da literatura. Quero me manter vivo e ativo, publicando minhas prosas em revistas, livros; também, minhas prosas longas, com as inquietações sociais pungentes que me atingem e que, desde o início, me levaram a escrever. O grande projeto é devotar parte da minha vida e do meu tempo à literatura e ao social. E o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe talvez fosse uma prosa poética sobre a superação da pobreza no Brasil.